quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

PODER DEGENERADO

No jornal A Tarde da sexta-feira, 03/01/2014, página, A3, Helington Rangel, professor universitário, economista e jornalista, escreveu um interessante texto sobre o poder na contemporaneidade, referindo-se àquilo que Foucault já refletia em suas abordagens teóricas: a natureza, origem e fluxo do poder. E é sobre esse último, o fluxo do poder, que Rangel apresenta sua argumentação, afirmando que:

Nos últimos anos as muralhas que amparam o poder se debilitaram num movimento veloz, ficando fácil de vencê-las, passar por cima delas ou iludí-las. Moisés Naim adverte, contudo, que o poder não desapareceu, apenas os poderosos de hoje costumam pagar um preço maior e sem demora pelos erros do que seus predecessores. (RANGEL, 2014, p.A3)

De fato, uns períodos eleitorais atrás, ainda recentes, “os homens que exerciam seus podres poderes” reinavam no controle geral dos aparelhos políticos, econômicos e ideológicos. Os aparelhos políticos eram assegurados pela ditadura. O aparelho ideológico era garantido por canais de tv, muitos poucos em relação ao número que temos hoje, fiéis às determinações do poder político, principalmente a Rede Globo de Televisão. E o controle econômico era feito por grupos fechados, monopólios que não enfrentavam concorrência devido às proteções do mercado interno. Foi nesse contexto que ACM, João Alves, João Figueiredo e Sarney, entre outros, foram forjados. Prendiam e arrebentavam. O poder jurídico e o legislativo estavam sucumbidos diante do poder político que o poder executivo exercia com máxima coerção das polícias sobre os descontentes.

Aos poucos, um contrapoder e uma contraideologia foram tomando corpo no tecido social brasileiro e com a redemocratização, partidos e movimentos sociais foram apresentando sua utopia como ideologia possível para um país em transição. Reaparecem o PCB (Partido Comunista Brasileiro), o PC do B (Partido Comunista do Brasil), e, unindo todos à esquerda, se apresenta o PT (Partido dos Trabalhadores). Luís Inácio Lula da Silva surge como principal liderança desse processo e, no desenvolvimento histórico possível daquele tempo Lula começa a representar os anseios de mudança que mobilizam pessoas, grupos, movimentos e instituições no espaço social brasileiro. Foram três eleições até que Luís Inácio, o Lula, chegasse à Presidência. Finalmente um trabalhador iria nos governar e provocar mudanças que indicassem um redirecionamento a favor das classes sociais menos favorecidas, atuando em seu processo emancipatório. Votamos “sem medo de ser feliz”. Enfim: “Lula lá”!

Lula era a opção mais clara para quem desejava mudança de fato nos rumos que este país tomou desde sua invasão pelos portugueses. A eleição de Lula representou um marco histórico na História de nosso jovem país. “Os meninos e o povo no poder eu quero ver”, cantávamos a utopia com Fernando Brant e Milton Nascimento. Mas então veio a decepção. Lula mudou. Não era mais o operário aposentado pela perda de um único dedo que, despojado, pregava tal um “Conselheiro”, que o sertão iria virar mar. Não virou. A utopia foi deixada de lado e veio o pragmatismo do poder a qualquer preço, digo, a qualquer mensalão. Na educação, na saúde, na infraestrutura do país, no investimento em ciência e tecnologia nada mudou. A economia cresceu, de fato, mas por um artifício estatal do governo Lula. Cresceu através do consumo via empréstimos bancários, não via aumento de produtividade pela melhoria dos indicadores educacionais dos brasileiros. As pessoas compraram carros, apartamentos, eletrônicos, eletrodomésticos e encontraram-se num endividamento crescente, caracterizando a “economia do voo de galinha”. E o governo do PT foi exercendo o poder da forma cínica, fajuta, elaborando uma ideologia rasteira que somente seus “dependentes químicos” do bolsa-família acreditam.

A corrupção espalhou-se e escancarou-se descaradamente. O cinismo tomou conta de todos: de vereadores analfabetos, prefeitos ignorantes, governadores surrupiadores do erário público, deputados, senadores e quase todos os políticos brasileiros. Mais uma vez, a mesma lógica dos portugueses se repete: o Brasil não é um país para se construir uma nação, mas um lugar para explorar as riquezas e mandá-las para o exterior, contas no exterior. Antigos “companheiros” enriqueceram repentinamente. O próprio filho de Lula enriqueceu tão rapidamente que parece milagre – talvez haja alguém que acredite nisso. Escândalos de corrupção começaram a se tornar diários. Então o Poder Judiciário, tal como um antivírus, teve de aparecer na cena política com veemência, para combater a infecção generalizada que está matando nosso país. E aparece Joaquim Barbosa na cena, com sua coragem, sua sapiência e sua vontade de fazer valer a lei para todos, independente de partidos, classes, grupos e interesses. A prisão dos mensaleiros, incluindo José Dirceu, José Genoíno, João Paulo Cunha – cuja prisão está bem próxima -, Roberto Jeferson, Pedro Henry, Marcos Valério – operador do esquema – entre outros poderosos de outrora, foi um suspiro de esperança dado pela justiça desse país. Claro, tudo isso é uma simplificação do que ocorre nos corredores do Planalto e dos Ministérios ministeriosos de Brasília.

E isso tudo foi gerando um processo em que o aparelho ideológico do estado foi perdendo sua capacidade de garantir o consenso. As redes sociais hoje desempenham um papel fundamental, deslocando o poder através da criação de grupos outros que rejeitam bandeiras partidárias, velhos discursos ideológicos, movimentos sociais atrelados a eles e toda e qualquer inclinação que aponte para isso. Sobre isso Rangel (2014) afirma que

Os partidos políticos ou movimentos sociais ainda travam uma luta desesperada pelo comando, como nos velhos tempos. Porém, o antigo poder em si entrou num processo irreversível de degradação. (RANGEL, 2014 p. A3)

As manifestações de junho do ano passado são reflexo disso. Começamos a perceber a ilusão que o Partido dos outrora Trabalhadores queria nos fazer acreditar. Nosso país não está sendo construído. Continua sendo surrupiado, como sempre. A riqueza coletiva por nós produzida e apropriada pelo Estado através de impostos crescentes, está sendo derramada no ralo da corrupção. Nosso sistema educacional brasileiro é uma lástima, com mesma avaliação para o nosso sistema de saúde. A segurança em nosso país é uma piada grotesca e a propaganda dos governos não consegue mais enganar muitos tolos.

[...] o economista venezuelano Moisés Naim argumenta que o poder está passando por uma espécie de transfiguração visível e histórica: cada dia ele se dispersa e os atores tradicionais estão sendo confrontados por imprevistos concorrentes. O poder não é mais o que foi, percebe Moisés Naim: no século XXI pode ser obtido sem dificuldade ou esforço, difícil de utilizá-lo e fácil de perdê-lo. A realidade está modificando o comportamento das pessoas: existe uma degeneração na malha social que perturba o modo de ser da interação humana. (RANGEL, 2014, p.A3)

Desconfio, contudo, que quem gerou isso tudo em nosso país não foi a emergência das redes sociais: a “degeneração na malha social” não é causa, é efeito de um exercício de poder degenerado por práticas antigas de poder mesquinhas, interesseiras, nepotistas e patrimonialistas que nos cansaram a paciência, minaram nossas esperanças e nos forçaram a reinventar o modo de fazer política nesse país, o modo de cada um, unido apenas pela indignação generalizada com tanta descaração, impunidade e cinismo, que nos afasta de sermos uma nação. O poder não está tão controlado e tão navegável assim pelo PT e demais partidos que sugam as tetas do estado. Os ventos de 2014 vão soprar, muito embora desconfie que a "copa do mundinho 2014" seja comprada como uma mercadoria qualquer, pelo bem do capitalismo internacional e dos políticos salafrários brasileiros, nossa atenção ficará alerta para as informações e os acontecimentos que serão interpretados livremente em nosso espaço social, político e ideológico mais eficiente hoje em dia: as redes sociais.   


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

2 comentários:

  1. O texto é àcido, intrigante e provocador, porém discordo da questão do bolsa família , pois nós trabalhadores/as sabemos bem o que significa uma política pública afirmativa tão necessária para minimizar a desigualdade gritante que ainda assola o pias. Ainda é muito pouco, sabemos, mas inegavelmente o social teve crescente melhora, e basta ler o Relatório da UNESCO´, que perceberemos onde ainda se instala e enraiza a pobreza no semi árido baiano em condições de miserabilidade abaixo da linha da pobreza que sem o Programa bolsa família não estaria mas vivos. São milhões de brasileiros/as baianos/as pobres que hoje se configuram noutra estatística. Estudam, trabalham, chegaram a universidade em curso de elite, da "pura nata" como medicina, direito ... através das políticas afirmativas do governo Lula.
    A pesquisa da autora baiana, aponta dados sobres este jovens do PROUNI e em cursos de direito e medicina com lares sem sequer um sanitário decente.
    Milhões de brasileiros/as fora da linha da miserabilidade a partir das bolsas gás, família, entre outras.
    É preciso muito mais ainda pra termos um pais mais igual. /se fizermos a lição de casa do investimento em educação.

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  2. Tudo bem. É certo que houve avanços, mas insignificantes do ponto de vista da macro estrutura política, jurídica, econômica e ideológica do nosso país. Evidentemente, ao perguntamos para uma pessoa numa situação de miserabilidade qual a avaliação que a mesma faz do "bolsa-família" consequentemente que ela a terá como "o maná caído do céu". Mas que deve cair sempre. Esse é o problema que eu aponto. O governo Lula e o Governo Dilma não atuaram para a modificação da estrutura que gera os miseráveis, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Muitas vezes as políticas do bolsa-família, aliadas à Copa do Mundinho, não são nada mais, nada menos, que a velha política do "pão e circo". Apesar de alguns jovens das classes mais exploradas chegarem à universidade através de cursos de direito e medicina, eles e elas são exceção. A maioria dos jovens pobres procura cursos de licenciatura, atualmente muito desvalorizados, a fim de entrar rapidamente no mercado de trabalho. Uma casa sem sanitário decente aponta para a estrutura do sistema econômico e social brasileiro que, em seus pilares, não foram tocados, aliás, acredito que foram até reforçados por essas políticas. As notícias que nos chegam através do meios jornalísticos apontam para o desvio diuturno de verbas destinadas à educação, à saúde, à segurança, à infraestrutura. Os estudantes que chegam à universidade estão cada vez mais semianalfabetos. Outra coisa: os movimentos sociais, depois da chegada do PT ao poder estão cada vez mais enfraquecidos, ao contrário do que pensávamos antes. Viraram penduricalhos de apoio ao partido, com muitos líderes - incompetentes administrativamente - comprados com cargos no 2º e 3º escalão do estado. Os governos do PT mostraram sua cara. Wagner, por exemplo, é o maior democrata quando se trata de acolher e aliciar velhos inimigos políticos - tais como os carlistas - mas um ditador quando se trata de negociar com os funcionários públicos - Vide a greve de mais de cem dias dos professores da Rede Estadual de Educação em 2012.

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