domingo, 20 de dezembro de 2015

Povo impávido, colosso

Eu leio comentários daqui e dacolá. A maioria bem parcial. Todos são parciais, inclusive este. Todo texto tem uma abertura semântica que não se fecha. Fico num angústia tremenda. Tendo a não aceitar os governos Dilma e Lula, pois procuraram obter uma hegemonia formando um bloco histórico que, por um certo tempo deu certo, mas com apoio de esquemas de corrupção baseados nas principais empresas estatais do país. Quando tiveram a oportunidade de mudar, deixaram tudo como dantes. Fortaleceram ainda mais um contexto político no qual não há como obter hegemonia sem irrigar os bolsos dos comparsas. 

Não há ideologia que se sustente quando nosso povo ainda está em formação política. Não uma formação política teórica, abstrata, longínqua da língua do povo, mas aquela que sentimos na pele quando associamos uma decisão no Congresso, ou mesmo no campo jurídico do Supremo Tribunal Federal (STF), com o preço da água, da energia elétrica, da alimentação, do transporte, do trabalho, do vestuário, da saúde, enfim, da produção da nossa vida cotidiana. Enquanto jovens de classe média repetiam com Cazuza que queriam uma ideologia pra viver, o povo quer viver para ter uma ideologia. E, por um tempo, as elites nos deixaram respirar fora da penúria. E isso aconteceu historicamente agora, no governo Lula e ainda no primeiro mandato do governo Dilma. Tivemos e, creio, ainda temos, nosso tempo de Quilombo dos Palmares.

Entretanto, quando nossas elites perceberam que estávamos sonhando demais com um país em que houvesse justiça social, o respeito às diferenças e à diversidade, no qual os trabalhadores e trabalhadoras fossem respeitados (as) em sua capacidade de produção coletiva da riqueza nacional, os (as) jovens negros (as) e pobres estavam tendo acesso à universidade e aos escalões superiores do mercado de trabalho e do centro de decisões, aí apelaram para o moralismo cínico e para as violências simbólicas e físicas, tendo o novo Domingos Jorge Velho, a Rede Globo, e boa parte da imprensa no apoio ideológico a tal investida contra as classes populares. 

Aécio, Serra, Alckmin e todo o PSDB, o DEM, os partidos nanicos, e todo o PMDB também se alimentam desse dinheiro sujo que está na base financeira do nosso processo eleitoral. É com esse dinheiro que se pagam os carros de som, os "santinhos", os cabos eleitorais, as propagandas na tv, rádio e jornal, as inúmeras viagens de avião por este país continental, as estadias em hotéis, as compras de lanches, água, passagens para assessores, a assessoria jurídica, a assessoria digital na internet, as camisas, as composições musicais, as faixas, cartazes, os apoios de prefeitos, vereadores, deputados, senadores, partidos. Qualquer um de nós que queira fazer política-eleitoral sem apoio financeiro não vai conseguir nem metade dos votos - com raras exceções, que devem existir e resistir. A maioria dos que não entraram em algum esquema é, basicamente, por duas razões: ou não puderam entrar, ou não quiseram entrar. Os que não puderam não faziam parte da "coalizão", não podiam saber, não tinham poder eleitoral ou grande poder econômico. Os que não quiseram, a minoria, também não souberam e, se soubessem, ou morreriam, ou sofreriam o assédio no mercado de compra e venda de suas convicções. 

Não há saída para nós se não nos unirmos em torno de que país nós queremos. É preciso fazer esse país, mudando urgentemente o nosso sistema político-eleitoral. Mas esse grande feito não vem de graça, como uma dádiva. Vem da luta, da organização popular, da reflexão coletiva e pessoal nas arenas discursivas instauradas em nosso tenso momento histórico contemporâneo. E os movimentos sociais têm um papel preponderante nesse contexto. Para além de "salvar Dilma do golpe", para além de reverenciar Lula como o nosso "novo pai dos pobres", há o caminho em que a história deve continuar sendo feita, apesar dos períodos eleitorais. É preciso que este novo sujeito social apareça na cena pronunciando uma nova proposta que assegure o que foi feito nos governos do PT, mesmo a gente ainda aprendendo a fazer política a partir da "memória da pele". Assim, novos líderes, formados por uma nova história, aparecerão, necessariamente, paridos por um povo que se ergue, impávido, colosso. 

Portanto, nessa angústia em que me vejo, não vejo outra saída senão o fortalecimento dos movimentos sociais e culturais, como escolas públicas de formação política do nosso povo em processo permanente de ascensão e de consolidação de sua hegemonia popular neste palco da história desse país grande, rico, belo e cheio de futuros que somente seu povo organizado pode trazer em seu benefício. 


Joselito Manoel de Jesus, professor.

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