Se alguém perguntasse sobre o poder de decisão que têm
aqueles e aquelas que faltam às assembleias do nosso sindicato docente, a
ADUNEB, alguns/as responderão apressadamente: nenhum. A ausência é o gesto
político claro do abandono de sua capacidade de decisão e, assim, o ausente, ou
melhor, os ausentes, abrem mão de seu poder e acatam, aceitando ou não, as
decisões tomadas pelos presentes, decisões que afetarão a todos/as. Os ausentes
seriam, nesse modo de ver, um sujeito político frágil, menor, mais propício a
ser atingido ideologicamente pelas tramas simbólicas do poder hegemônico. Essa
é a lógica formal sustentada pelos nossos princípios rarefeitos de justiça, de
solidariedade e de participação política.
Entretanto, parece-me que, nesse contexto político, econômico,
social e ideológico no qual nos encontramos, a maioria ausente está definindo os rumos de nossa luta política,
tanto no âmbito sindical, quanto no âmbito dos rumos da gestão institucional de
nossa Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e demais universidades estaduais
baianas (Uebas) e também de nossa prática pedagógica, geralmente solitária e
pouco compartilhada. O esvaziamento identificado em nossas assembleias e em
nossos demais atos políticos, reduzindo consideravelmente o seu alcance como
fato social relevante, minando nossas forças, abalando nosso núcleo subjetivo
profissional e configurando nossas práticas discursivas que produzem seus efeitos
políticos e ideológicos, revela que a maioria ausente faz falta. E muita! Faz
tanta falta que esta ausência se torna para efeito de nossa ação política, mais
presente que a presença de uma minoria que se esforça para supri-la,
debatendo-se à beira do afogamento político, nessa maré ultra conservadora que a
história está produzindo e que afeta a todos nós, professores, estudantes e
funcionários, presentes e ausentes.
Orlandi (2002, 2007) nos faz pensar que no silêncio estão
contidos todos os sentidos e que a palavra é uma forma de administração e
controle dos sentidos, tentando, inutilmente, “evitar a fuga dos sentidos” para
outro sítio semântico desfavorável ao sujeito enunciador e, consequentemente, à
formação ideológica que ele compõe, mesmo quando não sabe disso. O locutor tenta,
através do seu processo enunciativo, impedir que o sentido outro produza
efeitos que desloquem o discurso para o campo semântico contrário ao seu interesse. Nesse
sentido, ele fala para silenciar, não para explicar, pois o discurso é aquilo
pelo qual se luta, um campo de batalha, do qual nos falava Foucault (1999) em
sua “ordem do discurso”. Enuncia-se, assim, para não deixar que o discurso outro
apareça na arena discursiva, para que não mude a direção do ato político
através de formações ideológicas outras que manifestem na sua presença, a presença
de atores constituídos historicamente que também lutam pelos discursos que
tecem em suas práticas.
Nesse sentido, a maioria ausente tem uma presença
importante em nossas arenas discursivas, em nosso contexto social imediato no
qual a história se desenrola. E o seu silêncio fala. Múltiplos sentidos podem,
assim, ser interpretados nessa minha prática discursiva que deseja administrar o
sentido na direção do efeito de um maior envolvimento e uma participação ativa
dessa maioria de colegas professores/as, estudantes e funcionários/as, deslocando sua ausência perturbadora para uma presença fortalecida
pelo pertencimento solidário a uma classe profissional que enfrenta com
convicção as ameaças do conservadorismo arcaico que nos desafia à luta.
Precisamos entender esse sujeito fugidio que constitui a maioria ausente a fim
de encontrá-lo na interlocução constituinte entre eu e o outro na construção
dessa ponte necessária para o fortalecimento do sujeito sindical que representa
e reapresenta a todas e a todos. E há uma, além de tantas outras, forma de entendê-lo: envidar esforços para trazê-lo à arena discursiva na qual o mesmo se posicione na interlocução necessária.
A maioria ausente talvez esteja nos falando numa formação
imaginária na qual o sindicato ainda pratique discursos cujos sentidos estejam
tão esvaziados que não mais afetam suas esperanças, desejos, necessidades e
interesses, culminando na imobilização confortável dessa maioria, diante dos
desafios que temos em nossa situação social e política imediata e em nosso
contexto histórico amplo, no qual o conservadorismo arcaico pretende colocar
num canto esquecido da história sujeitos que mal apareceram no cenário social,
político, cultural e econômico contemporâneo, a maioria das classes populares e
dos movimentos sociais organizados. Um colega, em tom irônico bem humorado,
comentou comigo, em voz baixa, que quando ele vem a uma assembleia sindical
parece não ter saído do século XIX. Parece que todos/as que ocupam a tribuna
têm de falar os mesmos e tão moribundos enunciados, num “avante companheiros/as”, "camaradas" ou outro sujeito do gênero, para interlocutores ausentes que não são companheiros/as, muito menos "camaradas", que não sabem para onde
avançar, nem se sentem tocados para posicionarem-se do “lado dos bons” e rumo à
luta pela sua dignidade profissional docente.
Convivemos numa universidade na qual os/as professores/as
da pós-graduação parecem não se envolver com o destino político, ideológico e econômico
da instituição. Parece-me que eles e elas são “superiores” aos demais colegas,
tendo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
como mediadora e condutora principal de seus interesses e necessidades
imediatas. Com raras exceções, esse sujeito institucional que vai se
constituindo historicamente num processo de apartheid
dos demais membros de sua categoria profissional, disputando, na vaidade de sua
produções anuais, o ápice do status quo
reservado aos eleitos pela academia. Mesmo reconhecendo a importância do 2.° doutorado para o reconhecimento da Uneb pelo Ministério da Educação (MEC) e do importante trabalho intelectual produzido no âmbito dos mestrados e doutorado já existente, meu questionamento não é do doutorado nem dos mestrados, mas do modo como ele reproduz a hierarquia social sem fazer-se a autocrítica necessária.
A maioria ausente talvez seja sempre assim, ausente,
embora nunca tenha sido percebida sua ação inconteste e perniciosa na falta de
ação que a caracteriza, sinalizando para nossos algozes interlocutores, o
quanto a vontade geral de uma classe profissional não está nem aí para
políticas públicas que vão prejudicar milhares de trabalhadores, mulheres,
homens e crianças, atirando-as de volta para o passado sombrio de uma nação
colonizada pelo privilégio, pela concentração estúpida de renda, pelos
preconceitos de classe, de gênero, de raça, de região, de religião, de pele. Em
nossa manifestação em frente à Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA), o
governo viu o reduzido número de professores/as, estudantes e funcionários/as,
que não deu nem para fazer a passeata até a frente da Secretaria Estadual de
Educação (SEC), dispersando-se dali mesmo, rumo ao cansativo retorno da
reconstrução do movimento, este também cansado. A maioria expressou-se em sua
produtiva ausência no vácuo daquela presença pequena e aguerrida, mas
insuficiente para que seu discurso tivesse eco nas estruturas de poder do
estado, porque a ausência enunciou, numa retórica clara, o sentido de sua falta, produzindo efeitos danosos para a luta sindical neste momento tão difícil de nosso país.
Joselito M. de Jesus, professor sem doutorado, mas acima
de tudo, professor. Com o auxílio de:
FOUCAULT, Michel. A
ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1999.
ORLANDI, Eni, P. As
formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 5. ed., Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 2002.
________. Interpretação:
autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 5. ed., Campinas, SP:
Pontes Editores, 2007.
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