Mutirão já libertou 432 presos em Manaus
Esse “mutirão” ao qual a
manchete do jornal A Tarde se refere é o mutirão coordenado pelo Tribunal de
Justiça do Amazonas (TJ-AM), iniciado em função do massacre de 56 presos do
Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), “acidente pavoroso” ocorrido no
primeiro dia deste ano que promete. Mesmo levando-se em consideração que boa
parte desses presos são provisórios – 37% em Manaus e 67% no interior do
estado – ainda assim penso que os juízes e demais profissionais envolvidos
nessa operação nada entendem de sociologia. Não serão “presos” – esse sujeito
imaginário que cometeu algum (ns) delito (s). É preciso saber quem são esses “presos”
para que possam voltar a ser “soltos”, porque nesse país, poucos são os “livres”.
E isso não é mero jogo de palavras.
Quando um sujeito é preso
nesse país, não importa se roubou a velha e repetida galinha – que deve estar
exausta de ser roubada por “ladrão de galinha”, que deve estar cansado de ser
assim nomeado, pois não existem mais tantos quintais, nem galinhas neles ciscando
para serem roubadas por milhares de “ladrões dessa ave comestível – é atirado
no mesmo lugar que assassinos psicopatas, pistoleiros, traficantes, chefes de gangues
e facções criminosas. Seu processo fica parado décadas a fio, pois os juízes
sempre reclamam que são poucos, mas pouco se vê um juiz trabalhando. O sujeito
preso é obrigado, para sobreviver, a entrar numa das facções criminosas, que são
as verdadeiras gestoras dos presídios no Brasil. Desse modo, ele passa do
mítico “ladrão de galinhas” para o real soldado do crime organizado que comete
o terror nas ruas das cidades brasileiras. O filme nacional, “1 Contra Todos” –
http://www.foxplaybrasil.com.br/show/13055-1-contra-todos
– revela essa face corrupta e decadente do sistema carcerário brasileiro. Portanto,
não são presos – esse sujeito generalizado pelo imaginário social – que estão
saindo dos presídios e cadeias públicas e privadas, mas membros ativos de
facções criminosas que, sabendo de um estado negligente para com sua segurança
pessoal e coletiva, continuará obedecendo às ordens dos seus chefes, como forma
de continuar sobrevivendo fora das celas e protegendo, o quanto pode, sua
família, quando tem. Isso denota que a inteligência por trás de iniciativas
como esses mutirões é bem precária.
Luis Fernando Veríssimo,
afirma que o que se pratica no presídio, sob a anuência do estado, é eugenia.
Segundo este importante escritor brasileiro:
A eugenia é um bom exemplo, ou um
péssimo exemplo, do que ocorre no Brasil há séculos.
Há, por trás do tratamento dado aqui
ao negro, ao pardo e ao pobre, cuja amostra mais evidente é esse sistema
carcerário ultrajante, um mal disfarçado intuito de purificação.
Empilhar criminosos, independentemente
do caráter do crime, em cadeias infectas e esperar que eles se entredevorem é
um método prático de depuração. (VERÍSSIMO, 2017, p.A7)
Meus olhos lêem esses
acontecimentos através da História. E é pela História que eu vejo escrito nas
entradas dos presídios: “Instituição substituta do tronco que ficava no pátio
da casa grande, criada especialmente para negros, índios e pardos. Proibida a
entrada e permanência de brancos.” E é também pela história que eu vejo escrito
nas viaturas policiais e nas atitudes destes para com o que aqui denominamos
erroneamente de “cidadãos”: Veículo de transporte de negros fugidos (para as
viaturas); Capitães do mato (para soldados, sargentos, tenentes, capitães e
coronéis); sujeito suspeito, que deve ser abordado com agressividade (para
cidadãos). Quando o “coxinha” do ex-chefe da Secretaria Nacional da Juventude
lamentou que não houvesse ainda mais chacinas nas prisões, expressou o pensamento
do estado brasileiro e de boa parte da nossa sociedade que, por necessidade ideológica,
precisa ocultar a sua verdadeira intenção. Se os nazistas tivessem conhecidos
nossos métodos de eugenia, talvez estivessem no poder até hoje.
Portanto, nosso estado não é
ineficiente diante do crime organizado que comanda massacres “pavorosos”,
acidentalmente ocorridos, segundo o atual presidente golpista. Ele é o próprio
crime organizado, que se coloca como extensão do braço armado que pode matar
sujeitos indesejáveis pela sociedade branca e elitista, sem precisarem
responder por esses crimes contra a humanidade, posto que já são criminosos. O
estado não perdeu o poder diante do crime organizado: o crime organizado
trabalha para o estado, limpando a sociedade dos negros fugidos que se
rebelaram contra as torturas dos capitães do mato de agora. Da mesma forma, a “inteligência”
das ações imediatistas do braço jurídico do estado, revela-se uma pantomima, uma
cena novelesca de baixa qualidade que busca agradar ao publico e recuperar a “audiência”
confiante no final feliz. Não haverá um final feliz. As ruas de Natal, capital
do Rio Grande do Norte, já começam a ser incendiadas com as ordens que o
tráfico, um dos maiores geradores de riqueza no mundo, está dando para seus
soldados fora das masmorras que chamamos de presídios.
Joselito, pardo, sujeito
suspeito, com o auxílio de:
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Coxinhas. A Tarde, Salvador, p. A7, 19/1/2017.
LASSERRE, Luiz. (Edit/coord.). Intensificadas ações para
conter crise. A Tarde, Salvador, p.A4, 18/1/2017