Ao lermos o conceituado jornal A Tarde
e sua Revista Muito, vamos sendo convidados a ler o tempo e sua complexidade.
Foi o que me aconteceu ao ler os jornais dos dias 8 e 9/1/2017. Sonhamos em
invadir o tempo, contornando o seu avanço. Colocando-nos em qualquer ponto da
história em que desejarmos, seja no passado, seja no futuro, seja no presente
imediato que emerge daqui a alguns segundos. Segundo Anilton Santos, arquiteto
e urbanista,
O presente é
uma sombra que ronda o ontem e o amanhã, nisso repousa a nossa esperança e a
nossa agonia. O que somos hoje é fruto do que construímos no passado, amanhã
seremos fruto do que construímos no presente. (SANTOS, A Tarde, 9/1/2017, p.A2)
Para
Santos o tempo tem um fluxo inevitável, como se o passado desembocasse no presente
e este, num futuro historicamente inexorável. Pode ser, contudo, que amanhã
sejamos passado, não passados para o pretérito, mas passados para o futuro, isto
é, na destruição de nosso futuro. Somos passados desde o presente. É o que
percebemos nas reflexões da artista visual Gadra Kilomba.
As vezes tenho a impressão de que
vivemos numa atemporalidade, em que o passado está sempre no presente. Nós
vivemos no presente, mas o passado está sempre sendo construído. E a mudança
parece algo muito pontual. O caso Obama, sucedido por Trump, é um exemplo
disso. (KILOMBA,
Revista Muito, 8/1/2017, p.9)
Essa ideia de que estamos
reconstruindo de maneira permanente o passado me parece mais sentida neste
momento histórico. Parece-me que a máquina colonial brasileira religou os seus
motores e recomeçou a moer a carne humana dos negros, trabalhadores,
nordestinos e nortistas, mulheres e homossexuais, conforme charge do criativo
Simanca. (A Tarde, 9/1/2017, p.A3)
Somos profetas ao inverso no Brasil:
nossas palavras e ações convidam a história a voltar no tempo e avançar para o
futuro do pretérito. Em nossas atitudes, iremos para a “casa-grande”, voltaremos
para a senzala e pediremos servis aos nossos brancos senhores, a mão para beijar,
humilhados perante o poder, a beleza e a força dos nossos brancos, únicos no
mundo em perversidade e artimanhas de continuidade de um tempo que se foi.
Nessa máquina do tempo nós ligaremos nossa
“contra-redenção”, funcionaremos novamente na mesma condição de paz degradante
em que nos encontrávamos num passado sempre presente nas instituições sociais,
dos bancos aos hospitais, das escolas às universidades, da família à igreja,
realimentando as relações patrimonialistas, racistas, homofóbicas, machistas. Em
nossas mãos e em nosso cérebro o passado é reconstruído, dia a dia, na direção
do futuro sem futuro.
Joselito da Nair, do Zé, da Ana Lúcia, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
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