domingo, 29 de março de 2020

TEMPO DO VÍRUS: TEMPO PARA NÓS E PARA O PLANETA?


Neste momento de nossa história, no qual o Corona Vírus provoca a COVID 19 por todos os continentes deste planeta, levando milhares de pessoas à morte, poderemos aprender, entre outras tantas coisas, duas coisas fundamentais que se interligam, para nossa continuidade neste planeta: 1. Se continuarmos nos comportando como vírus, o próprio planeta Terra vai nos eliminar. Essa ideia não é minha, é de Leonardo Boff. Não são as pessoas o vírus, mas a ideia que elas carregam: de transformar tudo em fonte de lucro, levando nosso planeta ao colapso e desencadeando suas reações emergenciais diante da ameaça humana. 2. Temos uma nova chance de repensar a humanidade como um só povo, todos moradores desta nossa casa única. E, ao invés de ficarmos delimitando cada vez mais fronteiras e erguendo cada vez mais muros, e criando atalhos para mais e mais guerras, podemos construir cada vez mais pontes, compartilhando nossa moradia como terráqueos, enfrentando o desafio mais gratificante para nossa conciliação conosco e com a natureza. 

O capitalismo desencadeia, no mundo inteiro, uma economia devastadora para o planeta, poluindo rios, mares, desmatando e queimando florestas, extinguindo milhares de espécies da fauna e da flora – o que abre o caminho para pandemias sucessivas – e nos aproxima do precipício de nossa autodestruição. É como lembra Rubem Alves que, citando Guimarães Rosa, afirmava mais ou menos isso: Eu sou escritor, penso em eternidades, não sou político nem economista, que pensa em minutos. E acrescenta: feliz quem planta árvores em cuja sombra nunca se deitará. O economista e o político são lenhadores, destroem para consumo imediato. Mas fomos criados para sermos jardineiros e cuidar do planeta. O economista pode ser um economista-jardineiro, bem como o político, trabalhando na administração dos jardins públicos, da proteção das florestas, dos rios, cachoeiras, montanhas e mares. Mas um economista que sempre olha para natureza e vê somente possibilidade de lucro, bem como um político liberal e neoliberal que administra essa ideia, deixando passar o trator, a motosserra, a serra elétrica, o lança-chamas, a dinamite, o lixo e a poluição atmosférica, só vai destruir a beleza que resta, desequilibrando definitivamente nosso planeta e nos lançando na má sorte da autodestruição.

O capitalismo nos torna indivíduos virais, que atacam os órgãos do planeta, destruindo sua proteção e provocando-lhes enfermidades que podem levá-lo à morte. Cidades que poderiam ser ainda mais lindas, com rios límpidos e margens arborizadas cortando o seu centro, como Jacobina, Itabuna entre tantas outras no mundo, tornam-se uma fonte de podridão, pois despejam no rio suas fezes, seus venenos, suas podridões, revelando o fracassado modelo de desenvolvimento que impera no lugar. É muito triste e espantoso isso. A gente tem de desacostumar com isso. Não é natural um rio ser assassinado por nossa carga viral! Será que não existe saída? Será que não há inteligência suficiente neste planeta para produzirmos novas culturas na economia e na política que recuperem o estrago feito neste corpo vivo que é nossa Casa Maior? Não podemos ter uma economia mais comedida? Para que tantos dinheiros nas mãos de tão poucos? Por que esse dinheiro não é devolvido para quem o produziu, os trabalhadores e as trabalhadoras do mundo?

E ainda temos o grande desafio de nos despir das ideias tolas e perigosas de supremacia branca anglo-saxônica. Enquanto cada um de nós se achar mais especiais, mais perfeitos, mais puros e mais santos que os outros povos, sempre estaremos criando motivos para guerras. Sempre estaremos fazendo apologia às armas como instrumento de proteção pessoal e de ameaça coletiva, como um pistoleiro do velho oeste ou “a cavalaria” que matava índios – mulheres, crianças e anciãos também – pelo domínio de suas prósperas terras. O primeiro filme norte americano que eu assisti no qual os indígenas foram as vítimas de um massacre foi “Dança com Lobos”. Antes, todos os brancos eram heróis e vítimas do “ataque covarde” do índio “selvagem”.  

Nossa humanidade tem de repensar isso! Agora mesmo o que sobrou dos indígenas no Brasil, está sofrendo ameaças de garimpeiros, "latifudincendiários" e seus assassinos profissionais, que já mataram algumas lideranças indígenas. Tudo isso sob a influência desumana de um presidente [BolsoNero] perverso que “governa”, por ora, o nosso país. A violência contra as mulheres disparou, a violência gratuita de policiais contra jovens da periferia aumentou consideravelmente, o assassinato de jovens negros favelados disparou e as ameaças virtuais nas redes sociais ameaçam a cibercultura como espaço de liberdade e de criação coletiva de novos cenários de esperança e inovação.

Eu já passei por isso. Achava que era especial, mais especial que as outras pessoas. Mais especial que meu vizinho, minha namorada, meu irmão, meu colega de futebol, mais inteligente que meu colega de sala de aula etc. Eu fui infectado por essas ideias. E, se há algo bom que aprendi é que naquele momento eu era o mais tolo e insensato de todos/as. E, ao despertar dessa insensatez, dessa babaquice inconsequente, pude perceber que somente juntos conseguimos ser mais. Não mais que o outro, mas mais que nós mesmos. E mais, justamente porque sei que não sou mais que ninguém, muitas vezes até menos, no sentido de que dependo da sabedoria e da competência alheia para melhorar a minha intervenção na realidade, podendo também contribuir com minha singularidade. Começo a prestar atenção e a escutar melhor para entender a curiosa lógica de quem interage comigo. Fico mais observador para contemplar admirado as invenciones alheias, os saberes que estão em suas diferentes expressões. E começo a deixar de ver no/a outro/a um potencial inimigo, mas alguém que pode me ajudar a ver por outros ângulos o que minha limitação ainda não permite. E, no desenvolvimento desse processo, quem sabe, nossas fronteiras não vão se abrindo e permitindo capilaridades que potencializam trocas enriquecedoras entre pessoas, grupos, povos e nações?

Utopia? Ingenuidade ou possibilidade? Somos destinados à guerra eterna ou podemos encontrar jeitos de paz? Somos vírus consumindo o planeta, queimando suas florestas, devorando suas raízes, poluindo seu ar, sua água doce, seu mar, sua terra? Até quando vamos consumir sem nos preocupar em preservar o que nos é mais sagrado diante do mistério da vida? Ah. Esse Corona Vírus nos trouxe a oportunidade de refletir, de nos reencontrar conosco, com quem somos casados, com quem convivemos mais de perto. Houve muito pedidos de divórcio agora na liberação controlada da cidade de Wuhan, na China. Será que, quando ficamos juntos, o pior de nós vem à tona e a pessoa que está ao nosso lado começa a ser eleita como nossa principal inimiga, e, as guerras do sexo disparam seus canhões e bombas atingindo nossas filhas e nossos filhos? Se não aguentamos nossos/as filhos/as em casa, se eles também se tornam o inferno, como diria Sartre, que tipo de humanidade nós temos? Será que não é um egoísmo entranhado que temos o principal motivo que nos afeta neste momento? De onde vem nossa impaciência com o/a outro/a?

Este, portanto, é um momento de profunda reflexão que pode nos trazer de volta à amorosidade, ao afeto, à autocompreensão das ideias que nos controlam, que nos fazem agir de um modo, sempre previsível, e não de outro. Não é fácil. É preciso muita coragem para isso, para enxergar nossa imagem no reflexo que miramos em nosso interior profundo. Esse é um momento da gente perceber também que o capitalismo sem a exploração do trabalhador, da trabalhadora, muitas vezes desumana, não é nada! Suas máquinas, seus dinheiros em formas de papel, suas terras e suas marcas de distinção, não alimentam ninguém. E que a natureza, sem nossa circulação e atividades destrutivas, respira melhor por um tempo, o tempo que o vírus ganhou para ela e, talvez, para nós também.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel


sábado, 21 de março de 2020

FIEL DO TIPO


Aonde está a fé? Está ali, num templo erguido num terreno adquirido pelo dinheiro dos fiéis? De que lado fica a fé? Do lado de lá, naquela margem que nos divide? A fé está em cima de uma árvore? A fé está no fundo do mar? Essas são perguntas retóricas, para chamar a atenção sobre a importância de refletirmos sobre os critérios que escolhemos para geografizar nossos valores, sentimentos e crenças, geralmente colocando do nosso lado Deus e a virtude e, do outro lado da margem, o diabo, o vício, a imperfeição. E assim caminha a humanidade, encontrando indícios de divisão e empurrando-os para o outro lado da margem, lado de lá. 

Algumas pessoas dizem que elas têm e "guardam" a fé. Contra o "mundo". E criam uma linha divisória entre "nós", que estamos do lado de cá - o lado certo - e "eles", que estão do lado de lá, o lado errado. Observem: não havia lados. Algum espertinho traçou uma linha, com ideias toscas, e criou o contexto para a guerra. Os europeus cristãos, assim o fizeram: traçaram uma linha imaginária entre eles e os povos do Oriente e instauraram a "guerra santa", matando milhares de inocentes do "lado de lá". E aqui no Brasil essa linha está cada vez mais acentuada, fomentando a guerra que em breve pode ser desencadeada, afinal, matar pessoas que não seguem os ditames cristãos proclamados pelos meus líderes religiosos (que professam a "verdade"), é um serviço que presto para o bem da humanidade. Alguns/mas pensam assim. E os ateus; e aqueles e aquelas que professam a fé através das religiões afrobrasileiras; e aquelas e aqueles que se recusam a serem fiéis, mas resolvem pensar em sua autonomia intelectual, estão todos e todas do lado de lá. É simples! O lado de cá vai vencer, porque Deus, está do nosso lado. E assim se justifica a guerra com o simplismo de discursos fáceis e perigosos, que coloca irmãos de lados distintos, através de uma linha imaginária que as palavras traçaram no mesmo campo de território de sobrevivência: a cidade.

Quando há uma guerra, Deus não está do lado de cá, nem do lado de lá. Deus não mais está. Porque Deus está por todo lado e Ele é o Deus da Vida em abundância para todas e todos. Mesmo que a gente queira que Ele só esteja do nosso lado, como uma criança egocêntrica, uma "bananinha". Ele é Alá! Ele é Olodum! Ele é Jesus Cristo! Ele é Buda! Ele é Krishna! Ele é Deus! Nos filmes e seriados estadunidenses existem os walking dead's. Nós somos os walking dead's, que caminham pelo mundo em busca de sobrevivência. Só que walking dead's podem ser mortos sem culpa, pelas pessoas que despejam suas perversidades em tiros legitimados pela benção de "deus". 

E assim se multiplicaram os padres e pastores, os missionários, e outros líderes religiosos, que se aproveitam da pouca formação educativa das pessoas e da fragilidade psicológica delas para criar cada vez mais divisões, retroalimentando sua liderança através de justificativas de que cumprem uma "missão" dada por Deus. A missão de "salvar" você do mal. E você, sem apoio psicológico, sem ter adquirido hábitos intelectuais que o/a leve a desconfiar das palavras fáceis, ditas em contextos nos quais não há debate - pois se foi Deus quem mandou dizer aquilo, quem é corajoso o suficiente para debater com o próprio Deus? Só Jó, é claro -, com reduzido acesso à leitura ou, quando o tem, pouca vontade de ler, acredita piamente nas palavras do seu líder religioso, porque, se existem dois lados, e o lado de lá é o lado do mal, você quer estar do lado do bem. Não é assim? É fácil! O que é difícil é desconfiar dessas palavras fáceis que brotam rapidamente desses homens que te trazem a "salvação", arregimentando-o/a como um soldado armado de ideias fáceis e perigosas "do lado de cá". 

Assim o é o Silas Malafaia e outros/as similares. São homens e mulheres de palavras fáceis de escutar, porque dizem falar em nome de Deus. E ele se institui desse poder de mediador do divino, do sagrado, agindo sem contestação. Ele está do lado de cá. O lado de "deus". Ele se institui como agente de salvação, enviado de "deus" [ou será do diabo?]. E ninguém pode detê-lo! Nem a justiça humana. porque acredita-se que ele está com a "justiça divina". Mas... Será? 

Silas Malafaia, neste contexto de pandemia do Corona Vírus (COVID-19), no qual milhares de pessoas morrem no mundo inteiro, utiliza desse artifício da fé para colocar-se acima da realidade, desafiando as orientações médicas e recomendações do Estado brasileiro e colocando seus/suas próprios/as fiéis, além de seus parentes, amigos/as e vizinhos/as em risco de contágio. Sua fonte de renda principal são seus cultos, onde dezenas de pessoas se juntam para ouvir as palavras fáceis desse espertalhão da fé. Ele cria as condições para que o vírus se espalhe entre mais pessoas, colaborando com o avanço da pandemia e confundindo intencionalmente fé com ciência. 

Silas Malafaia não vive entre os pobres, como Jesus. Silas Malafaia não divide sua riqueza entre os pobres, como Jesus recomendou. Silas Malafaia enriquece a olhos vistos, retirando dinheiro da sua capacidade de discursar para um público ingênuo, facilmente manipulável. Sua fonte de renda não é o trabalho duro, que a maioria das pessoas fazem. São seus cultos! E por isso ele ficou indignado com a possibilidade de suspensão de aglomerações de fiéis em seus templos, onde, supostamente, a fé está. O dinheiro míngua para ele também, que já tem tantos dinheiros! Mas ele quer mais! Ele não está nem aí para Deus! Nem para a segurança de seus/suas fieis. Sua fé é tão pequena que o impede de oferecer seus templos para acomodação dos futuros contaminados com o vírus. Ao contrário de clubes de futebol, como o Bahia, ele usa os templos como espaços de propagação do vírus. Por causa da fé? Não. Por causa do dinheiro que ele vai ganhar com a boa fé dos seus fiéis, que estão ao lado dele, na pandemia e na morte. 

Joselito Manoel de Jesus, que quer estar em todos os lados, com Deus.                        

quarta-feira, 18 de março de 2020

PENSE!

PENSE!
VALE A PENA PENSAR
NÃO PENSE EM DISPENSAR ESTA CHANCE
DE SER MAIS

PENA
QUEM MAL PENSA.
É UMA PENA 
UMA MENTE TÃO PEQUENA

É UMA VIDA TÃO FUGAZ!
QUE NÃO CHEGA À EXISTÊNCIA
VIVE APENAS
A REPETIR COISAS PEQUENAS

VIVE APENAS
A DURAS PENAS
E NADA MAIS
E NADA A MAIS.

REPENSE SUAS ATITUDES
DE REPLICAR NOTÍCIAS FALSAS
DÁ UM BRAKE NESSE FAKE
E EVITE ESSA MALTA


SE SEU PENSAMENTO É CURTO
NÃO ALCANÇA O UNIVERSO
SE APAGA, SE AMARGA
NA INDIFERENÇA DO DIVERSO

REPENSE!
NÃO RECUSE ESSE DOM
TENHA PENA DO DESPERDÍCIO
DE POTÊNCIA INTELECTUAL

PENSAR NÃO DÓI
REFLETIR NÃO FAZ MAL. 

APROVEITE O TEMPO
VALE A PENA ENCARAR!
É TEMPO DE ENTENDER
O ENTENDIMENTO

DE REFLETIR SEU PENSAMENTO

É TEMPO DE SER GENTE
E NÃO APENAS "ANIMA"
É TEMPO DE REFLETIR
E NÃO APENAS "ANIMAR". 

Joselito da Nair, do Zé, da Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel


quinta-feira, 5 de março de 2020

MITOS

Há na consciência coletiva o mito do super homem. O macho poderoso que vai resolver a situação do nosso mundo. O MITO é uma grande MENTIRA! A realidade brasileira e mundial se degrada a olhos vistos e pele sentida. Há na consciência coletiva de modelo cristão o mito do Messias. Aquele que virá nos salvar de nós mesmos. Mas isso também é uma mentira que contamos para nós mesmos, para fugir de nossas responsabilidades.
Eu gosto do mito de Buda. Nele, o aperfeiçoamento vem do desapego. Nós deixamos de ser acumuladores/as, consumistas, possuidores de terras, de rios, de dinheiros, de automóveis e de bens de modo geral para exercermos a liberdade do desafio da evolução espiritual, partilhando nossas riquezas em comum. Jesus Cristo também incorpora essa proposta, nos motivando ao amor, ao perdão, à reflexão contínua sobre nossos erros como forma de nos aproximarmos de Deus. Jesus rejeita aquele que acumula bens como sinal de que seja mais abençoado que os/as demais, pois esses bens, Jesus sabia disso, são fruto da exploração, da escravização, da submissão violenta ou ideológica dos empobrecidos. Eu não aceito que quem tem carro seja mais "abençoado" do que a maioria da população que utiliza o transporte coletivo para se locomover pela cidade.
Para chegar a Deus, diferente do que diz o falso profeta Edir Macedo, não precisamos de carro, nem de fazendas, nem de riquezas gerais. Precisamos de amor, de justiça, de perdão, de humildade. O agricultor, a agricultora, o pescador, a pescadora, o engenheiro, a médica, a advogada, a empregada doméstica, enfim, todas e todos são abençoados/as se conseguem amar para além de suas fronteiras familiares, de raça, de classe social, de domínio intelectual, etc. Quem ama a diferença é abençoado/a por Deus.
As pessoas, todos os dias, resolvem seus problemas. Todos os dias elas matam um leão para sobreviverem, para que seus/suas filhos/as sobrevivam. Elas só precisam se conectar, se reconhecerem como iguais nas consciências de raça, de classe, de gênero, de história, formando uma poderosa unidade mosaico político-científico-cultural na qual as diferenças não sejam motivo de separação, de criação de novos limites fronteiriços vigiados pelos homens que exercem seus podres poderes, mas a energia vital da união de nossa nação. Nesse contexto, nenhuma mão pode ficar solta, pedindo esmola para o opressor, pedindo misericórdia diante do executor, pedindo a salvação para uma cristandade insensível e cruel.
Precisamos, então, destruir essa consciência mítica baseada no super homem [tenha o nome que tenha na história], como forma de resolver nossos problemas. Precisamos abraçar profundamente a ideia de que nossos problemas podem ser identificados, analisados, refletidos e resolvidos pela solidariedade comunitária, em pequenos e grandes grupos, em rede, como diz Edméa Santos. Precisamos constituir essa rede que nos convida a sair do individualismo estéril, para a coletividade na qual a individualidade adquire um sentido emancipatório constituindo uma nação, emergindo como POVO, POVO BRASILEIRO!
Joselito da Nair, do Zé, da Ana Lúcia, do Rafael, de TantasGentes e de Jesus, O Emanuel.

segunda-feira, 2 de março de 2020

SUCESSO


O pensamento capitalista nos faz acreditar que o sucesso é uma expressão do empreendimento individual. Se nos esforçamos e nos adaptarmos às exigências do mercado seremos bem sucedidos em nossas conquistas, obtendo o “sucesso”. E dispara um fluxo no qual as pessoas disputam, todos os dias, pequenos espaços para estarem sempre à frente das outras pessoas, seus/suas concorrentes. Nós vamos sentindo, em nossa percepção individual e coletiva que há uma ameaça que está sempre devorando quem fica para trás. Nesse caso, os últimos não serão os primeiros, serão devorados por seus atrasos, seus "tempos perdidos" com "coisas inúteis". Pouco paramos para refletir sobre nossa presença no mundo e seu significado nele.
Isso nos faz olhar predominantemente para frente, projetando um futuro no qual só os mais fortes sobrevivem, no qual, contudo, estaremos melhor que hoje, que ontem, numa corrida insana para estar nesse tempo que ainda não existe. O tempo do domínio tecnológico, da super-humanidade em um novo Adão e Eva: mais robôs do que gente. Não sou contra a tecnologia. Paulo Freire nos falava que nem devemos diabolizar, nem divinizar a tecnologia. Os males advindos não são da tecnologia em si, mas das ideias supremacistas de um capitalismo que se sustenta no darwinismo social. Além dos muitos males advindos dessa insanidade coletiva, um dos piores é a ausência de reflexão. Quanto tempo dedicamos à reflexão em nosso dia? Quanto tempo dedicamos à televisão? E ao celular? O que comunicamos quando nos comunicamos? Que informações são mais relevantes para nossa percepção do mundo e de nós mesmos/as nele? Quanto tempo usamos para refletir o quanto essa correria toda em busca de sucesso nos distancia do afeto, do cuidado, da solidariedade, do carinho de uma escuta atenta e de um olhar sensível diante de quem conosco convive?  
O nosso governador da Bahia se auto intitula “Correria”. Quanto tempo ele dedica à construção de nosso povo? Quantas reflexões ele faz sobre a importância da educação para que um povo tenha condições de emancipação, de alegria, de sustentabilidade sociocultural? As emissões de sucesso nas redes sociais de indivíduos atômicos, com seus carros, com suas viagens, seus títulos acadêmicos, suas belezas, e, mesmo levando em consideração que nós precisamos expressar nossas superações, como uma geração que veio de baixo e teve de enfrentar desafios hercúleos, percebo que a reflexão é escassa na teia cotidiana tecida nas redes sociais. Eu também faço parte dessa teia e a constituo. O sucesso de um governo não está na ponte Salvador-Itaparica, que, muito embora se diga que seja um bem do Estado para sua população, será na verdade, um equipamento privado que será cobrado todos os dias – projeta-se 45 reais atualmente por cada automóvel de passeio que cruzá-la – pela administradora chinesa, sobre a gente. Da mesma forma o Centro de Convenções de Salvador, que, na propaganda, é um bem público, mas na verdade será de natureza privada. 
Mas, quem sabe, o sucesso não seja a expressão de uma humanidade mais fecunda? Que cansou dessa correria toda e almeja se reconectar com a natureza, com seus irmãos, com seus ancestrais, com seu destino de jardineiros/as da Terra. Quem sabe, o sucesso, não seja o título acadêmico, mas o tratamento afável, generoso, polido, respeitoso, desarmado, compreensivo e acolhedor? Como tão sonhou Francisco de Assis em seu famoso canto/oração. E, produzindo ecos nas história, a Legião Urbana estava tão certa:
Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Os espelhos que os portugueses europeus nos deram foram como palavras enfeitiçadas, que fizeram nossos/as indígenas se enxergarem primitivos/as, e, portanto, passíveis de serem escravizados pelo “branco superior” que aportava com suas naus, suas caravelas, suas ideias velhas no mundo novo. E os norte americanos do EUA continuam nos dando espelhos. Espelhos enfeitiçados, que nos fazem ver sucesso aonde existe dominação e servidão; espelhos que produzem desertos diante das outrora exuberantes florestas; sucesso que queima combustíveis fósseis e aumentam o efeito estufa; sucesso que assassina lideranças indígenas e comunitárias; sucesso que enjaulam crianças em fronteiras; sucesso que afoga refugiados na beira de suas praias; sucesso que produz sofrimento, humilhação, abandono; sucesso, que nos coloca na ilusão de um palco feito para nossa exibição sem conteúdo, pois desprovida de reflexão; sucesso, no qual a natureza é impiedosamente destruída pelas forças do capital. Se o simples voltar a ser visto como o mais importante, sem essas mensagens colonizatórias que nos oferecem nos espelhos da tela da tv, do computador e do celular – pois o problema não está nos espelho em si, mas nas mensagens que eles contêm –, talvez a gente possa ressignificar o sucesso na direção do encontro entre os seres humanos, consigo, com os demais e com a natureza, cuidando de nossa Mãe-Terra.
O sucesso capitalista é uma grande ilusão. Talvez o sucesso não esteja o tempo todo lá na frente da gente, pois lá, eu serei o que não sou e, se não-sou, não posso me reconhecer como gente entre gentes. Quem sabe o que eu já-sou seja a perfeição histórica de uma pessoa que foi aprendendo a ser desde sempre, desde meus pais, irmãos, ancestrais, comunidade que me educaram com seus im-perfeitos modos de existir, atrás e sempre à frente de mim?
Claro, não nego que podemos sempre evoluir. Podemos sempre ser melhores que antes, podemos sempre aperfeiçoar nosso espírito dominando técnicas, métodos, procedimentos metodológicos, teorias; podemos sempre dedicar um pouco de tempo para a poesia, para o romance, para a leitura curiosa de coisas difíceis, mas não impossíveis, de entender. Podemos nos desafiar aprendendo outra língua, assistindo outros tipos de filmes que não apelem para tramas fáceis da violência, do sexo e da vingança. O sucesso não é um lugar no qual todas as luzes de um imaginário palco apontam para nossa presença no centro dele, como se fôssemos mais especiais que as outras pessoas – Ô ilusão! Há um sucesso discreto em quem bate palmas na plateia, um sucesso em quem trabalha nos bastidores, levantando e abaixando as cortinas; há um sucesso enorme em quem varre o chão e recolhe o lixo; sucesso em quem lava pratos e deixa a cozinha limpa; em quem retira o nosso sangue para enviar para exames revela um grande sucesso em sua prática; quem circula pela cidade no transporte coletivo representa um bom sucesso; quem recolhe o lixo no mar, produzido pelos turistas e pelos seus frequentes banhistas - verdadeiros fracassados – representa sucesso no cuidado com a natureza; naqueles e naquelas ambulantes que desenvolvem estratégias de venda nas ruas e nas praias, há um sucesso incomparável; quem faz a bainha de uma calça é um verdadeiro sinônimo de sucesso! Mas, como esse sucesso não está inscrito nas diretrizes e determinações normativas do capitalismo, as pessoas que fazem tais atividades são pagas com a moeda mais barata do mercado.   
Enfim, a ideia capitalista de sucesso invisibiliza a maioria de nós, e, ao mesmo tempo, nos promete a visibilidade no centro do palco social se corrermos o suficiente, sem ao menos parar para respirar, muito menos para refletir sobre essa tola ilusão que nos faz correr depressa, nos afastando do que realmente importa, o mais simples, para chegar a lugar algum. Esse vazio, esse lugar sem afeto, sem humanidade, sem sentido existencial, sem a sombra da árvore ouvindo o silêncio à beira do rio, é o sucesso capitalista.

Joselito da Nair, do Zé, da Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus O Emanuel.