O pensamento capitalista nos
faz acreditar que o sucesso é uma expressão do empreendimento individual. Se
nos esforçamos e nos adaptarmos às exigências do mercado seremos bem sucedidos
em nossas conquistas, obtendo o “sucesso”. E dispara um fluxo no qual as
pessoas disputam, todos os dias, pequenos espaços para estarem sempre à frente
das outras pessoas, seus/suas concorrentes. Nós vamos sentindo, em nossa
percepção individual e coletiva que há uma ameaça que está sempre devorando
quem fica para trás. Nesse caso, os últimos não serão os primeiros, serão
devorados por seus atrasos, seus "tempos perdidos" com "coisas inúteis". Pouco paramos
para refletir sobre nossa presença no mundo e seu significado nele.
Isso nos faz olhar predominantemente
para frente, projetando um futuro no qual só os mais fortes sobrevivem, no
qual, contudo, estaremos melhor que hoje, que ontem, numa corrida insana para
estar nesse tempo que ainda não existe. O tempo do domínio tecnológico, da super-humanidade
em um novo Adão e Eva: mais robôs do que gente. Não sou contra a tecnologia.
Paulo Freire nos falava que nem devemos diabolizar, nem divinizar a tecnologia.
Os males advindos não são da tecnologia em si, mas das ideias supremacistas de
um capitalismo que se sustenta no darwinismo social. Além dos muitos males
advindos dessa insanidade coletiva, um dos piores é a ausência de reflexão.
Quanto tempo dedicamos à reflexão em nosso dia? Quanto tempo dedicamos à
televisão? E ao celular? O que comunicamos quando nos comunicamos? Que
informações são mais relevantes para nossa percepção do mundo e de nós mesmos/as
nele? Quanto tempo usamos para refletir o quanto essa correria toda em busca de
sucesso nos distancia do afeto, do cuidado, da solidariedade, do carinho de uma
escuta atenta e de um olhar sensível diante de quem conosco convive?
O nosso governador da Bahia se
auto intitula “Correria”. Quanto tempo ele dedica à construção de nosso povo?
Quantas reflexões ele faz sobre a importância da educação para que um povo
tenha condições de emancipação, de alegria, de sustentabilidade sociocultural? As
emissões de sucesso nas redes sociais de indivíduos atômicos, com seus carros,
com suas viagens, seus títulos acadêmicos, suas belezas, e, mesmo levando em
consideração que nós precisamos expressar nossas superações, como uma geração
que veio de baixo e teve de enfrentar desafios hercúleos, percebo que a
reflexão é escassa na teia cotidiana tecida nas redes sociais. Eu também faço
parte dessa teia e a constituo. O sucesso de um governo não está na ponte
Salvador-Itaparica, que, muito embora se diga que seja um bem do Estado para
sua população, será na verdade, um equipamento privado que será cobrado todos
os dias – projeta-se 45 reais atualmente por cada automóvel de passeio que cruzá-la – pela
administradora chinesa, sobre a gente. Da mesma forma o Centro de Convenções de
Salvador, que, na propaganda, é um bem público, mas na verdade será de natureza privada.
Mas, quem sabe, o sucesso não
seja a expressão de uma humanidade mais fecunda? Que cansou dessa correria toda
e almeja se reconectar com a natureza, com seus irmãos, com seus ancestrais,
com seu destino de jardineiros/as da Terra. Quem sabe, o sucesso, não seja o
título acadêmico, mas o tratamento afável, generoso, polido, respeitoso,
desarmado, compreensivo e acolhedor? Como tão sonhou Francisco de Assis em seu
famoso canto/oração. E, produzindo ecos nas história, a Legião Urbana estava
tão certa:
Quem me dera ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Os espelhos
que os portugueses europeus nos deram foram como palavras enfeitiçadas, que
fizeram nossos/as indígenas se enxergarem primitivos/as, e, portanto, passíveis
de serem escravizados pelo “branco superior” que aportava com suas naus, suas
caravelas, suas ideias velhas no mundo novo. E os norte americanos do EUA continuam nos dando espelhos.
Espelhos enfeitiçados, que nos fazem ver sucesso aonde existe dominação e
servidão; espelhos que produzem desertos diante das outrora exuberantes florestas; sucesso que queima combustíveis fósseis e aumentam o efeito estufa; sucesso que assassina lideranças indígenas e comunitárias; sucesso que enjaulam crianças em fronteiras; sucesso que afoga refugiados na beira de suas praias; sucesso que produz sofrimento, humilhação, abandono; sucesso, que nos
coloca na ilusão de um palco feito para nossa exibição sem conteúdo, pois
desprovida de reflexão; sucesso, no qual a natureza é impiedosamente destruída
pelas forças do capital. Se o simples voltar a ser visto como o mais importante,
sem essas mensagens colonizatórias que nos oferecem nos espelhos da tela da tv,
do computador e do celular – pois o problema não está nos espelho em si, mas
nas mensagens que eles contêm –, talvez a gente possa ressignificar o sucesso na
direção do encontro entre os seres humanos, consigo, com os demais e com a natureza,
cuidando de nossa Mãe-Terra.
O sucesso capitalista é uma grande
ilusão. Talvez o sucesso não esteja o tempo todo lá na frente da gente, pois
lá, eu serei o que não sou e, se não-sou, não posso me reconhecer como gente
entre gentes. Quem sabe o que eu já-sou seja a perfeição histórica de uma
pessoa que foi aprendendo a ser desde sempre, desde meus pais, irmãos, ancestrais,
comunidade que me educaram com seus im-perfeitos modos de existir, atrás e sempre
à frente de mim?
Claro, não nego que podemos
sempre evoluir. Podemos sempre ser melhores que antes, podemos sempre
aperfeiçoar nosso espírito dominando técnicas, métodos, procedimentos
metodológicos, teorias; podemos sempre dedicar um pouco de tempo para a poesia,
para o romance, para a leitura curiosa de coisas difíceis, mas não impossíveis,
de entender. Podemos nos desafiar aprendendo outra língua, assistindo outros
tipos de filmes que não apelem para tramas fáceis da violência, do sexo e da
vingança. O sucesso não é um lugar no qual todas as luzes de um imaginário
palco apontam para nossa presença no centro dele, como se fôssemos mais especiais que as
outras pessoas – Ô ilusão! Há um sucesso discreto em quem bate palmas na
plateia, um sucesso em quem trabalha nos bastidores, levantando e abaixando as
cortinas; há um sucesso enorme em quem varre o chão e recolhe o lixo; sucesso em quem lava pratos e deixa a cozinha limpa; em quem
retira o nosso sangue para enviar para exames revela um grande sucesso em sua
prática; quem circula pela cidade no transporte coletivo representa um bom
sucesso; quem recolhe o lixo no mar, produzido pelos turistas e pelos seus frequentes
banhistas - verdadeiros fracassados – representa sucesso no cuidado com a natureza;
naqueles e naquelas ambulantes que desenvolvem estratégias de venda nas ruas e
nas praias, há um sucesso incomparável; quem faz a bainha de uma calça é um
verdadeiro sinônimo de sucesso! Mas, como esse sucesso não está inscrito nas diretrizes e determinações normativas do capitalismo, as pessoas que fazem tais atividades são pagas com a moeda mais barata do mercado.
Enfim, a ideia capitalista de
sucesso invisibiliza a maioria de nós, e, ao mesmo tempo, nos promete a
visibilidade no centro do palco social se corrermos o suficiente, sem ao menos
parar para respirar, muito menos para refletir sobre essa tola ilusão que nos
faz correr depressa, nos afastando do que realmente importa, o mais simples,
para chegar a lugar algum. Esse vazio, esse lugar sem afeto, sem humanidade, sem sentido existencial, sem a sombra da árvore ouvindo o silêncio à beira do rio, é o sucesso capitalista.
Joselito da Nair, do Zé, da Ana Lúcia, de
Tantas Gentes e de Jesus O Emanuel.
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