domingo, 14 de julho de 2013

A luta pelo Discurso: das ruas para as práticas discursivas

Até mesmo uma sociologia “militante” e “de esquerda” passou a ser parâmetro ética e politicamente regulador, para alguns, do que seria a sociologia “séria” e “científica”. Forma extremada das ilusões e da alienação dos sociólogos que optam por essa via, que nada tem de “esquerda” e não raro tampouco de sociológica, porque, fundamentalmente, nega em nome da História, a história das relações sociais. Descolam-se do real para lançar-se nas fabulações do quimérico, não raro autoritário, e fugir das dificuldades de compreensão da diversidade das contradições sociais e suas expressões no processo histórico. É o mesmo que esquecer a História que vivemos e fazemos no dia-a-dia do nosso presente, sabendo-o ou não. (MARTINS, 2010, p.12)


O meu colega Carlos Zacarias de Sena Júnior, professor da Universidade Federal da Bahia, no jornal A Tarde de hoje, sábado, 13/7/2013, refere-se às manifestações de rua de todo o Brasil de uma forma que considero pejorativa, sem atentar para a explosão política de caráter emancipatório que ora se apresenta. Deixa de lado a força da, segundo Negri (2006, apud MUELLER, 2013), “multiplicidade irredutível” que é a multidão, “singularidade que não pode ser reduzida à ideia de povo.” Negri (2006, apud Mueller, 2013). No afã de combater a infiltração da “direita” nos manifestações de rua hodiernas “joga a água suja fora com a criança dentro”, desqualificando tais manifestações plurais e diversas na tentativa de retomar a prática política para as velhas formas de fazê-la. É como ele mesmo afirma:

Era clara a tentativa dos tradicionais sujeitos sociais de retomarem a iniciativa das lutas, provisoriamente usurpadas pelo espontaneísmo das jornadas de junho e por uma presença minoritária, mas incômoda, da direita. (SENA JÚNIOR, 2013, p.A3)

Um dos efeitos de sentido que emana do seu texto é de desaprovação à efervescência política que ora se apresenta no cenário político brasileiro. É um discurso que também está emergindo das práticas discursivas de indivíduos ligados ao PT (digo, a órgãos do governo baiano), como se os governos petistas não governassem aliados à direita, à esquerda, ao centro, acima e mais abaixo, inclusive com denúncias fartas de crimes. As designações “direita”, “esquerda” e “centro”, aliás, estão confusas, ininteligíveis na prática política e social contemporânea. Os próprios sindicatos atualmente estão perdendo representatividade por causa de um partidarismo inócuo que visa, primordialmente, o tempo eleitoral, calando as vozes dissonantes e até mesmo envolvendo-se em crimes, como foi o caso da morte do tesoureiro do Sindicato dos Rodoviários, Paulo Colombiano dos Santos, e de sua companheira, Catarina Galindo, ocorridos no dia 29 de junho de 2010. Não ouvi nenhuma expressão contundente, contra o duplo assassinato, do outrora sindicalista, e, por "feliz coincidência", agora deputado estadual J. Carlos. Não são, portanto, as vozes das ruas que estão “usurpando” as lutas dos “tradicionais sujeitos sociais", muito pelo contrário, são as vozes usurpadas pelos "tradicionais sujeitos sociais" que estão rompendo com velhas formas de participação sob o controle de poucos “iluminados da revolução”, exercendo livremente as suas práticas discursivas na dialética do concreto das ruas.

Ao empurrar os outros sujeitos discursivos para as margens do dizer, para o reino dos não-ditos, num processo de silenciamento, o modo de saber-poder dos movimentos sociais, partidos e sindicatos, associados à corrupção, ao cinismo e à impunidade dos nossos políticos e representantes do status quo dominante no Brasil, terminaram produzindo, dialeticamente, condições objetivas e, principalmente subjetivas, para o surgimento das manifestações de ruas hodiernas, que recusam palanques, lideranças e bandeiras de partidos, organizações e centrais sindicais, além de todo e qualquer sujeito que se infiltra nessas manifestações a fim de se apropriar das múltiplas práticas discursivas ora em curso. A recente greve geral, promovida por sindicatos e centrais sindicais foi um dos efeitos de sentidos decorrente desse fenômeno. Em comparação com a força de mobilização que tinham anteriormente à ascensão da esquerda ao poder político, foi um movimento esvaziado, com suas bandeiras vermelhas agora com um sentido contrário à ruptura, à construção de uma nação verdadeiramente democrática, onde todas as vozes possam exercer livremente as suas práticas discursivas e se apropriar dialeticamente dos sentidos e de seus efeitos sobre suas subjetividades e sobre suas objetividades.

Nesse enredo histórico complexo e fluido a luta pelo discurso é o exercício fundante da política na contemporaneidade. Tanto o é que os participantes dessas manifestações não se contentam apenas com reduções de passagens e medidas apressadas como respostas imediatas do poder político governamental aos anseios das ruas. Elas e eles querem mais, têm fome de participação nas arenas discursivas do poder.

Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. (FOUCAULT, 1999, p.10)

Talvez esteja aí a rejeição às velhas e traiçoeiras práticas discursivas, marcadas por rituais, normas e lugares constitutivos de sujeitos aprisionados pela lógica da organização político-sindical e partidária, que serviam de “arapuca” para subjetividades rebeldes que não mais aceitavam ser dirigidas pelos sentidos controlados nestas práticas, tentativa inócua. Não foram as bandeiras vermelhas que fizeram os políticos “trabalharem”; não foram bandeiras vermelhas que derrubaram a PEC 137, não foram bandeiras vermelhas que impediram o aumento e derrubaram o preço das passagens de transporte coletivo em algumas capitais do país. Precisamos de bandeiras de todas as cores, precisamos romper com esse autoritarismo cromático. Nesse sentido, eu prefiro a bandeira do movimento dos homossexuais, pelo menos, numa daquelas cores eu me encaixo. As bandeiras vermelhas estão esvaziadas de sentido político emancipatório e não mais representam as vozes da multidão, essa “multiplicidade irredutível” que não aceita mais que suas vozes sejam silenciadas pelos velhos modos de fazer política, onde, como afirma Foucault (1999), a ordem do discurso exerce seus procedimentos de exclusão.

Joselito do Zé, da Nair, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel com o auxílio de

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 5. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala. 2. Ed. São Paulo, SP: Contexto, 2010.
NEGRI, Antônio. De volta. Rio de Janeiro: Record, 2006. In MUELLER, Lourenço. O diabo na rua no meio do redemoinho. A Tarde, Salvador, 14 jul. 2013. Opinião, p.A2.
SENA JÚNIOR, Carlos Z. Prenunciando a primavera. A Tarde, Salvador, 13 jul. 2013. Opinião, p.A3.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

DIAGNÓSTICO POLÍTICO CULTURAL DOS MÉDICOS BRASILEIROS



Sou a favor das mudanças a respeito da formação dos médicos e médicas – que não são doutores, pois doutor é quem fez doutorado. As médicas e os médicos não faziam passeatas contra a falta de infraestrutura no sistema de saúde brasileiro, afinal elas e eles não sentem na pele o que os demais mortais brasileiros sentem. Agora, quando o governo mexe com a “reserva de mercado de trabalho” delas e deles fazem mobilizações e passeatas reclamando. Ora, qual a ideia que está por trás da maioria dos estudantes de medicina? Fazer medicina para contribuir com a melhoria do sistema de saúde brasileiro? Desenvolver um trabalho preventivo e curativo nos municípios interioranos do Nordeste brasileiro e em suas zonas rurais? Ou será que são dominados pelas ideias antigas e liberais de enriquecer e ganhar status, quem sabe até tornando-se prefeito de uma “cidadezinha” dessas?

O pensamento individualista liberal, associado ao patrimonialismo doentio que herdamos de Portugal, atravessa todo o nosso corpo social, produzindo aberrações que são silenciadas por práticas discursivas hipócritas. Queremos é ganhar dinheiro! Dinheiro, dinheiro, dinheiro! A busca da maximização do lucro produz médicos sem alma, advogados sem caráter, policiais corruptos e assassinos, professores sem compromisso, empresários que prestam serviços públicos de péssima qualidade na área de transportes, energia elétrica, saúde e infraestrutura. Não é a toa a explosão de manifestações nas ruas brasileiras. O povo brasileiro cansou de tudo isso. Cansaram de ser atendidos por médicos mau humorados que, muitas vezes, utilizam o diagnóstico da moda: virose, para muitos casos que lhes chegam e que a má vontade em atender o povo fica explícita em seus modus operandi. Tem muita gente morrendo de... virose.

O estado e os sucessivos governos, claro, devem ser os primeiros responsabilizados por tudo isso, pois é papel primordial do governo atender à população do seu território com serviços públicos eficazes e eficientes, com qualidade técnica, política e humana. Entretanto, é preciso não desconhecer que, quando um indivíduo põe a farda de policial ele também é o estado! Uma médica, um médico, quando entram no serviço público e estão em seus plantões, são o estado! Um professor que atua nas escolas públicas municipais, estaduais e nas universidades públicas é o estado! Se as condições de trabalho oferecidas, os equipamentos estão defasados e quebrados, os instrumentos e remédios estão em falta, as UTI’s estão lotadas, denunciem ao Ministério Público! Façam mobilizações passeatas, comuniquem à sociedade para que as responsabilidades sejam apuradas, os responsáveis punidos e os problemas sanados! Por favor!

Agora, o que os médicos e as médicas brasileiros (as) querem? “Que tudo continue como dantes no quartel de Abrantes?” Querem manter seus privilégios sem sair do seu comodismo? Querem continuar em seus consultórios assépticos de “povo”, todos nas capitais, cobrando R$ 300,00 a consulta? Querem continuar com seus jalecos brancos pelas ruas sobressaindo-se dos demais profissionais do serviço público e ganhando 20 mil reais mensais por plantões semanais de má vontade? Outra coisa, a questão racial perpassa a formação de médicos. Os negros, homens e mulheres, são minoria nesta profissão, geralmente formada por brancos das classes médias altas das capitais. É preciso que haja uma política pública, qualquer que seja, para aumentar o número de médicos e médicas de pele negra, pois aqui o racismo é de derme, mas a hipocrisia é de epiderme. Cotas para médicos já!

A questão de o médico ser bom ou ruim em nossas paragens, não é questão de formação, mas de deformação. Deformação pelo preconceito, pela busca de privilégios, pelo enriquecimento sem prestação de serviços públicos de qualidade que a população atendida sinta no cotidiano. Deformação pelo modo como um médico é tratado no Brasil: “doutor”, sintoma de um processo histórico colonial em que trabalho, trabalho de verdade, o que, segundo Marx é o que, de fato, produz riqueza, foi associado à escravidão, a quem era escravo, considerado inferior. Depois foi adquirindo outros sentidos, chegando até os dias de hoje à associação de que quem não estudou tem mais é que trabalhar mesmo. Isto é um paradoxo! Não há como um pais desse produzir riqueza. Aliás a crise econômica que assusta o Governo Dilma é justamente esta: temos aumentado a renda (via empréstimos) e o consumo (via crédito fácil) sem aumento de produtividade, o que, inevitavelmente, produz inflação.

O que não pode é aumentar a incidência de médicos na capital, concentrando ainda mais a formação nas grandes metrópoles, como é o caso da Universidade do Estado da Bahia, UNEB que, embora seja a universidade mais interiorizada da Bahia terminou criando, recentemente, um curso de medicina em Salvador. Claro, já sei a alegação: a maioria dos professores e das professoras de medicina não iria ganhar o mesmo que os demais professores e professoras da UNEB ganham para ensinar no interior da Bahia.

Sejam bem vindos os médicos que querem trabalhar no interior! Sejam eles e elas estrangeiros, sejam daqui mesmo. Sejam bem vindos os que querem, de fato, prestarem um serviço público de qualidade, atendendo aos pacientes com paciência, com dedicação, com espírito investigativo, sem diagnósticos precoces fugindo, com pressa, dos problemas de saúde dos outros como se não tivesse nada a ver com isso. Sejam bem vindos os que querem desenvolver um processo de pesquisa sobre as enfermidades endêmicas e epidêmicas que afligem a população da localidade onde o (a) mesmo (a) desenvolve seu trabalho na área de saúde, tanto preventivo, quanto curativo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel