Até mesmo uma sociologia “militante”
e “de esquerda” passou a ser parâmetro ética e politicamente regulador, para
alguns, do que seria a sociologia “séria” e “científica”. Forma extremada das
ilusões e da alienação dos sociólogos que optam por essa via, que nada tem de “esquerda”
e não raro tampouco de sociológica, porque, fundamentalmente, nega em nome da
História, a história das relações sociais. Descolam-se do real para lançar-se nas
fabulações do quimérico, não raro autoritário, e fugir das dificuldades de
compreensão da diversidade das contradições sociais e suas expressões no
processo histórico. É o mesmo que esquecer a História que vivemos e fazemos no
dia-a-dia do nosso presente, sabendo-o ou não. (MARTINS, 2010, p.12)
O
meu colega Carlos Zacarias de Sena Júnior, professor da Universidade Federal da
Bahia, no jornal A Tarde de hoje, sábado, 13/7/2013, refere-se às manifestações
de rua de todo o Brasil de uma forma que considero pejorativa, sem atentar para
a explosão política de caráter emancipatório que ora se apresenta. Deixa de
lado a força da, segundo Negri (2006, apud
MUELLER, 2013), “multiplicidade irredutível” que é a multidão, “singularidade
que não pode ser reduzida à ideia de povo.” Negri (2006, apud Mueller, 2013). No afã de combater a infiltração da “direita”
nos manifestações de rua hodiernas “joga a água suja fora com a criança dentro”,
desqualificando tais manifestações plurais e diversas na tentativa de retomar a
prática política para as velhas formas de fazê-la. É como ele mesmo afirma:
Era clara a tentativa dos tradicionais
sujeitos sociais de retomarem a iniciativa das lutas, provisoriamente usurpadas
pelo espontaneísmo das jornadas de junho e por uma presença minoritária, mas
incômoda, da direita. (SENA JÚNIOR, 2013, p.A3)
Um
dos efeitos de sentido que emana do seu texto é de desaprovação à efervescência
política que ora se apresenta no cenário político brasileiro. É um discurso que
também está emergindo das práticas discursivas de indivíduos ligados ao PT
(digo, a órgãos do governo baiano), como se os governos petistas não
governassem aliados à direita, à esquerda, ao centro, acima e mais abaixo, inclusive
com denúncias fartas de crimes. As designações “direita”, “esquerda” e “centro”,
aliás, estão confusas, ininteligíveis na prática política e social
contemporânea. Os próprios sindicatos atualmente estão perdendo
representatividade por causa de um partidarismo inócuo que visa, primordialmente,
o tempo eleitoral, calando as vozes dissonantes e até mesmo envolvendo-se em
crimes, como foi o caso da morte do tesoureiro do Sindicato dos Rodoviários,
Paulo
Colombiano dos Santos, e de sua companheira, Catarina Galindo, ocorridos no dia
29 de junho de 2010. Não ouvi nenhuma expressão contundente, contra o duplo assassinato, do outrora sindicalista, e, por "feliz coincidência", agora deputado estadual J. Carlos. Não são, portanto, as vozes das ruas que estão “usurpando”
as lutas dos “tradicionais sujeitos sociais", muito pelo contrário, são as vozes
usurpadas pelos "tradicionais sujeitos sociais" que estão rompendo com velhas
formas de participação sob o controle de poucos “iluminados da revolução”, exercendo
livremente as suas práticas discursivas na dialética do concreto das ruas.
Ao empurrar os outros sujeitos discursivos
para as margens do dizer, para o reino dos não-ditos, num processo de
silenciamento, o modo de saber-poder dos movimentos sociais, partidos e
sindicatos, associados à corrupção, ao cinismo e à impunidade dos nossos
políticos e representantes do status quo
dominante no Brasil, terminaram produzindo, dialeticamente, condições objetivas
e, principalmente subjetivas, para o surgimento das manifestações de ruas
hodiernas, que recusam palanques, lideranças e bandeiras de partidos,
organizações e centrais sindicais, além de todo e qualquer sujeito que se
infiltra nessas manifestações a fim de se apropriar das múltiplas práticas
discursivas ora em curso. A recente greve geral, promovida por sindicatos e
centrais sindicais foi um dos efeitos de sentidos decorrente desse fenômeno. Em
comparação com a força de mobilização que tinham anteriormente à ascensão da
esquerda ao poder político, foi um movimento esvaziado, com suas bandeiras vermelhas
agora com um sentido contrário à ruptura, à construção de uma nação
verdadeiramente democrática, onde todas as vozes possam exercer livremente as
suas práticas discursivas e se apropriar dialeticamente dos sentidos e de seus
efeitos sobre suas subjetividades e sobre suas objetividades.
Nesse enredo histórico complexo e fluido a
luta pelo discurso é o exercício fundante da política na contemporaneidade. Tanto
o é que os participantes dessas manifestações não se contentam apenas com
reduções de passagens e medidas apressadas como respostas imediatas do poder
político governamental aos anseios das ruas. Elas e eles querem mais, têm fome
de participação nas arenas discursivas do poder.
Nisto não há nada de espantoso, visto
que o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que
manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e
visto que – isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que,
pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar. (FOUCAULT, 1999, p.10)
Talvez
esteja aí a rejeição às velhas e traiçoeiras práticas discursivas, marcadas por
rituais, normas e lugares constitutivos de sujeitos aprisionados pela lógica da
organização político-sindical e partidária, que serviam de “arapuca” para
subjetividades rebeldes que não mais aceitavam ser dirigidas pelos sentidos controlados
nestas práticas, tentativa inócua. Não foram as bandeiras vermelhas que fizeram
os políticos “trabalharem”; não foram bandeiras vermelhas que derrubaram a PEC
137, não foram bandeiras vermelhas que impediram o aumento e derrubaram o preço
das passagens de transporte coletivo em algumas capitais do país. Precisamos de bandeiras de todas as cores, precisamos romper com esse autoritarismo cromático. Nesse sentido, eu prefiro a bandeira do movimento dos homossexuais, pelo menos, numa daquelas cores eu me encaixo. As bandeiras
vermelhas estão esvaziadas de sentido político emancipatório e não mais
representam as vozes da multidão, essa “multiplicidade irredutível” que não
aceita mais que suas vozes sejam silenciadas pelos velhos modos de fazer
política, onde, como afirma Foucault (1999), a ordem do discurso exerce seus
procedimentos de exclusão.
Joselito
do Zé, da Nair, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel com o auxílio
de
FOUCAULT,
Michel. A ordem do discurso. 5. ed.
São Paulo: Edições Loyola, 1999.
MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples:
cotidiano e história na modernidade anômala. 2. Ed. São Paulo, SP: Contexto,
2010.
NEGRI,
Antônio. De volta. Rio de Janeiro: Record, 2006. In MUELLER, Lourenço. O
diabo na rua no meio do redemoinho. A Tarde, Salvador, 14 jul. 2013.
Opinião, p.A2.
SENA
JÚNIOR, Carlos Z. Prenunciando a
primavera. A Tarde, Salvador, 13 jul. 2013. Opinião, p.A3.
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