terça-feira, 2 de novembro de 2010

"Abra o ventre seu Brasil!"

Ninguém descobriu o Brasil, nem Pedro Álvares Cabral, nem os índios, nem Maurício de Nassau, nem os “Dons” dos Pedros e os cambau. O Brasil nunca existiu antes. Talvez agora é que esteja sendo descoberto. O Brasil não foi descoberto por uma razão óbvia: não existia Brasil para ser descoberto. No universo, tem um planeta semelhante ao nosso, com rochas, água, animais e vegetais de todos os tipos e variedades. Desejamos descobri-lo, e espichamos nosso olhar para os lugares possíveis. Quando encontrarmos, daremos um nome a ele, talvez parecido com terra ou com renovação, depende do sentido que o momento da descoberta vai ensejar. O Brasil, não foi descoberto. Foi inventado. E até hoje acontece isso. Inventamos esse pedaço de chão de 8 milhões de metros quadrados com muito suor, com enfrentamentos, batalhas, crenças, desejos, sapiência, loucura, corrupções, crimes organizados, política, religião, futebol, cerveja, favelas, engarrafamentos, cultura. O Brasil é tudo isso e muito mais. Esse conjunto de coisas, aparentemente desconexas e mosaicas, vai-se amalgamando dentro de um contexto de sentido amplo capitalista. E o Brasil vai sendo descoberto todos os dias, em cada esquina, em cada banca de jornal e revista, em cada centímetro redondo preenchido de cimento, pensamento, asfalto, sentimento.

O Brasil é um fluxo desigual de forças sudestinas e nordestinas, sulistas e nortistas. Ele, o país, vai e vem, sobe e desce. Sua demografia caminha em busca de humanidade, de sobrevivência, de trabalho, de dignidade. Somos um país que anda, que procura, que enfrenta o próprio país, ou melhor, uma parte do país que quer ser país sozinho. Eu vou descobrindo esse país, e tentando entendê-lo e estendê-lo. Suas fronteiras internas não estão apaziguadas, nunca estarão. O Nordeste se ergue e, sem ser convidado, amplia suas fronteiras São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul adentro. Os Nordestinos penetram tais fronteiras como “penetras”. Trabalham muito, ganham pouco e são discriminados. Os paulistas vem para a Bahia, por exemplo, em outras condições. Vem como chefes, consultores, donos de pousadas e hotéis nos lugares privilegiados do turismo, entre outras atividades em posições privilegiadas. Foi o historiador Cid Teixeira que, numa entrevista dada a uma revista, declarou que temos uma visão da Bahia for export. Vemos a nós mesmos com os olhos dos outros. O mito da preguiça do baiano, por exemplo, é construído por esse olhar de fora, que não compreende nosso modo de produzir nossa existência e, amparado em sua pretensa superioridade cultural, nos marca simbolicamente com o selo da preguiça. Por isso que eu admiro a construção poética de Chico César, paraibano e nordestino - pois há baianos, paraibanos e outros da região que não são nordestinos - quando ele canta recitando: "(...) A tinta pinta o asfalto enfeita a alma motorista, é cor na cor da cidade, batom no lábio nortista. E o olhar vê tons tão sudestes e o beijo que vós me nordestes arranha-céu da boca paulista." Quem construiu Brasília nos braços e na esperança de uma vida melhor? Quem deixou o aconchego da família perdido na distância e doído na saudade para construir São Paulo? Quem foi para o Norte no ciclo da borracha e ficou perdido para sempre na floresta? Foram os paulistas "legítimos", que herdaram de suas raízes européias a capacidade de trabalho e empreendimento? Nãooooo! Foram baianos, paraibanos, pernambucanos, cearenses, piauenses, sergipanos, alagoanos, entre outros nordestinos. E como nossa gente pode ser definida como preguiçosa e indolente? E o Brasil vai sendo tecido por gente de todos os lugares do Brasil e do mundo.

Segundo o professor Cid Teixeira não há apenas uma baianidade. Há várias. Eu concordo. Temos as baianidades soteropolitanas, tanto de São Tomé de Paripe quanto a de Cajazeiras e a da Vitória. São baianidades soteropolitanas bem diferentes. Temos a baianidade do Recôncavo, a do Oeste da Bahia, que é bem outra, a do Norte, lá pelos lados de Juazeiro. Temos também a baianidade de Jacobina e a baianidade de Porto Seguro. E temos também a baianidade que se decompôs, que é a baianidade de fronteira, como lá em Cândido Sales, onde não se torce nem para o Bahêêêêa, nem para o Vitória, mas para o Fluminense, Palmeiras, Flamengo, entre outros. Essa baianidade mantém uma relação superficial com Salvador, dirigindo-se para Brasília, Goiânia, Belo Horizonte, São Paulo, Recife, Maceió, entre outras capitais, seja para resolver problemas de saúde, seja para procurar trabalho e esperança. A Bahia não chega às suas fronteiras, deixando-as cruzar os limites estaduais em busca de socorro em outros Estados, como órfãos que constroem suas identidades com os recursos culturais oferecidos pelo abandono. Ou pode ser que eu esteja enganado. Talvez esses baianos de fronteira desejem ardentemente cruzar definitivamente a linha imaginária que separa um Estado do Outro e assumir alegremente uma nova identidade geopolítica. Quem sabe?

O bom disso tudo é que a gente pode aprender sempre, observando os fluxos que ocorrem e que embelezam o nosso processo civilizatório inacabado, em permanente acabamento. Não podemos esquecer que esse fluxo também, e principalmente, é forjado no conflito, na feiúra, no enfrentamento, no posicionamento crítico que desvela as mazelas dos preconceitos, discriminações e operações de poder nocivas ao ser humano em sua plenitude, como a que aconteceu recentemente, conforme o contundente texto de José Barbosa Junior, cujo título pode bem ser: “Cale a boca, Nordestino!”, criticando a recente divulgação do ódio contra os nordestinos pela estudante de Direito, Mayara Petruso, que fez a seguinte declaração no twitter: "Nordestino não é gente. Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!". O Brasil deve sempre ser descoberto, há milhões de coisas a serem descobertas, pois a invenção do nosso povo não para, a criação de nossa gente “abre o ventre do mundo” – com pedido de permissão de expressão cunhada por Angélica, poetisa maior da PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular) – e vai parindo, com alegria e dor, novas gentes e novas identidades multicolores geradas nesse ventre verde-amarelo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

2 comentários:

  1. Olá passando pra te dizer que indiquei seu blog ao Selo do Prêmio Dardos.

    Espero que goste para conferir o selo click em: http://geisepekena.blogspot.com/2010/11/meu-1-selo.html

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  2. Obrigado Geisa Pequena. Espero ter a honra de receber tal selo.

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joselitojoze@gmail.com