segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O EGITO CONTEMPORÂNEO NÃO É A BAHIA

Carlinhos Brown tem uma música muito legal que diz o seguinte:

Sou Faraó
Prazer minha mãe
Sou Faraó
Passeio pelo sol
Sou Faraó
O rei da folia
Sou Faraó
E o Egito é a Bahia...


E Carlinhos Brown é, realmente, o rei da folia. Precisamos desse rei, com sua criatividade, sua inteligência, sua simplicidade. Um monarca que dispensa o castelo e vive próximo ao povo, fazendo de sua música sua política de viver, e, a cada ano, fazendo-nos cair na gandaia, pulando na chuva, no sol, no oásis faraônico das ruas e avenidas de Salvador. Os foliões não são povo. São seres encantados, extasiados, fantasiados e vivem, realmente, no Egito antigo. No tempo póstumo das múmias famosas. E por isso, Carlinhos sabiamente nos diz que...


Saí das catacumbas

Nunca fui da escuridão

Zabumba e duas tumbas

Carrego sempre na mão...


Durante mais de cinco dias os foliões encarnam seus personagens e vivem plenamente em seus abadás, onde um outro rei governa a cidade com uma chave que abre portas para turistas e famosos do mundo inteiro e fecha portas para os seus verdadeiros súditos, os baianos e soteropolitanos que ficam à margem das cordas, das portas e portões do blocos carnavalescos e dos seus trios elétricos. Um verdadeiro sentimento de múmia, saído de antigas catacumbas, impregna o ar de Salvador. A “escuridão” de nossa cultura política racista, machista, subserviente, corrupta e perversa, sai do enquadramento das câmeras do mundo inteiro e fica nos túmulos silenciosos e sombrios que apodrecem nossas relações sociais. Às vezes uma voz dissonante aponta para essa escuridão, como a do próprio Carlinhos Brown, mas as luzes da mídia a atiram de volta ao apagamento.

E folião não é povo. Folião dura cinco dias, morre como gente, deita em sua catacumba e desaparece como ser humano que se rebela, muito embora anuncie o contrário. Antes os “cordões” eram formados espontaneamente pelas pessoas que demonstravam sua alegria, criatividade e politicidade. Cada um fazia sua mortalha e saia na gandaia, curtindo três dias de rebelde alegria. O que havia de comunidade foi mandado para a escuridão pelo mercado, que capitalizou a tudo desses dias, transformando mortalha em abada e espontaneidade em criação de necessidades e desejos individualistas que cabem num bloco carnavalesco, limitado, não mais por cordões, mas por cordeiros paupérrimos que vendem sua força de trabalho por ninharias de sobrevivência. É justamente por esses dias que artifícios econômicos e políticos nocivos à população são implementados. Aumento de tarifas dos serviços públicos, aumento de impostos, redução de benefícios de classes de trabalhadores entre outras decisões do poder político são enfiadas goela abaixo de uma população que se encontra no delírio da carne. Tudo em volta espera esse tempo passar para continuar havendo. O clima, a insegurança, a saúde, a educação, a economia, o futebol e tudo o que ocorre acontece apenas nas ruas e avenidas de Salvador e de quase todo o país. O mundo é o carnaval. E nesse mundo os homens e mulheres abrem mão de seu status humano em um transe psicótico em que o vale tudo é a tônica das relações de milhares de pessoas em espaços comprimidos de som, fúria, calor, sexo, drogas pesadas e muita bebida alcoólica.

E, nesse contexto, a Bahia não pode ser o Egito contemporâneo, cuja praça realmente “é do povo como o céu é do avião”. A Bahia cheia de estradas privatizadas, com uma capital cheia de corruptos e obras em ruínas, como o metrô, não pode ser o Egito de agora. O Egito deu um chute na bunda dos seus atuais “faraós”, os enviando às suas catacumbas, de onde nunca deveriam ter saído. Os faraós baianos se renovam num processo de mumificação impressionante! São os reis da folia com o dinheiro público, vendem a Bahia para consórcios em negócios mal explicados, autorizam o desmatamento, e administram falências na segurança, na saúde e na educação que transformam em sucesso de governo através de propagandas enganosas. A Bahia não pode ser o Egito Carlinhos. Aqui não tem povo, tem folião; aqui não tem governo, tem faraó; aqui não tem verdade, tem feitiço, propaganda, corrupção, mentira. Aqui não tem alternância no poder, tem alternância de grupos políticos que agem de forma semelhante quando o alcançam.

A passagem de um tempo histórico a outro aqui na Bahia, é parmenidesniana, apenas aparente. Os novos e suntuosos palácios estão nos camarotes vip’s, formados pelos membros mais ilustres do reinado do faraó. Os novos e velhos escravos, em sua maioria negra, já não são amarrados pelas cordas, amarram-se a elas para continuarem sobrevivendo mais um carnaval cuja esfinge mais os devoram e menos os decifram.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, o Emanuel.

Um comentário:

  1. ...isso é porque nós gostamos de música,afinal como nos sugere Tuan a musicalidade dramatiza o espaço!

    ResponderExcluir

joselitojoze@gmail.com