quarta-feira, 18 de maio de 2011

SOBRE A EDUCAÇÃO DOS LOBISOMENS


De modo geral sabemos a natureza do ser humano e, também, da natureza do lobo. O ser humano e, antes dessa etapa, o homo sapiens. A passagem deste último para o estágio da humanidade se dá pela mediação social e cultural. O lobo, por sua vez, é um animal determinado geneticamente, dificilmente sairá de sua condição de lobo e uivará em muitas noites pelos séculos afora o seu lamento sombrio, a sua agonia e a sua ansiedade filogenética, compartilhada com seu pares. O lobo uiva, o humano fala, discursa. O lobo vive, o humano existe.
A vida no suporte não implica a linguagem nem a postura erecta que permitiu a liberação das mãos. Mãos que, em grande medida, nos fizeram. Quanto maior se foi tornando a solidariedade entre mente e mãos, tanto mais o suporte foi virando mundo e a vida, existência, na proporção que o corpo humano vira corpo consciente, captador, apreendedor, transformador, criador de beleza e não “espaço” vazio a ser preenchido de conteúdos. (FREIRE, 2002, p.56-57)
Há uma diferença categorial importante colocada acima por Freire para o começo de entendimento das implicações de ser humano e de não ser lobo. O ser humano cria e recria o mundo e nele é criado e recriado, numa dialética permanente de transformação de ambos. Por isso o humano não vive apenas, como o lobo que adapta-se ao suporte onde vive e sua vida está dada pelas determinações de sua espécie. O ser humano não. Num determinado momento, há uma passagem, um salto de sua condição filogenética para a ontogenética, do biológico para o sóciohistórico, possibilitando a manipulação e o uso da linguagem para comunicação, ampliação das capacidades mentais superiores. O trabalho articulado de mãos e mente permite ao ser humano uma capacidade aparentemente infinita de possibilidades de transformação do suporte em mundo. E, pelo seu inacabamento, pelas suas possiblidades de transformação de si e do mundo em que está inserido, é que o ser humano pode educar e ser educado. O lobo, por sua vez, pode ser treinado. Treinado para algumas capacidades que se encontram no limite das possibilidades de sua espécie. Nada mais que isso. Na verdade, a natureza faz um trabalho melhor que o nosso em termos de treinamento do animal em questão.


Entretanto, todo esse conhecimento pode se tornar irrelevante se considerarmos especulativamente na cena o aparecimento de uma outra subespécie: o lobisomem. E então desencadeia-se uma série de reflexões que nos atinge em cheio, educadores que somos. O lobisomem não é lobo, nem é humano. Assim como o anjo não é um pássaro nem um humano, embora ambas as realidades metafísicas herdem caraterísticas de ambos, mas que, combinadas, geram ontologias completamente diferentes. Estando acima do humano, o anjo pode ser educado? Mas a questão que me importa nesse texto e contexto é a seguinte: Estando abaixo do humano o lobisomem pode ser educado? Ao que me ocorre outra questão crucial: Qual a natureza do lobisomem? Há algo de humano nele quando está transformado? Enquanto a lua cheia não aparece no firmamento há um lobisomem no ser humano afetado pelo que se denominou “maldição”? E me ocorre também uma pergunta ainda mais intrigante: somos todos, de certa forma, lobisomens?


No último filme sobre o tema “lobisomem”, protagonizado por Benício Del Toro, Emily Blunt e Anthony Hopkins, o lobisomem é afetado pela personalidade humana tanto na memória afetiva, quanto no aspecto da maldade, afinal, o lobo, como todos os animais, só ataca para saciar a fome e defender seu território dos predadores e presas desavisadas. A maldade é um traço bem humano, afinal, como nos ensina o mestre Freire:


Não se sabe de leões que covardemente tenham assassinado leões do mesmo ou de outro grupo familiar e depois tenham visitado os “familiares” para prestar sua solidariedade. Não se sabe de tigres africanos que tenham jogado bombas altamente destruidoras em “cidades” de tigres asiáticos (FREIRE, 2002, p.57)
Maldade, maldição. Não existe uma relação simétrica entre os pares maldade/benção. Mas a maldade se educa? A maldade é um traço pessoal herdada ou aprendida? Quem ensina a maldade? Como ela aparece? Em forma de psicopatia ou numa deliberada racionalidade maquiavélica? O Bullying não representa essa maldade explicitada concretamente no ambiente escolar que, por sua vez, pode representar uma floresta cheia de lobisomens? De um ponto de vista psicanalítico o lobisomem pode ser explicado pelo retorno violento do reprimido. Nesse caso, a violência da repressão, denominada de educação, pode ter desencadeado o surgimento da fera no ser humano. Outra coisa: será que os filhos e as filhas das classes populares, tanto na escola básica como na universidade não são considerados “lobisomens”? Sobre essas e outras coisas da educação dos lobisomens, continuaremos a falar no próximo texto.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
Com o auxílio de:


FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

3 comentários:

  1. É certo que a condição ''Lobisomal''é um reflexo orgânico e social do Homo Sapiens,independente dos estímulos externos somos orientados a sermos espécies intermediárias desses dois seres,Homem e Lobisomem.Manipulando o desenvolvimento pleno para mendigar emoções,criadores formando criaturas sub evoluídas,até o momento determinado pela natureza irracional e rasteira.

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  2. ...as vezes me sinto mais lobo porque desconfio da lingugem, pela sua incapacidade de expressar fielmente as minhas sensações mais profundas...e não é a linguagem a mediação mais EXTRA-ordinária de humanização?
    ...as vezes me assusto com minha tendência a ser lobo, pelo meu caratér marginal de não admitir a racionalidade necessária para manutenção da vida e me apegando assim ao meu primitivismo selvagem!

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  3. Sugiro que você leia os filósosfos que discutemk a linguagem: Wittingstein, Habermas e/ou a própria abordagem da Análise do Discurso: a língua em curso.
    Um abraço

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joselitojoze@gmail.com