domingo, 15 de maio de 2011

Universidade Sobrante


Alguns colegas meus podem não entender algumas de minhas críticas quando me refiro a voltar os olhos para o que acontece dentro da Universidade do Estado da Bahia. Bem, em primeiro lugar esclareço de imediato que não pretendo crucificar reitor e pró-reitores, pois a microfísica do poder me explica que uma gestão se sustenta por muitos fios que se estendem por todo o tecido institucional, chegando à sala de aula. Então, uma possível linha de argumentação de que devemos tirar um reitor para botar outro no lugar não corresponde ao que penso. Para mim não importa quem é ou deixa de ser o reitor ou a reitora. Para mim o que importa é a transparência, a impessoalidade, a publicidade que devem, legalmente, caracterizar o serviço público. E isso vai do reitor ao mais simples funcionário da universidade. Um exemplo: Fazendo uma crítica às concepções da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Selma Garrido Pimenta e José Carlos Libâneo nos avisam que

Não que os pedagogos não devessem ter um ideário político e se alinhar aos demais intelectuais na luta política maior. O problema foi o de muitos deles não terem compreendido que a própria ação pedagógica dentro das escolas e das salas de aulas era também uma prática política, sem prejuízo da sua inserção nas lutas políticas mais amplas. (PIMENTA e LIBÂNEO, 2002, p.28)

Não podemos esquecer-nos desse detalhe, pois é no detalhe que reside o diabo. Numa entrevista com a senadora Lídice da Mata, senão me engano, feita pelo sindicato das UEBAS, a mesma evidenciou que a prioridade do Governo é com a Educação Básica, desvinculando-a da educação universitária. Vem de longa data essa desvinculação. As classes populares sempre procuraram a escola básica para seus filhos terem acesso ao mercado de trabalho, enquanto que as classes dirigentes e os intelectuais da classe média tinham a universidade como seu campo de reprodução e legitimação do status quo. As lutas, em decorrência disso, sempre foram separadas, refletindo essa conjuntura histórica. Hoje em dia Acácia Kuenzer refere-se à figura do "professor sobrante", que é o sujeito docente da universidade empobrecida para atender aos também "sobrantes" da sociedade em cursos aligeirados e desprovidos de infraestrutura adequada. Ou seja: para os sobrantes um professor sobrante num arremedo de "universidade", que também se torna sobrante. Esse é o ponto principal que motiva a nossa greve com o enfrentamento ao Decreto 12.583/11 que representa essa tendência de asfixia da universidade e destituição de sua autonomia. É o olhar externo que o movimento grevista mantém.

Entretanto, a universidade pública baiana deve melhorar sua comunicação com a educação básica tanto na melhoria das atividades que estabelecemos institucionalmente com a mesma através dos estágios e práticas, quanto no estabelecimento de vínculos acadêmicos na formação inicial e continuada dos professores, na troca de informações, na produção de artigos, pesquisas, programas, projetos e políticas públicas que tornem permanentes os programas e projetos que tenham resultados satisfatórios, devidamente avaliados. Num estágio supervisionado, por exemplo, penso que o professor regente da escola não pode tirar férias quando o estagiário chega, nem fazer avaliações de mentira sobre o estagiário, embora haja exceções honrosas que ainda não se constituem maioria. Da mesma forma, os professores e professoras que acompanham os licenciandos devem estabelecer um diálogo institucional profícuo com a direção, a coordenação pedagógica, se tiver, e o professor regente, mostrando o plano de trabalho, calibrando os objetivos em função da realidade escolar e elaborando os relatórios para serem entregues, lidos e debatidos como parte da formação do estudante. É apenas um exemplo de prática política, que dá trabalho e não dá dinheiro extra.

Caso a gente não compreenda isso e não consiga equacionar devidamente nossa luta política mais ampla, com nossa prática docente, que é uma prática política, nossa relação com a educação básica sempre será distante, antinômica, indiferente, refletindo em lutas políticas amplas bem distintas. Em função disso necessitamos de outro modelo de universidade e de professor, onde valores como ética, compromisso, responsabilidade, transparência deixem de ter uma semiótica esvaziada de sentido histórico e adquiram a força que brota de ações coerentes nos espaços sociais e culturais onde desempenhamos nossa ação profissional. A rejeição de uma universidade sobrante exige que pensemos no macro e no micro também. Essa universidade sobrante não pode ser aceita nem na asfixia da universidade por fora, através desse Decreto truculento, nem da universidade por dentro, desde a gestão da instituição até a sala de aula: a da universidade e a da escola básica. 

Joselito Manoel, professor da UNEB, Campus IV

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