sábado, 15 de outubro de 2011

Gospel: produto para massas convertidas

O mundo atual cada vez mais de massa. Um mundo onde as pessoas vão tornando-se massas amorfas, envolvidas no frisson imitativo que descaracteriza a criatividade e nos imerge em uma superfície ausente de reflexão. “Erguei as mãos e dai glória a Deus...” E a multidão acompanha os gestos do cantor, padre, pastor, fiel, geralmente branco, que fica em cima de um palco esforçando-se para continuar mantendo a plateia envolvida. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse tipo de música geralmente é entoado pelos negros e negras, que, juntando o rhythm and blues ao gospel deram origem ao soul. Cantam do fundo da alma as dores e as superações de sua história naquele país. É uma verdadeira oração cantante e dançante. Eles e elas não imitam ninguém. Construíram o seu próprio estilo de cantar rezando e dançando. Mas no mundo gospel do Brasil, só de observar as imagens fugazes que são passadas nas propagandas dos discos e show’s dessa natureza, além dos sites visitados sobre esse fenômeno, eu fico preocupado com o conjunto do que a minha percepção capta.

Mulheres e homens, predominantemente brancos, cantam com uma suposta autoridade facial, principalmente no olhar e nos gestuais, como se fossem mais próximos de Deus que os que estão abaixo e fora do palco. O show é uma imitação dos show’s de pagode, sertanejo e axé music, pouco ou nada distinguindo-se, a não ser pelo estilo da música. Um cantor ou uma cantora, “Perto da cruz”, “Aos pés do Senhor”, “Nos braços do Protetor”, “Curvada pelo milagre”, “Prostrada diante do trono”, “Alheluya”, “Glória In Rio”. E alguns grupos têm os nomes mais curiosos: “Caçadores de Deus”, “Delirious”, “Diante do Trono”, “antidemon”, “Christafari”, “Day of Fire”, “Os arrebatados”, “Os nazarenos”, “Provérbio X”, “Ministério Trazendo a Arca”, “Rebanhão”, “Tribo do Funk”, “Denisdeith”, “SuperTones”, “Tempero do Mundo”, “Unção Ágape”, entre outros. 

Distinguem-se do demais grupos e cantores, entre outras coisas, através da linguagem, o qual denominam de “cantores seculares”. Os cantores do estilo gospel não mais se contentam com os estilos rítmicos, harmônicos e melódicos que lhes eram próprios. Vão da axé music, passando pelo reggae, sertanejo, pagode, funk, forró, samba, MPB, a música clássica enfim, talvez não haja ritmo onde o gospel não tenha penetrado. Este estilo deu um salto na última década e serve de abrigo, inclusive, para cantores e cantoras “seculares” em decadência que, prevendo seus últimos suspiros no “século”, convertem-se ao Senhor e reiniciam suas carreiras com um público, digamos, “mais fiel”, que tem quase a obrigação religiosa de adquirir alguns cd’s, até mesmo para ficarem bem na fita em termos de decoração do novo lar daquele que “renasceu em Cristo”. É preciso que a casa mostre a conversão. É preciso que o externo mostre o que, teoricamente, se passa no coração daquele “novo irmão”. Portanto, a Bíblia deve ser grande e adornada em tons de ouro, aberta no centro da sala, bem visível, e, ao mesmo tempo, deve haver um CD ou outro tocando ininterruptamente uma “canção de salvação”, além do "novo irmão" se tornar um saco para os demais familiares, com sua ladainha de salvação. O sujeito não se contenta em salvar ele mesmo. Fica tentando salvar os outros numa chateação sem fim. - Vá em paz pro seu céu e me deixe em paz no meu inferno que você assim designou para mim e para os que não ceguem, digo, seguem seus pastores e suas lições de salvação!!!

O interessante é a mudança mais que repentina, quase súbita, do vocabulário. Homem torna-se “varão”; mulher, ou “patroa”, torna-se “varoa”; a vida cotidiana torna-se “o mundo”; Os desejos tornam-se “tentações”; o corpo torna-se “a carne”; e o “espírito” torna-se, inexplicavelmente, “puro”. E então começa a longa e interminável batalha, interminável porque baseada numa falsa dialética, entre corpo e espírito (ou alma), entre “o mundo” lá fora e o nosso mundinho reto, puro, honesto e desprovidos de desejos, entre a história humana, secular, e a história de Deus, eterna. Só que esquecem ou fingem esquecer, que corpo e espírito é uma coisa só. A gente demonstra o que é. Não existe uma essência em contraposição a uma aparência. Nós aparentamos o que somos. E todo esse “admirável mundo novo” vai se erguendo em torno de líderes diversos, inclusive que lançam suas candidaturas para deputados, vereadores, senadores, presidentes, formando uma bancada nada desprezível no Congresso Nacional, muito embora eu não tenha ouvido de nenhum deles um grito ou ao menos uma palavra de indignação contra a corrupção que por lá galopeia sem rédeas. Deve ser porque isso também “estava previsto” no Apocalipse ou Revelação e não cabe combater o diabo por lá, afinal, o diabo no Congresso Nacional pode vetar muitas emendas desses representantes evangélicos.

E o fenômeno Gospel parece-me ir no mesmo caminho. Os antidemons preocupam-se mais com os demon’s da vida pessoal dos outros que os demon’s que estão institucionalizados no Congresso Nacional, nas Câmaras de Vereadores e nas Prefeituras. Eu nunca vi um movimento evangélico contra a corrupção das prefeituras locais! Nunca vi. O que sempre vejo são pregações rasteiras, que me parecem precisar mais do diabo do que de Deus como estratégia para arrebatar novos “irmãos” para suas fileiras, irmãos geralmente das classes sociais mais baixas, porque, como se sabe, “é mais fácil um camelo passar pelo vão de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus.” Não é mesmo?

E vai se formando uma multidão de “consumidores” de produtos e serviços específicos, perdão: fiéis. E vai se formando uma demanda que precisa ser atendida por pastores, cantores e cantoras, vestuário, lazer, esportes, entre outros e outras. É preciso não se misturar ao mundo, mas também “ninguém é de ferro”. É preciso a criação de um mundo próprio. Um mundo em que a vaidade seja uma vaidade evangélica; onde o esporte seja um esporte de e para Cristo, em que a música secular dê espaço para outro estilo em que Deus, Cristo, “a salvação”, “o trono”, sejam os temas exclusivos daqueles que abandonaram o mundo e começaram “nova vida em Cristo”. Inclusive daqueles que abandonaram o mundo quando esse mundo do show bussines já tinha dado uma bonita banana para eles e elas. Adentram num novo mundo: o mundo das massas que consomem cristo e deus em forma de cd’s, de livros sacramentados dos pastores escribas e de ideais que se materializam em forma de diversos produtos e serviços. A propósito: quando criarão a cerveja de Cristo ou a Cristo'sBeer?

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

5 comentários:

  1. Quero acrescentar que tenho o maior respeito pelas pessoas que abraçam a sua fé e apresentam retidão em suas atitudes cotidianas. Sejam elas evangélicas, sejam católicas, sejam do candomblé. Suas convicções o levam a serem coerentes e éticos diante da realidade em que estão inseridos,e, assim, expressam o Deus Vivo em si mesmos.

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  2. Parabéns pelo texto, especialmente por abordar um tema delicado a mercantilização da fé. Algumas igrejas estão funcionando como verdadeiros comércios, induzindo seus fiéis a consumirem produtos, ao invés de assumir posturas críticas diante de alguns fatos tão necessários atualmente (corrupção, meio ambiente, etc). Gostei muito do exemplo que você usou, eu também nunca vi nenhuma religião estimular a discussão por políticas públicas, por exemplo. A prática da caridade, não apenas o "assistencialismo", mas a atenção ao outro.
    Li outro dia que a religião separa, enquanto a espiritualidade une. Acho que é isso que esta sendo perdido ao longo do tempo pelas religiões, o foco na espiritualidade.

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  3. Pôxa Ísis,
    Que comentário bacana, acrescentando percepções preciosas ao texto, tecendo seus fios e ampliando a potencialidade do mesmo. Realmente, a espiritualidade foi relegada a segundo plano, pois nos planos de muitos padres, pastores e líderes religiosos não estão, necessariamente, o trabalho pastoral que eles e elas deviam fazer.
    Parabéns!!!

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  4. Quando leio um texto deste calibre me remeto ao século XV e percebo que Martinho Lutero perdeu sua luta contra as práticad da igreja católica, pois as diversas igrejas que foram criadas a partir dos ideais dele, estão na mesma prática que tanto foi combatida por Lutero. Penso que se Lutero imginasse que seria assim, com certeza não faria o que fez.

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  5. È muito interessante as reflexões feita no texto,no cenário atual percebo que não se há mais a preocupação de louvar Deus nem seguir a religião a ou b tudo é por dinheiro e fama, o que eles querem mesmo é aparecer em programas de Tvs, jornais e manterem sua fama por isso e para isso, usam melodias de músicas seculares que muitas vezes eles diziam ser demoníacas. Assim acredito que esta faltando talento para compor.

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joselitojoze@gmail.com