Quando alguém está imaturo e outro
alguém lhe diz que esse alguém tem a inteligência solta, logo, ele vai cair na
tentação de amarrá-la a alguma instituição disponível que, como diria Foucault
(1999), “há muito tempo cuida de sua aparição [Discurso], que lhe foi preparado
um lugar que o honra, mas o desarma; e que, se lhe ocorre ter algum poder, é de
nós, só de nós, que lhe advém. (p.7).
O dizer administra politicamente o
sentido, dando-lhe um direcionamento ideológico. O que não foi dito, com seus “poderes
e perigos que mal se imagina” (FOUCAULT, 1999, p.8), enseja a “amarração” nas múltiplas
instituições existentes: família, igreja, escola, movimentos sociais, órgãos da
administração pública, empresas privadas, organizações criminosas, instituições
de ensino superior e, entre essas últimas, as universidades. Contudo, apesar de
todas essas “opções” institucionais, a materialidade histórica de nosso país
aponta a universidade como a instituição privilegiada para amarrar a
inteligência solta. Um dos efeitos dessa prática discursiva, no contexto do
capitalismo patrimonialista brasileiro, é o fortalecimento da instituição
universitária como o portal da legitimação da desigualdade social.
Os professores não se consideram
engajados em um processo de seleção social. Eles verdadeiramente amam e
acreditam no valor do que ensinam e estudam. [...] Mas, todos nós, apenas por
participar institucionalmente da atribuição de créditos, notas e diplomas,
servimos sem intenção como porteiros-guardiães dos níveis superiores da
pirâmide social. (Robert Paul Wolff, 1993)
Amarrar a “inteligência solta” à
instituição universitária brasileira é aprisioná-la no contexto de uma
sociedade capitalista e patrimonialista ainda com um amplo grau de desigualdade
nesta primeira década do século XXI. E há um efeito ainda pior: domesticar a
inteligência, para que ela se familiarize com a desigualdade, naturalizando o
que é produzido pela história.
A “inteligência solta”, de um ponto de
vista emancipatório, pode filiar-se ao movimento social, sem deixar a
universidade, onde, se assim o quiser, pode vincular-se politicamente e
ideologicamente a fim de elaborar princípios gerais que orientem sua
competência técnica e o seu domínio tecnológico a serviço da ascensão política
e econômica das classes populares, pois a transformação da universidade não vem
dela mesma.
Ninguém
tenha dúvida, o destino, a forma futura da universidade brasileira está sendo
decidida neste momento muito mais num comício de camponeses do Nordeste, do que
nas salas de reuniões dos Conselhos de Educação.” (PINTO,1994, p.13).
Quem dará nova forma e atuará decisivamente
na reestruturação da universidade e já está fazendo isto é o movimento negro, é
a organização e a ação política dos indígenas, dos trabalhadores rurais, do
movimento feminista, do movimento gay, e, espero, dos estudantes e professores
de modo geral, de braços dados com os movimentos sociais na transformação do
projeto cultural mais amplo que rege essa nação, em direção a sentidos
democráticos emancipatórios, atuando na superação das estruturas que asseguram
a desigualdade em nosso país.
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de
Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel. Com o auxílio de
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 5. ed., Edições Loyola. São Paulo: 1999.
PINTO, Álvaro Vieira. A questão da universidade. 2. ed., São Paulo: Cortez, 1994.
WOLFF, Robert Paul. O ideal da universidade. Tradução de Sonia Veasey Rodrigues, Maria Cecília Pires Barbosa Lima. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993.
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