Quem me dera ao menos uma
vez
Explicar o que ninguém
consegue entender
Que o que aconteceu ainda
está por vir
E o futuro não é mais como
era antigamente
(Índios, Legião Urbana,
1986)
O tempo histórico, neste
Brasil contemporâneo, sofreu um abalo tão forte vindo de um “asteroide” do
campo político-ideológico, tomando forma de 2013 para cá, que terminou sendo
atravessado por passados distantes, de tempos diferentes, disputando hegemonias
para efetivar virtualidades históricas que não foram realizadas em nosso
passado, prenunciando um futuro sombrio para o que denominamos de "civilização".
Daí que “o que aconteceu ainda está por vir e o futuro não é mais como era
antigamente". Há forças tentando intervir na rede histórica da humanidade,
provocando oscilações nesta rede e, como numa ficção, deslocando o futuro, em
seu passado não realizado, que “[...] não é mais como era antigamente”.
E o que aconteceu que ainda
pode estar por vir? Um fascismo que não chegou a adquirir contornos mais
precisos e duradouros na primeira metade do século XX ainda pode se tornar
nosso futuro, pois o percebemos readquirir contornos institucionais em nosso
horizonte político e ideológico, de forte traço autoritário e ditatorial.
Enquanto professores/as, intelectuais, artistas, pesquisadores/as e jornalistas
entre outros e outras são perseguidos/as, ofendidos/as, agredidos/as, tendo os
salários reduzidos e bolsas de pesquisa cortadas, pela ação do próprio Governo
Bolsonaro, militares, paramilitares e milicianos são protegidos e enaltecidos,
justificados por um discurso beligerante que enfatiza o ódio e a perseguição
àqueles e àquelas que produzem ciência, conhecimento, arte, educação, saúde e
informação.
Rejeição à vacinação, com o retorno virulento do sarampo; negação da escravidão no Brasil, inclusive afirmando que ela foi boa para os negros; desejo de submissão da mulher e enaltecimento de uma masculinidade tóxica; discurso armamentista da população; defesa do terraplanismo, entre outros absurdos demonstra o quanto pequena parte da humanidade deseja um futuro de muito, muito antigamente. “Quem me dera, ao menos uma vez, explicar o que ninguém consegue entender.”
Rejeição à vacinação, com o retorno virulento do sarampo; negação da escravidão no Brasil, inclusive afirmando que ela foi boa para os negros; desejo de submissão da mulher e enaltecimento de uma masculinidade tóxica; discurso armamentista da população; defesa do terraplanismo, entre outros absurdos demonstra o quanto pequena parte da humanidade deseja um futuro de muito, muito antigamente. “Quem me dera, ao menos uma vez, explicar o que ninguém consegue entender.”
E neste momento em que as fake
news espalham a mentira por toda a cidade, todo o país, a verdade nunca me
pareceu tão imprescindível. Precisamos recuperar a verdade! Precisamos. Para
sair dessa política infantil, birrenta e odiosa. Precisamos tanto da
verdade para superar esse tempo no qual
“[...] nem os santos têm ao certo
a medida da maldade
E há tempos são os jovens que adoecem
e há tempos o encanto está ausente
e há ferrugem nos sorrisos.
Só o acaso estende os braços
a quem procura abrigo e proteção.”
Quando se faz apologia ao
nazismo; quando se compara um homem negro a um animal que pesaria em arrobas; no
momento em que um torturador é homenageado em plena Casa da Democracia; no
momento em que cristãos simbolizam armas com as mãos, em que se debocha da dor
de milhares de pessoas mortas pela COVID 19, carregando um caixão e dançando, "nem os santos têm ao certo a
medida da maldade". O encanto vai se perdendo, as utopias vão sendo esmagadas
por um tempo presente que não oferece futuro algum, pois somente "o acaso
estende os braços a quem procura abrigo e proteção". Esse movimento fascista que
aflige o nosso país embrulha o tempo como um papel e o atira no lixo, causando
enormes perturbações na história e inúmeros prejuízos ao desenvolvimento humano.
Assim caminha a nossa desumanidade brasileira.
Silenciar a música, fechar os
teatros, impedir a expressão, acabar com a pesquisa e a educação, asfixiando escolas e universidades públicas, atacar a
democracia, ameaçar os indignados e as indignadas com armas, milícias, guerra
civil, forças armadas, é um ato histórico que deseja nos levar de volta no
tempo, nos reduzindo a analfabetos, escravos, servos de uma classe social
branca, que nunca saiu da Casa Grande e quer sua senzala de volta. Quer o
capitão-do-mato, legitimado numa farda militar, caçando e açoitando aqueles e
aquelas que fugiram para as universidades, para os teatros, para os palcos de
dança, para as gerências das empresas, para os cargos de comando, para os
lugares de rebeldia no quais se tornaram referências. Nas passeatas pró Bolsonaro eu vejo o
tronco erguido nas falas, nas vestes, nos automóveis, nas faixas, nas posturas.
Já vejo jornalistas apanhando, profissionais da saúde – enfermeiras, médicas e
médicos, auxiliares de enfermagem etc. – sendo ameaçados/as, agredido/as. Eu
vejo os brancos comerciantes em seus carros de luxo, exigindo a volta ao trabalho
dos seus/suas escravos/as atuais, sob pena de se arriscarem a morrer e a matar,
transmitindo o vírus letal para seus
familiares. E no entanto, somos “herdeiros da virtude que perdemos”.
Mas não perdemos a toa. Perdemos
de forma dolorosa e agora entendemos a importância dela. Agora que tudo “é só
tristeza”. Mais que nunca
Disciplina é liberdade
compaixão é fortaleza
ter bondade é ter coragem.
Agora
podemos gritar para retomar o “tempo perdido” durante todo esse tempo perverso,
feito com o sangue dos nossos ancestrais. “Temos o nosso próprio tempo” e com ele
faremos esse tempo que nos faz tanta falta para viver com dignidade. O tempo da democracia,
da alegria, da ciência, da paciência, da consciência. O tempo da decência, da verdade,
do amor e da solidariedade. O tempo da arte, da poesia, da fartura, da natureza
conosco numa profunda comunhão. Há tempos! Haverá sempre tempo para o amor, a
justiça, a verdade e paz.
Agora, mais do que nunca, que
Dissestes que se tua voz
tivesse força igual
à imensa dor que sentes
Teu grito acordaria
não só a tua casa
mas a
vizinhança inteira
podemos
gritar com ênfase: FORA BOLSONARO!!!!
Joselito da Nair, do Zé, da Ana Lúcia,
do Legião Urbana, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.
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