quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A pano e vento


Devo fluir o meu sentir
para além-mar
o oceano, não por engano,
vai navegar.

As minhas velas
a todo pano
vão encontrar
o caminho que o céu aponta.

E o meu destino
assim tão belo já de partida
chegará num tempo áureo
que em meu tempo já se desponta.

O meu sentir vai conduzir
por entre enganos
o meu olhar além do plano.

Eu vou seguir por entre os danos
a percepção imediata
a seta que acerta o alvo,
a mira mais concentrada
para chegar ao impossível
no caminho oceânico
com pano, vento, ideia e mapa.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Deixo

Deixo. 
Deixo que o tempo avance para nós,
deixo que passe pra lá e pra cá
pendular o que nunca deixou de ser da mulher e do homem.

Deixo o silêncio, deixo registrar o momento sem nome,
o quanto nós fomos um para a outra.
E, depois, deixo o tempo seguir seu caminho,
pra ficar eternamente contigo,
só curtindo o tempo passar.

Deixo, não dá pra assegurar
seguro na esperança
de, nessa deixa,
você voltar.

Deixo pra lá as intrigas
deixo as brigas em paz.
Deixo o futuro chegar
deixo o passado passar.
Fico presente.

Deixo porque não quero deixar
de te ter
ter você
por inteira
te entreter,
me meter
em você
e deixar...
Deixo, pra ficar.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sábado, 15 de outubro de 2011

Gospel: produto para massas convertidas

O mundo atual cada vez mais de massa. Um mundo onde as pessoas vão tornando-se massas amorfas, envolvidas no frisson imitativo que descaracteriza a criatividade e nos imerge em uma superfície ausente de reflexão. “Erguei as mãos e dai glória a Deus...” E a multidão acompanha os gestos do cantor, padre, pastor, fiel, geralmente branco, que fica em cima de um palco esforçando-se para continuar mantendo a plateia envolvida. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse tipo de música geralmente é entoado pelos negros e negras, que, juntando o rhythm and blues ao gospel deram origem ao soul. Cantam do fundo da alma as dores e as superações de sua história naquele país. É uma verdadeira oração cantante e dançante. Eles e elas não imitam ninguém. Construíram o seu próprio estilo de cantar rezando e dançando. Mas no mundo gospel do Brasil, só de observar as imagens fugazes que são passadas nas propagandas dos discos e show’s dessa natureza, além dos sites visitados sobre esse fenômeno, eu fico preocupado com o conjunto do que a minha percepção capta.

Mulheres e homens, predominantemente brancos, cantam com uma suposta autoridade facial, principalmente no olhar e nos gestuais, como se fossem mais próximos de Deus que os que estão abaixo e fora do palco. O show é uma imitação dos show’s de pagode, sertanejo e axé music, pouco ou nada distinguindo-se, a não ser pelo estilo da música. Um cantor ou uma cantora, “Perto da cruz”, “Aos pés do Senhor”, “Nos braços do Protetor”, “Curvada pelo milagre”, “Prostrada diante do trono”, “Alheluya”, “Glória In Rio”. E alguns grupos têm os nomes mais curiosos: “Caçadores de Deus”, “Delirious”, “Diante do Trono”, “antidemon”, “Christafari”, “Day of Fire”, “Os arrebatados”, “Os nazarenos”, “Provérbio X”, “Ministério Trazendo a Arca”, “Rebanhão”, “Tribo do Funk”, “Denisdeith”, “SuperTones”, “Tempero do Mundo”, “Unção Ágape”, entre outros. 

Distinguem-se do demais grupos e cantores, entre outras coisas, através da linguagem, o qual denominam de “cantores seculares”. Os cantores do estilo gospel não mais se contentam com os estilos rítmicos, harmônicos e melódicos que lhes eram próprios. Vão da axé music, passando pelo reggae, sertanejo, pagode, funk, forró, samba, MPB, a música clássica enfim, talvez não haja ritmo onde o gospel não tenha penetrado. Este estilo deu um salto na última década e serve de abrigo, inclusive, para cantores e cantoras “seculares” em decadência que, prevendo seus últimos suspiros no “século”, convertem-se ao Senhor e reiniciam suas carreiras com um público, digamos, “mais fiel”, que tem quase a obrigação religiosa de adquirir alguns cd’s, até mesmo para ficarem bem na fita em termos de decoração do novo lar daquele que “renasceu em Cristo”. É preciso que a casa mostre a conversão. É preciso que o externo mostre o que, teoricamente, se passa no coração daquele “novo irmão”. Portanto, a Bíblia deve ser grande e adornada em tons de ouro, aberta no centro da sala, bem visível, e, ao mesmo tempo, deve haver um CD ou outro tocando ininterruptamente uma “canção de salvação”, além do "novo irmão" se tornar um saco para os demais familiares, com sua ladainha de salvação. O sujeito não se contenta em salvar ele mesmo. Fica tentando salvar os outros numa chateação sem fim. - Vá em paz pro seu céu e me deixe em paz no meu inferno que você assim designou para mim e para os que não ceguem, digo, seguem seus pastores e suas lições de salvação!!!

O interessante é a mudança mais que repentina, quase súbita, do vocabulário. Homem torna-se “varão”; mulher, ou “patroa”, torna-se “varoa”; a vida cotidiana torna-se “o mundo”; Os desejos tornam-se “tentações”; o corpo torna-se “a carne”; e o “espírito” torna-se, inexplicavelmente, “puro”. E então começa a longa e interminável batalha, interminável porque baseada numa falsa dialética, entre corpo e espírito (ou alma), entre “o mundo” lá fora e o nosso mundinho reto, puro, honesto e desprovidos de desejos, entre a história humana, secular, e a história de Deus, eterna. Só que esquecem ou fingem esquecer, que corpo e espírito é uma coisa só. A gente demonstra o que é. Não existe uma essência em contraposição a uma aparência. Nós aparentamos o que somos. E todo esse “admirável mundo novo” vai se erguendo em torno de líderes diversos, inclusive que lançam suas candidaturas para deputados, vereadores, senadores, presidentes, formando uma bancada nada desprezível no Congresso Nacional, muito embora eu não tenha ouvido de nenhum deles um grito ou ao menos uma palavra de indignação contra a corrupção que por lá galopeia sem rédeas. Deve ser porque isso também “estava previsto” no Apocalipse ou Revelação e não cabe combater o diabo por lá, afinal, o diabo no Congresso Nacional pode vetar muitas emendas desses representantes evangélicos.

E o fenômeno Gospel parece-me ir no mesmo caminho. Os antidemons preocupam-se mais com os demon’s da vida pessoal dos outros que os demon’s que estão institucionalizados no Congresso Nacional, nas Câmaras de Vereadores e nas Prefeituras. Eu nunca vi um movimento evangélico contra a corrupção das prefeituras locais! Nunca vi. O que sempre vejo são pregações rasteiras, que me parecem precisar mais do diabo do que de Deus como estratégia para arrebatar novos “irmãos” para suas fileiras, irmãos geralmente das classes sociais mais baixas, porque, como se sabe, “é mais fácil um camelo passar pelo vão de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus.” Não é mesmo?

E vai se formando uma multidão de “consumidores” de produtos e serviços específicos, perdão: fiéis. E vai se formando uma demanda que precisa ser atendida por pastores, cantores e cantoras, vestuário, lazer, esportes, entre outros e outras. É preciso não se misturar ao mundo, mas também “ninguém é de ferro”. É preciso a criação de um mundo próprio. Um mundo em que a vaidade seja uma vaidade evangélica; onde o esporte seja um esporte de e para Cristo, em que a música secular dê espaço para outro estilo em que Deus, Cristo, “a salvação”, “o trono”, sejam os temas exclusivos daqueles que abandonaram o mundo e começaram “nova vida em Cristo”. Inclusive daqueles que abandonaram o mundo quando esse mundo do show bussines já tinha dado uma bonita banana para eles e elas. Adentram num novo mundo: o mundo das massas que consomem cristo e deus em forma de cd’s, de livros sacramentados dos pastores escribas e de ideais que se materializam em forma de diversos produtos e serviços. A propósito: quando criarão a cerveja de Cristo ou a Cristo'sBeer?

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Das Comunidades Eclesiais de Base para o Tráfico de Drogas: a transição da juventude brasileira

Quando eu era mais jovem minha subjetividade encontrou amparo para além da família. É que quando a gente é mais jovem fica um pouco mais solto que de costume e o mundo oferece muitas de suas caixas para que a mão insatisfeita, imprudente e apressada abra a caixa de pandora, de onde sonhos maravilhosos e pesadelos horrendos podem emergir. O mundo da juventude, povoado de sonhos e esperanças cheias de vigor, alimenta o mundo do viço fortalecedor das ações, das atitudes, dos valores, das utopias que impedem o mundo de sucumbir definitivamente na barbárie. Um dos meus amparos na juventude mais viçosa foi a Igreja Católica, através das comunidades eclesiais de base, que nos ensinavam valores e crenças para transformar o mundo da desesperança no mundo da esperança perene no ser humano renovado pela fé num Deus comprometido com os injustiçados, com os mais pobres, com os desesperados, com os mais humildes humanos que compartilham as datas da história.

Na Comunidade formávamos grupos jovens, orientados por freiras, padres e pessoas mais experientes da comunidade, onde construíamos nossas subjetividades compartilhadas por valores cristãos dirigidos por uma perspectiva teológica da libertação. Não rezávamos para Deus e contra o mundo. Rezávamos no mundo, pelo mundo e com Deus, que nos ensinou que o pão e a oração andam juntos, que fé e vida constituem o mesmo processo de existir em nome de princípios, valores, utopias de transformar as velhas estruturas desse mundo em estruturas a serviço da vida, da verdade e do amor. Isso fazia um efeito poderoso em nossa formação de jovens da periferia. Não era uma formação qualquer. Era um processo vivo de aprender fazendo algo que dava resultados benéficos e deixava pessoas que mais necessitavam bem mais felizes. Os mutirões provocavam esses efeitos. Vinham homens e mulheres e consertavam pingueiras, derrubavam e reerguiam paredes, trocavam telhados, consertavam camas, sanavam infiltrações e vazamentos. Depois tomávamos cerveja, suco, pinga e comíamos feijoada, bolinhos, pãezinhos feitos pela bondade de todos e todas. Olhávamos uns para os outros e descobríamos as potencialidades de cada um através das ações solidárias que empreendíamos. 

Foi um tempo tão bonito da minha vida! Não tínhamos tempo para as drogas nem para as lamentações. Pensávamos sempre a esperança e a utopia. Ninguém era menos entre nós. Cada um fazia a sua parte no todo e cada um era todo nas partes. A nossa totalidade orgânica traçava a rede onde cada um era tecido enquanto tecia, não propriamente a si mesmo, mas a todos em si mesmo e o si mesmo, inevitavelmente, era tecido em todos. Uma rede de gente pescando gentilezas, humanidades reconciliadas com o cosmos e com Deus no mar da história humana. Os encontros da juventude promovidos pela comunidade eram fundamentais para a celebração e partilha disso tudo. Vinham grupos da Capelinha, do Bom Juá, da Baixa do Cacau, da Fazenda Grande do Retiro, do Calafate, da Fonte do Capim, do Alto do Peru, da Jaqueira do Carneiro, da Boa Vista do São Caetano e da Sussunga. Nomes de lugares estranhos para quem pensa numa Salvador a partir da Geografia das elites soteropolitanas. Nomes de lugares que minha memória guarda com carinho precioso de um tempo inesquecível. Nesses encontros nos conhecíamos e, o melhor: nos reconhecíamos! E isso era o mais importante. Reconhecer aqueles e aquelas que veem traçando uma história diferente consigo e com os outros. A gente talvez sabia sem saber o quanto era importante agir diferente e viver outro rumo nesse mundo que está á espreita do tolo e do insensato. Esse mundo que vai devorando a nossa alma e nos transformando em consumidores também vorazes; esse mundo que retira nosso tempo de pensar e nos faz trabalhar cada vez mais, não mais em nome de algo aparentemente digno e valoroso, como o suposto progresso que a ideologia dominante nos afetava, mas em nome do consumo mesquinho que descaracteriza nossas identidades e nos uniformiza como “clientes”, seres que compram, engrenagens que fazem o novo deus mercado funcionar, “para o bem da economia”. 

E essa transição foi nos tomando e os ventos da nossa história peculiar foram tomando outros rumos. A Igreja Católica foi esquecendo os Encontros Episcopais de Puebla e Medellin e foi desarticulando as Comunidades Eclesiais de Base, as pastorais comprometidas com uma perspectiva cristã revolucionária, entre elas, a Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), e foi nos impondo uma Pastoral da Juventude de orientação carismática, que só rezava, rezava, rezava, cantava, cantava, cantava, e nos afastava de Deus. Ficou o impasse: ou a juventude da periferia se adequava aos ditames de Dom Lucas Moreira Neves, de Ratzinger e do Papa João Paulo II, ou seria melhor que saíssemos. A segunda opção nos pareceu melhor. E a Igreja levou a comunidade consigo para o céu. De lá, a comunidade só pôde ficar observando a história sem mais poder formar subjetividades rebeldes, comprometidas com um novo mundo que Jesus Cristo propôs. Sem poder trazer o céu pro mundo, por orientações históricas dos poderosos da Igreja Católica que impediram as comunidades de participarem ativamente da história, tais comunidades perderam seu élan vital e sucumbiram. A juventude desapareceu, pois suas lideranças foram começando a serem indesejadas, pois suas palavras queimavam pensamentos arcaicos, gestados em segredo no alto comando da Igreja. Os jovens abandonados foram se tornando presas fáceis para os novos arautos das periferias: os traficantes. Quem sabe um pensamento articulado com os altos comandos da política brasileira? Quem sabe sarney’s e os “dons” (bispos e cardeais), não estejam estrategicamente nesse jogo de xadrez impedindo que os peões deem um xeque-mate definitivo nessa história mal contada de poderes podres que se articulam contra os filhos dessa mãe nada gentil?

Os lugares onde morávamos e moramos foram sendo tomados pelos traficantes. Não mais a comunidade andante procurando servir a quem precisa e atraindo jovens esperançosos para atuar nesse processo. Isso acabou. A Igreja deu uma contribuição inestimável para essa mudança trágica. As esquinas foram sendo ocupadas por jovens com armas na cintura, tomados por expressões de ameaça à vida dos moradores. Foram tornando-se feras a serviço de outros poderes, poderes desumanizantes, a serviço do consumo de drogas por jovens das classes médias e altas. Uma juventude servindo a outra e as duas a serviço dos grandes traficantes que foram tomando corpo no estado da Bahia. O Governo sonolento foi deixando tudo ocorrer sem combater a ameaça que se articulava contra a vida e a paz dos humildes. Deslocados do Rio e São Paulo os grandes traficantes montaram novas bases aqui e a violência começou a matar milhares de jovens todos os anos. As bases são outras agora e a Igreja Católica tem uma responsabilidade muito grande nisso. Assim como a rede da vida se estendia em ações solidárias e atraiam os jovens para sua luz, assim também a rede da morte se estende pelos confins de nossa cidade, de nosso estado e de nosso país, e mata milhares de jovens todos os anos, pois a última luz que eles e elas veem na vida, é a dos disparos impiedosos das armas, que assinam com sangue seu relatório funesto da participação da juventude em suas hostes. 

E o Bispo Primaz do Brasil jamais terá a capacidade de escrever um relatório contrário, pois sabe dos meandros do poder que silencia aqueles que têm coragem de pronunciar a tessitura da morte em função da ânsia de poder e controle que a Igreja exerce desde que foi assumida pelo estado Romano, pois sua poderosa mão também abriu a caixa de pandora, de onde a fumaça das drogas emergiu para o nosso mundo. A juventude abandonada precisa de espaços para reconstruir o seu destino vital de transformar esse mundo sujo, podre, doente, viciado em vitrines, cocaínas e crack. 

Joselito Manoel de Jesus, um jovem professor da UNEB e um jovem que saiu da comunidade por não mais crer naquele deus inventado pela igreja, que não se compromete com o ser humano na mudança das estruturas nocivas do nosso mundo.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Abortos e ressurreições





Tudo começa desinteressadamente, com uma conversa com Saane. Dai..
Falaria não em mortos, mas em abortos. Quantos abortos não residem em meu ventre existencial? Quantos possíveis eu's não deixaram de ser fecundados em minha subjetividade cambiante? Quantas pessoas boas eu não poderia ter sido, quando o deixei? Por isso a maturidade (relativa, claro) nos convida para ressurreições de outros possíveis eu's que sucumbiram. E aí o sofrimento e a dor são, na verdade, momentos que precisamos para sentir as perdas e refletir sobre o que fizemos para causá-las. É Buda quem afirmou: "Nós travamos lutas contra mil exércitos, mas a maior luta que a gente trava é contra nós mesmos. Não é o outro que está forte e nos humilha, nos despreza e nos magoa. Somos nós, na verdade, que estamos frágeis e deixamos o outro nos desprezar, nos magoar, nos humilhar. Por isso estou na fase do espelho, olhando o meu reflexo e tentando enxergar a mim de fora, como um estranho, numa metareflexão que me conduzirá a mim mesmo. Recomendo, como educador que sou, que leia "Sidarta", de Herman Hesse.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Poesia nos encontra no encanto

Depois de um poema mandado por Geisiane...
Que coisa linda!!! 
Quando a poesia nos encontra e
nos fala do milagre mais fecundo, 
a gente se encanta e desperta em outro mundo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Arqueologia da Salvação


Renasço a cada manhã.
E por isso não morro na noite anterior.
O sabor desse mundo é fundo.
No raso eu colho e mergulho
E é somente profundo
que eu desfruto o sabor.

É somente lá embaixo
que eu provo o sabor
das coisas sublimes e etéreas
o rastro eterno do divino
que ficou sob camadas.

É na arqueologia dos sentidos
que encontro os vestígios de minha salvação.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Corrida e existência

O vício começa assim. Depois toda distância chama, convida gentilmente a ânsia para disparar em busca. Aí a gente não corre mais para disputar com ninguém, mas com a gente mesmo, se é que assim o é. Chegaremos sempre e nunca. Até que a grande corrida se cumpra em cada um de nós, cada qual a seu tempo. O corredor de rua luta consigo todos os treinos. Eu vi isso bem em Lucas, em Michel, em Dina, em Lucília, entre outros e outras, corredores e corredoras de rua. E ainda ficam felizes com todo o esforço em busca de algo que não sabem bem explicar, ou talvez o saibam muito bem, tão bem, que nem precisem falar. Algo dado em suas subjetividades, que acolhem os desafios e procuram traçar suas metas, algumas vezes não muito claras, outras vezes ofuscantes de tão claras. 

Queremos chegar a cada tempo e participar da festa onde todos os diferentes parecem iguais, dirigidos pelo sentido de cada prova que, a cada prova, vai deixando de ser competição e transformando-se em participação. Ninguém corre contra mim, nem contra nós. Correm conosco tentando chegar ao mesmo destino. Correm sentido o frisson inexplicável de correr e alcançar a si mesmo, a si mesma, ou até de ultrapassar-se, num trajeto traçado para sempre, todos os anos, todos os treinos, todas as horas que se seguem antes e depois de todas as corridas, onde o corredor, nesse processo, vai descobrindo boas novas a respeito de si mesmo em comunhão com os demais.

Vou pegando essa experiência do correr e expandindo-a, quem sabe, para o todo o mais viver, pra ir vivendo melhor e lutando comigo a fim de alcançar objetivos outros. Procurando traçar outros destinos para chegar a tempo da comemoração, de completar mais uma etapa no processo da minha existência. Muitas vezes sinto que posso chegar mais cedo e fazer um pouco mais. Enfrentar os meus demônios, os meus cansaços, os meus desânimos e “baixar meu tempo” na prova da vida. As vezes sinto que possuo um potencial ainda maior que fica sabotado pela minha preguiça, e por outros sentimentos mesquinhos que vão corroendo todo o esplendor do meu ser. E paro. Paro, sentindo um cansaço confortável, um cansaço que procura explicar o porquê de não ter chegado, de não cumprido, de ter desistido num trecho do caminho. EU NÃO ACEITO MAIS ISSO! EU QUERO TERMINAR A PROVA! COMPLETAR O PERCURSO TRAÇADO! E sei que POSSO. Sei que posso e vou convicto alcançar o meu prêmio, o meu lugar entre eles e elas, mas sobretudo, o lugar que sempre deixei alguém ocupar, por ser indolente e preguiçoso, permitindo o rebaixamento do nível, ao abrir mão da luta, do suor, do sacrifício sadio e recompensador de cumprir o objetivo traçado.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel