quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

QUANDO AMAMOS

A grande sensibilidade poética de Oswaldo Montenegro afirma para o amor dele que "A vida passa num instante e um instante é muito pouco pra sonhar." Eu penso também que a vida passa num instante. Meus pais ainda circulam pelos cômodos de minha saudade, como se estivesse com eles no ontem de um dia eterno. E concordo com Montenegro quando, no início de sua composição fala que "Quem vai dizer ao coração, que a paixão não é loucura, mesmo que pareça insano acreditar.” Parece insano amar num pequeno instante que é o vão estreito da vida. Mas é o que nós temos. É nesse estreito espaço histórico que você descobre o sentido mais profundo e fecundo de estar vivo: a experiência do amor. Por isso, mais uma vez com Oswaldo...

Quando a gente ama,
Simplesmente ama
É impossível explicar
Quando a gente ama
Simplesmente ama!

Ao sentir que sou amado e ao amar em meu sentir, toda a minha ontologia se reconcilia com o cosmos num estreito tempo-espaço que denominamos VIDA.
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

domingo, 15 de janeiro de 2012

A DIDÁTICA DA MARÉ E A ESCOLA DA MARESIA

Dia 13 último de janeiro deste ano que se inicia, estava com Marquinhos, Zezé e Wiliam, entre outras pessoas, jovens, adultos e gente já pisando na fronteira da terceira idade, para conhecer e auxiliar no que pudesse na Escola das Águas, a ser criada para os pescadores. Tivemos a importante assessoria de Celi Taffarel da UFBA, que foi fazendo uma mediação excelente, partindo do universo simbólico que a experiência de quem trabalha no mar constrói e adentrando na maré simbólica da educação, da economia e da política. E estávamos nós, do meio popular escutando aquelas lições e ajudando-as a serem estruturadas, com a boa didática que Celi acionava em sua experiência docente. Fomos tratando das esperanças, necessidades e perigos que vão aparecendo conforme vamos pensando numa escola que tenha a relação do trabalho com a água como princípio fundante da formação de “subjetividades rebeldes”, comprometidas com uma aprendizagem que vise a transformação das relações pautadas pelo capitalismo, em relações pautadas pela solidariedade. Por se negar a colaborar para a formação de consumidores ávidos por produtos e serviços cada vez mais descartáveis, por se negar a formar “subjetividades conformistas”, que andam curvadas diante do peso mercantil que o capitalismo impõe ao viver, é que Marquinhos, Wiliam e Zezé, entre outras pessoas – que estão convivendo com pescadores e marisqueiras – se uniram para elaborar uma outra escola. Uma escola comprometida com a ruptura desse ethos capitalista, do hedonismo do consumo e se aventuram agora, entre outras muitas aventuras, a construir essa escola de gente que percebe a vida através da coletividade unida organicamente em torno de princípios solidários e relações humanas pautadas em valores e posicionamentos políticos que conduzam à emancipação humana em sua plenitude.

Celi ia expondo didaticamente o tema/problema e a gente ia participando da construção simbólica sistematizada desse precioso conhecimento, buscado como necessidade e não como obrigação. Numa dessas participações Marquinhos falou de uma cena que participou ao dormir na casa de uma marisqueira e pescadora. Ao amanhecer os familiares começaram a aprontar as coisas, preparar e separar os instrumentos a serem usados na lida diária. Nisso, a filha da marisqueira começou a choramingar, manifestando seu desejo de ir para a maré com os demais. A mãe disse-lhe que ela precisava ir para a escola, mas a criança se mantinha irredutível em seu desejo. Marquinhos revelou que ficou um pouco chateado com aquela menina naquele momento e com a atitude titubeante da mãe. Foi, segundo ele, mais de uma hora de lenga lenga. A escola era importante! Era preciso que aquela menina estivesse lá, na instituição apropriada para a educação sistemática de seres humanos. Mas a mãe terminou cedendo e a menina foi com eles e elas para a maré. Marquinhos ficou pensando sobre aquele fato. A menina dominou a mãe. Ato pouco educativo. Quando uma criança domina os seus pais, exercendo sistematicamente a birra e o chororô de araque, há uma inversão perigosa que pode acabar na construção de uma subjetividade individualista e mesquinha, ou até mesmo delinquente, quando seus desejos não forem satisfeitos de imediato. De todo modo, Marquinhos ficou pensando: – O que a maré tem que a escola não tem? Por que a menina não sente desejo de estar aprendendo coisas novas e interessantes com seus coleguinhas, orientados por um professor ou uma professora inteligente, preparada, agradável e que lhes desperte a curiosidade?

A reflexão de Marquinhos aguçou os meus sentidos e fiquei ruminando os significados de tais inquietações dele, agora minhas também e, quiçá, de outras e outros ali presentes. Tanto é que vou passar um dia ou mais na maré, junto às marisqueiras (os) e pescadores (as) para ver se consigo entender o que a maré tem para essas pessoas. Talvez a escola não tenha uma professora bem preparada, satisfeita com suas condições de trabalho, salário e carreira. Talvez a escola não tenha um projeto político-pedagógico claro, que oriente as ações de todos os envolvidos na tarefa de educar crianças das classes populares e de setores específicos desses. Talvez essa escola não tenha estabelecido relação alguma com a comunidade que a cerca e seus textos, seus livros, sua linguagem, sua metodologia e seu sistema de avaliação seja completamente alheio às necessidades e interesses intelectuais das crianças, jovens e adultos que estão em seu entorno.

Provavelmente essa escola não tem magia, não tem segredos, nem mistérios a serem explorados pela curiosidade que anseia investigar, constatar, descobrir, compreender e agir. Talvez essa escola esteja morta para a criança, porque ela não rema, ela não rima, ela não ri, ela não ensina a nadar, a flutuar sobre as águas, a "pegar jacaré", essa escola não tem balanço, não ensina a mergulhar à procura da beleza que o oceano tem; essa escola não ensina que as palavras também têm balanço, têm marés, têm funduras pedindo profundos mergulhos, não ensina que os textos têm uma flora marítima e correntes de pensamento que apanham os leitores e os entregam para rumos desconhecidos e encantadores; Não ensina sobre os ventos reflexivos que sopram de outros mares e terminam influenciando nas marés das nossas praias intelectuais; ela não ensina com a vida, mas, de forma atabalhoada, “para a vida”. Uma vida futura que termina sendo pretérita; uma vida moderna que termina sendo antiquada e insignificante; uma vida “para ser gente” que termina formando sombras e sobras de humanos, subjetividades fantasmagóricas de ação diante de um sistema que exige obediência, silêncio, ordem e organização, conforme os postulados da propriedade privada e da acumulação de riquezas, em detrimento do trabalho e do trabalhador.

A mãe não está certa ao ceder aos caprichos da filha. Não. Agiu errado. A menina repetirá o gesto toda vez que assim o desejar. Entretanto, aprendi com Arlete Malta que todo espaço é um espaço pedagógico quando há duas ou mais pessoas ensinando e aprendendo. Quando a escola retira a criança da maré, e, pior, quando a escola separa e exclui a maré e sua força semântica de sua construção humana, ela retira de si mesma, o poder de educar que emerge do contexto imediato e familiar onde o ser humano pronuncia o mundo e a si mesmo nele. A maré pode ser, e muitas vezes o é, um espaço didático e pedagógico, onde mãe, filha, irmãos e demais parentes ensinam coisas, investigam mistérios, contam suas histórias e partilham a vida que significa na maré para todos e todas que nela e por ela sobrevivem.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel. 

Em tempo: Na coluna "Tempo Presente", de hoje, 16/01/2012, está escrito que:
A cantora Margareth Menezes prometeu estudar as leis aprovadas na Câmara, mais especificamente a de áreas de proteção cultural e paisagística, que, entre outras medidas, na Ilha dos Frades, determina o cercamento das praias e fim da atividade marisqueira. "Quantos mares uma gaivota irá cruzar para poder descansar na areia?" 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Antes que a revolução comece

E daqui desta hora alta
observo e examino os sentidos e as palavras 
que também os compõem.

Os ditos proliferam nos campos discursivos
fazendo com que germine
novos conteúdos de esperança 
e de temor. 

Que antes do primeiro tiro, 
que bem antes da primeira morte, 
as formações discursivas encaminhem
os sentidos do renascimento humano
para a vida.

Que antes que a revolução se inicie
a solidariedade, o respeito, 
a dignidade, o amor, a justiça 
e a paixão pela vida prevaleçam.
Dito isso, minha esperança significa. 

Joselito da Nair, do Zé, da Nair, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A MINHA inveja também ME MATA!!! Por Mãe Stella

Sobre a questão de ficar me olhando no espelho, descobri que Mãe Stella, em sua sabedoria, me auxilia nessa mirada. Assim diz ela...


A minha função espiritual faz de mim uma intermediária entre o humano e o sagrado e para exercê-la da melhor maneira possível tenho como instrumento o Jogo de Búzios. Pessoas de diferentes idades, raças e até mesmo credos, buscam a ajuda desse oráculo. Surpreende-me o fato de que uma grande parte dos que me procuram sente-se vítimas de inveja.

Engraçado é que nunca, nem um só dia sequer, alguém chegou pedindo-me ajuda para se libertar da inveja que sentia dos outros. Será que só existem invejados? Onde estarão os invejosos? E o pior é quando consulto o oráculo e ele me diz que os problemas apresentados não são decorrentes de inveja, a pessoa fica enfurecida.

Percebo logo que existe ali uma profunda insegurança, que gera uma necessidade de autovalorização. Se isso ocorresse apenas algumas vezes, menos mal, o problema é que esse comportamento é uma constante. Isso me leva a pensar que cada pessoa precisa olhar dentro de si, tentar perceber em que grau a inveja existe dentro dela, para assim buscar controlar e emanar este sentimento, de modo que ela não venha a atuar de maneira prejudicial ao outro, mas principalmente a si, pois qualquer energia que emitimos, reflete primeiro em nós mesmos.

Uma fábula sobre a inveja serve para nossa reflexão: Uma cobra deu para perseguir um vagalume, cuja única atividade era brilhar. Muito trabalho deu o animalzinho brilhante à insistente cobra, que não desistia de seu intento. Já exausto de tanto fugir e sem possuir mais forças o vagalume parou e disse à cobra: – Posso fazer três perguntas? Relutante a cobra respondeu: – Não costumo conversar com quem vou destruir, mas vou abrir um precedente. O vagalume então perguntou: -Pertenço à sua cadeia alimentar?- Não, respondeu a cobra. – Fiz algum mal a você-?- Não, continuou respondendo a cobra.- Então por que me persegue?- perplexo, perguntou o brilhante inseto. A cobra respondeu: – Porque não suporto ver você brilhar, seu brilho me incomoda.

Ingênuas as pessoas que pensam que o brilho do outro tem o poder de ofuscar o seu. Cada um possui seu brilho próprio, que deve estar de acordo com sua função. Existem até pessoas cujas funções requerem simplicidade, onde o brilho natural só é percebido através do reflexo do olhar do outro.

Lembro-me de uma garotinha de apenas 10 anos de idade que a mãe me procurou para ajudá-la, pois ela ficava furiosa quando não tirava nota dez na escola. Comportamento que fazia com que seus coleguinhas se afastassem dela. Algumas tardes eu passei conversando com a garota. Um dia ela chegou me dizendo que não apresentava mais o referido problema, que até tirou nota dois e não se incomodou.

Fiquei muito feliz, cheguei mesmo a ficar vaidosa, pois acreditei que aquela nova atitude era resultado de nossas conversas. Foi quando ela me disse:- Sabe por que não me incomodei de tirar nota dois, Mãe Stella? Ansiosa, perguntei:- Por quê? Ao que ela me respondeu: – Porque o resto da turma tirou nota um. Rimos juntas da minha pretensa sabedoria de conselheira e do natural instinto de vaidade que ela possuía e que muito trabalho teria para domá-lo. O desejo que a garota possuía de brilhar mais do que os outros, com certeza atrairia para ela muitos problemas. Afinal, ela não queria ser sábia, ela queria ser vista.

O caso contado anteriormente fez lembrar-me de outro que eu presenciei, onde uma senhora repleta de ouro insistia em me dizer que as pessoas estavam olhando para ela com inveja. Cansada daquele queixume, disse-lhe que quem não quer ser visto, não se mostra.

A inveja é popularmente conhecida com olho gordo. Se não queremos ser atingidos pelo olho gordo do outro, devemos cuidar para que nossos olhos emagreçam, não deixando que eles cresçam com o desejo de possuir o alheio. Já que fazemos dieta para nossos corpos serem saudáveis, devemos também fazer dieta para nossos olhos, pois eles refletem a beleza da alma. A tendência agora é, portanto, olhos magrinhos, mas não anoréxicos, pois alguns desejos eles precisam ter, de preferência desejos saudáveis.

Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

DEFENDA ELIANA CALMON!!!


Resista Ministra Corregedora do CNJ, Eliana Calmon!!! Resista a esses homens e instituições comprometidas com a indecência, que estão  a ti trucidar!!! Nós, que ainda acreditamos na decência e na justiça, precisamos de sua força, de sua seriedade no trato com a coisa pública e com a sua missão. Muito mais importante que todos os discursos vazios de padres e bispos, dos políticos e salafrários de nosso país é a sua ação no combate à corrupção no judiciário. A primeira Dama do país que queremos não é Dilma. É a senhora, Ministra Guerreira, mulher que resguarda a decência no campo jurídico. Vossa Excelência é bela e forte. Às suas ações me curvo e coloco-me ao lado de seu discurso calcado na ação verdadeira e justa. Precisamos desse país que a senhora aponta. Fora os bandidos de toga!!!
SALVE ELIANA CALMON, MULHER BAIANA, NOSSA MARIA MAIS QUE BONITA, MARIA SUPERLATIVA QUE ME ENCHE DE ORGULHO!!!

Eliana Calmon mais que bela, 
Ministra decente e séria
precisamos de sua firmeza
de suas ações a favor da justiça.
O judiciário precisa de ti
e de gente assim.
pra fazer uma revolução ética
uma verdadeira faxina 
no cinismo e na corrupção. 

Eliana, Eliana,
Que bom este presente para o nosso país!
que bom vossa Excelência presente
com a vossa decência
com a vossa aparência
com sua força de encanto.
Obrigado por este Natal, 
pelo seu sacrifício em nome do que é correto.

Obrigado Ministra Corregedora!
Nâo desista, insista e vença!!!

Joselto da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Renasce Salvador! É Natal!!!

Esse meu Natal está pedindo silêncio e serenidade;
Está um Natal querendo vagar
Esse Natal está precisando de um renova cidade.
Natal, Natal de verdade,
Dê para nós de presente um novo momento,
um silêncio cheio de luzes
para a gente contemplar sua noite.
Para a gente fazer outros movimentos
Para renovar a esperança decadente
pra seguir a estrela cadente
para a fonte onde tudo renasce
onde tudo encontra sentido
É Natal!!! É Natal!!!
De vida suprema que supera
toda e qualquer morte que se avizinha
de nós, de nossa cidade: Salvador.
Vamos fazer Salvador renascer!!!
É Natal, não é?

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Patópolis

Há um lugar azul, verde e amarelo
cheio de patos, gatos e bafos.
Mandas-chuva e paus mandados,
Irmãos Metralha e metralhados (as)
Bafos de Onça e AMBEV
nesse país de patos:
cidadãos de Patópolis,
vivem melhor quando bebem

Milhões de patos,
Com direito a voto
e a voz: quá! quá! quá!
e au! au ! au!
Filhos de uma mãe desnaturada,
nada, nada e nada gentil.
Na falta de uma praia
morrem mesmo na beira do lago

Paranoá.

Depenados patos de Eva e...
Cabral.
Eva: Ave César!
Ave Maria! Salve-nos Rainha!
deste vale de lágrimas.
Cabral: cabras, berros
votos, cabrestos.

Caim! Caim! Caim!
Clamam os patos suas dores nacionais.
Caim! Caim! Caim!
com as penas entre os rabos
quá! quá! quá!

O Tio mete as Patinhas
e nada, nada, nada
nos bilhões arregaçados em impostos
dos patinhos feios e rejeitados pelo Estado

Não tenho pena dos Abéis
que são mortos, metralhados
que são votos, feitos patos
e repetem a cada ato,
sua história, seu retrato.
Caim! caim! caim!
Quá! quá! quá!
Povo cão, povo pato.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A MÃO DO MACACO

Há muito tempo eu li uma revista do Batman. Sempre gostei dos heróis, principalmente quando começaram a revelar seus problemas existenciais. E, nesse sentido, Batman, a meu ver, foi um dos maiores deles. Nesta história, Batman, salvo engano – pois lá se vão mais de 20 anos em que li a revista – conversa com um militar japonês sobre algo ligado à trama. Mas o que marcou a minha memória foi o que o militar japonês disse para Batman sobre a sua fixação em combater o crime. Ele utilizou a metáfora da mão do macaco. Segundo o japonês, quando caçadores querem beber água num lugar árido, mas não sabem onde encontrá-la, fazem uma armadilha para prender um macaco. Fazem um furo num côco, e colocam amendoim lá dentro. A abertura feita no côco permite que o macaco enfie a mão aberta, mas não possa retirá-la com a mão fechada. O côco é preso em algum referencial fixo e forte o suficiente para evitar a fuga do animal. E está preparada a armadilha! que conta com a característica psicológica que o comportamento do macaco apresenta.

Bem, funciona assim: o macaco enfia a mão no côco para pegar o amendoim. Quando fecha a mão não consegue passá-la pela abertura estrategicamente feita. O animal poderia abrir a mão e fugir, diante da aproximação perigosa do caçador. Mas ele não abre. Está preso. O caçador então enche a boca do primata de sal, provocando-lhe rapidamente a sede e aguarda pacientemente que o animal dirija-se à sua fonte de água, seguindo-o e saciando também a sua sede. O símio é utilizado como instrumento de procura pela água. É transformado num parceiro de sede. Inteligente a ação humana, idiota a ação do macaco. Poderíamos pensar apressadamente diante do relato. - Era só abrir a mão e fugir! E nem isso o macaco é capaz de fazer. Fica preso pelo amendoim numa armadilha rudimentar. Quem foi que disse que o ser humano veio do macaco? Hum. Ledo engano. É como Marx e Engels afirmam:

Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos seus favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto, idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato isolado. (MARX e ENGELS, 1988b, v.1, t. 1, p. 142,143 apud LAZARINI, 2010, p. 442-443)
 
E é essa a diferença básica: o animal adapta-se à natureza, o ser humano, por sua vez, adapta a natureza às suas necessidades, transformando-a através do trabalho e produzindo instrumentos e signos que o tornam a espécie dominante na natureza.

Entretanto, fico pensando: será que nós, os humanos, também não somos como o macaco da mão fechada? Batman não conseguia abrir a mão e libertar-se da condição de justiceiro da noite. Quantas vezes não enfiamos a nossa mão em cumbucas e a fechamos lá dentro, ficando aprisionados, vendo o perigo se aproximar e sem ter capacidade psicológica de abri-la e libertar-nos da situação? Quantas vezes não funcionamos como marionetes, deixando que nos provoquem a sede e transformando-nos em instrumentos a serviço de interesses contrários aos nossos? A seca no Nordeste é assim: ela é criada e alimentada politicamente, provocando a sede no nordestino. Presos na armadilha da seca, os nordestinos produzem a fé e a esperança naquela prisão de sol a sol. É com essa fé e essa esperança acrítica que os políticos contam para obterem seus votos todo período eleitoral. Seus inflamados e mentirosos discursos incendeiam a esperança estorricada do nordestino, semeando ilusões, gotejantes, sobre os lamentos sertanejos. 

O capitalismo também faz isso. Enche a nossa boca de sal – as propagandas nos dizem que o que temos não presta, que está ultrapassado, que devemos comprar o produto mais novo; provoca a sede – o desejo insaciável de comprar, de adquirir o novo, de retirar da vitrine o “encanto” que nos tornará mais alguma coisa que eu não sei bem o que é; criam o deserto em nossas vidas privadas e nos enviam para os oásis comerciais. Então o mercado sacia a sua sede de lucro, efetivada na compra da mercadoria fetichizada. E nós, macacos amestrados, vamos em busca da fonte que sacia nossa sede nas casas comerciais, nas lojas de departamentos, nos shopping’s (novos castelos medievais, como diria o professor Ubiratan de Castro em uma de suas palestras).

Vamos, sem perceber, nos aprisionando em cartões de crédito, em carnês e suas parcelas infinitas que vão nos encarcerando todos os meses, todos os vencimentos que se acumulam em estruturas prisionais quase inescapáveis. Vamos construindo nossas próprias celas à medida que precisamos cada vez mais de coisas que vão se impondo como mais necessárias. Claro, precisamos estar atentos às novidades, dominar as novas tecnologias, avançar, sempre que possível, no passo do mundo para não perder o bonde da história, ou ficar apenas como passageiro passivo diante dos fenômenos sociais, políticos, econômicos e culturais. Mas para isso não é preciso ficar encarcerado. O que precede a tecnologia é a capacidade de pensar, de identificar tendências, de entender as lógicas que presidem as relações humanas na contemporaneidade, de posicionar-se criticamente diante das arapucas que o mercado coloca em nosso caminho, de sentir profundamente as pessoas a fim de examinar o tipo e a qualidade das relações que com elas estabelecemos. Não pensamos o nosso consumo. Estiramos nossa mão subserviente e oferecemos nosso consentimento para que o (a) atendente passe o cartão que nos identifica na grande rede de varejo, colocando as algemas e introduzindo-nos no presídio mais eficiente de todos: o consumo e o consequente endividamento por impulso e pelo pulso.       

De um outro ponto de vista, outros humanos morrem prematuramente em função da cumbuca onde sua mão está aprisionada. Uns colocam a mão em mulheres e homens proibidos (as). Fecham, agarram e ficam presos, vendo a morte aproximar-se inexoravelmente. Alguns põem a mão em dinheiro alheio e não conseguem mais abri-la, até que "a indesejável de todas as gentes" aproxima-se e os abraçam definitivamente. Outros colocam as mãos em volantes e ficam presos à velocidade irresponsável, que os conduzirão à morte violenta e rápida, sendo apenas uma questão de tempo o desfecho trágico. Outros seguram numa garrafa, num cigarro, num charuto, num bagulho, e vão seguros com suas mãos primatas, sem saber bem porque não conseguem abri-las e libertar-se da situação de sal e sede. Paulo Freire nos fala da união entre a mão e o cérebro como fundamental para o salto ontológico do ser humano diante das demais espécies. Compreendo e concordo. Contudo, não deixo de notar em muitas mãos, algumas associadas a cérebros arrogantes, os pelos do macaco. O macaco sabe aonde encontrar a água, mas nós, nós precisamos do macaco como nosso guia para a fonte natural da vida. E você: consegue abrir sua mão cabeluda, libertar-se e fugir do perigo iminente? Estamos no planeta Terra ou no planeta dos macacos falantes? 

Entramos em convidativas prisões construídas pelos nossos desejos imediatos. Precisamos sempre de tudo, estamos sempre com sede. E ocorre um paradoxo: as compras não saciam nossa sede, elas provocam ainda mais sede. A realização dos desejos imediatos também não nos saciam, ao contrário, provocam-nos mais desejos que se projetam ao infinito, projetando também futuros aprisionamentos naquilo que ainda não temos, naquilo que ainda nem existe, mas desejaremos ter, porque necessitaremos ter. Presos nesse ciclo, vamos trabalhando mais, ficando mais doentes, pagando mais impostos, reduzindo nosso tempo de atenção a quem amamos, fazendo horas extras, horas a mais que vão nos deixando, de fato, a menos, na fila daqueles (as) que sucumbem  para alimentar seus insaciáveis desejos que os conduzirão aos cárceres do mercado. Boas compras!!!

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Com o auxílio de Bob Kane, Paulo Freire, LAZARINI http://lepelufal.files.wordpress.com/2011/02/ademir-quintilio-lazarini.pdf, acesso em 16/12/2011
MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. In: Marx; Engels: Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa Ômega, 1988 b. (v.2).