quarta-feira, 20 de junho de 2012

COPA DO MUNDO OU DO MUNDINHO?

Dizem por aí que a copa é do mundo, mas tenho minhas dúvidas. A copa, a grana, os recursos naturais, os bens produzidos coletivamente, são de uma pequena parte do mundo, uma ínfima parte. Milhões de pessoas no mundo veem, é verdade, mas pouquíssimas usufruem do espetáculo e do circo montado a cada quatro anos em diferentes países. A copa não é do mundo, é da FIFA. E a FIFA cobra um preço muito alto pelo evento que ela vende, e, por isso mesmo, a copa, que seria do mundo, é do mundinho, um mundinho mesquinho, pra poucos, distante do povo. É como o Carnaval de Salvador, Bahia, que a cada ano vai ficando mais estreito, mais sufocado, empurrando o povo para os cantos, os becos, as margens.

Para entrar nesse mundo da copa tem de pagar ingresso caro, bem acima do padrão da população mundial. Ao entrar na arena esportiva, tem de beber água, no mínimo. Mas o padrão FIFA de água é muito caro, muito mais que a gasolina importada. Para estacionar também será muito caro, pois a vaga da FIFA terá seu padrão de extorsão internacional. E, como é de costume, haverá um padrão de discriminação capital que irá empurrando a maioria das pessoas para os cantos, para os becos, para as margens do Dique do Tororó, literalmente. O “público pagante” será outra "seleção brasileira" pelo valor do ingresso, da água, do estacionamento e de outros produtos e serviços que virão com o “selo FIFA” de “Qualidade”. E, em nosso Território, o espaço FIFA será recortado, delimitado, vigiado, proibido, cercado e sacralizado pelo critério de mercado.

A imprefeitura de Salvador está veiculando, em horário nobre de TV, padrão Globo de valor, uma propaganda a respeito da Copa "do Mundinho", tentando capitalizar eleitoralmente tal evento. Mostra supostos sujeitos do povo comemorando "felizes" um evento mundial como a copa e a construção de uma arena de padrão internacional, conforme impõe a FIFA. Mas tanto a imprefeitura, quanto o Desgoverno do estado, quanto o Governo Federal entregaram nossa soberania territorial para que o capital privado cerceie a entrada, vigie, controle e puna os barrados da copa, utilizando nossas polícias em parceria com seus soldados privados para garantir que a copa seja mesmo de um pequeno pedaço de mundo, um mundinho. E tanto é um mundinho particular, feito apenas para os poucos privilegiados que poderão nele adentrar, que as demais obras que beneficiariam a população da cidade de Salvador, nem saíram do papel.

O metrô, que ligaria o aeroporto às ruínas abandonadas não ficará pronto; o engarrafamento aparece na cena exibindo nosso péssimo modelo de desenvolvimento insustentável; as praças estão abandonadas, os jardins sucubiram ao desleixo; a violência, apesar de toda a maquiagem propagandista, é crescente e o medo já nos violenta antes mesmo dele nos sangrar; as praias estão abandonadas, mal cheirosas, ornadas com o lixo que nossa falta de educação exibe; as rodovias baianas foram privatizadas; os portos são insuficientes para o volume de cargas que necessita; as obras de ampliação do aeroporto foram paralisadas, embora não vá suportar o volume das pessoas que poderão passar por aqui; a Ferrovia Leste-Oeste, nem saiu do Leste ainda, e não se sabe quando será ligada ao Oeste, ou se seus pontos cardeais jamais se encontrarão.

Portanto, a maioria da população baiana, apesar de toda propaganda e de todo discurso legitimando o evento da copa do mundo, não será beneficiada, porque a copa não será do mundo, nem do Brasil, nem da Bahia, nem de Salvador. Tanto faz a copa do mundinho ser aqui quanto acolá. A distância operada pela discriminação social e pelo privilégio econômico será ainda maior do que se fosse no Afeganistão ou na Cochinchina. O poder político estará sendo exercido de forma eficiente e eficaz para garantir essa distância. A copa será de um mundinho restrito, cercado, vigiado, controlado. Nós, através do nosso governo servil e deslumbrado com o mundo internacional do poder, emprestamos nosso território para que a FIFA o utilizasse para ganhar muito dinheiro, transformando-o num mundinho elitista, onde poucos privilegiados terão acesso, afastando as populações locais com ingressos exorbitantes, preços acima da média e produtos que valem mais por uma marca de corporação internacional, do que pelo seu valor de uso. Tudo isso controlado por pelotões de meganhas, armas de choque elétrico e milícias armadas que vão garantir o lugar do privilégio e o lugar da margem. Pra frente Brasil: salve a "seleção"!!!!

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes, do Mundo, e de Jesus, O Emanuel

quinta-feira, 14 de junho de 2012

DAS COISAS FÁCEIS E DAS COISAS DIFÍCEIS NO BRASIL NA BAHIA E EM SALVADOR


No Brasil há muitas coisas fáceis para seus filhos, de uma mãe tão gentil: 

·         Pagar impostos está cada dia mais fácil. Você só precisa respirar;
·         Eleger políticos corruptos fica mais fácil a cada eleição;
·         Ser multado no trânsito de Salvador está fácil fácil;
·         Ser assaltado e sequestrado está muito, mas muito fácil mesmo. (agradeço aos ladrões e sequestradores por nos assaltarem e sequestrarem menos do que podem.)
·         Funcionários Públicos do estado terem os salários cortados quando reivindica direitos e acordos trabalhistas com o Governo do estado é fácil demais;
·          Sentir o odor de urina e lixo acumulado na Rodoviária de Salvador é bastante fácil;
·         Perceber o avanço da obra mais privada do estado da Bahia: A Fonte Nova;
·         Ver o ladrão de galinha ser humilhado pelos repórteres cínicos dos programas baianos de tv que passam ao meio dia;
       Ver propaganda  do Governo do estado no horário nobre da TV Bahia;
        Pegar filas enormes nos hospitais e postos de saúde;
·         Entre outras coisas fáceis.


Das coisas difíceis no Brasil e na Bahia:

·         Ter acesso à educação pública de qualidade;
        Ver as obras que passam na propaganda do governo do estado no horário         nobre da TV Bahia;
        Ter acesso ao sistema de saude: público ou privado
·         Ter garantido os direitos trabalhista assumidos pelo Governo do Estado;
·         Eleger políticos honrados e honestos;
·         Andar tranquilamente pela cidade, estacionar o carro despreocupado;
·         Ter agentes de trânsito facilitando a circulação nas vias e punindo os motoristas que querem fazer da cidade a garagem de sua casa;
·         Sentir cheiro de cidade limpa e bem cuidada;
·         Conseguir aprovar alguma lei que beneficie o cidadão;
·         Comemorar o julgamento e a prisão de políticos, juízes, empresários e funcionários públicos corruptos;
        Pegar um ônibus limpo, sem estar lotado em Salvador;
·         Perceber o andamento das obras que beneficiem a população;
·         Entre outras coisas que estão a cada dia mais difíceis.

Joselito da Nair, do Zé, de Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A GREVE DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DA BAHIA E MOVIMENTO NEGRO DE SALVADOR


Passaram-se 56 dias de greve dos professores da rede pública estadual da Bahia e um silêncio funesto toma conta da situação, revelando um abandono criminoso da educação básica do Estado da Bahia, tanto por parte da sociedade política quanto da sociedade civil. Este abandono é um forte sinal de que a educação em nosso estado não interessa a ninguém. Não é percebida como valor social e cultural, como direito fundamental do ser humano ao acesso aos saberes, conhecimentos, técnicas e tecnologias necessárias ao desenvolvimento sustentável que se espera de um estado importante como o estado da Bahia. Milhões de crianças pobres, cujo único acesso ao saber sistematizado se dá através da escola pública, estão impedidas de estudar pela negligência geral que caracteriza o dilema posto nesta greve. E quando penso que uma quantidade significativa dessas crianças são negras; e quando sei que a totalidade dessas crianças são pobres, começo a questionar alguns movimentos importantes da sociedade civil que estão em silêncio diante desse quadro de negação do acesso ao direito dessas crianças ao saber sistematizado que compõe a função social da escola.

As ações afirmativas que compõem a política de ação do movimento negro estão sendo negadas por um Governo negligente, “descansado”, como diria Malu Fontes, cuja preocupação primordial não é com o futuro das crianças pobres e negras de Salvador e da Bahia, mas com uma Copa do Mundo mal traçada numa cidade cuja única obra em estado avançado de desenvolvimento é o estádio privatizado da Fonte Nova, Novíssima. Não há, nem no horizonte dos nossos olhos incrédulos, outra obra que beneficie, de fato, a população baiana e soteropolitana. A Ferrovia Oeste Leste tem apenas 5% das obras em nosso estado concluídas. Tomara que não siga a mesma direção sem sentido do metrô de Salvador e não ligue nem Oeste com Leste, nem Isto com Aquilo, nem nada com coisa alguma. Nada para escolas, nem para professores; nada para hospitais, médicos e enfermeiros e auxiliares de enfermagem; nada para segurança, para policiais e agentes de segurança; nada a mais para o que a população realmente precisa. A maioria das pessoas que precisam de hospitais, de postos de saúde e de médicos e enfermeiros satisfeitos são pobres e negras; a maioria das pessoas que precisam de transporte coletivo de qualidade são pessoas pobres e negras; A maioria esmagadora das pessoas que precisam de escolas públicas de qualidade são pobres e negras. Mas a minoria de nosso país finge que não vê e ainda faz propaganda de uma cidade e de um estado que não existe para a maioria dessas pessoas pobres e negras que sofrem em filas de postos de saúde, que patinam nas calçadas esburacadas da cidade de Salvador, que são espremidas em ônibus lotados, mal higienizados, atrasados. Maioria perdida no engarrafamento de políticos cínicos, fingidos, corruptos.

É por essas que eu não entendo o movimento negro. Sua luta é restrita a um aspecto do momento histórico? Tem periodicidade como a eleição? Para diante de negligências da sociedade política que atingem em cheio a população negra como esta greve aparentemente insolúvel? Quando Rui Oliveira está à frente da greve, qual identidade domina o seu discurso e a sua ação: a de homem negro ou a de puro sindicalista? E qual a identidade do governador? Carioca, baiano, petista, ditador? Eu prefiro o ditador ao petista, porque o ditador permite que a sociedade civil reaja convicta contra seu despotismo. O petista ainda não é devidamente reconhecido como inimigo, como o foi o outrora PFL. Tem um discurso da responsabilidade administrativa que esconde o ansiado controle supremo do poder que começou a ser engendrado por Lula. Poder, apenas poder a serviço do PT, de uma parte do PT, mesmo que para isso esmague os descontentes com seu autoritarismo revanchista. Voltando ao movimento negro, este pode ter um papel importante nesse momento, levantando-se contra uma situação que despreza tudo o que beneficia a população, sem um projeto que torne a vida das pessoas mais pobres e negras menos sofrida no acesso ao transporte, à saúde pública, à educação pública, ao lazer, ao esporte, à segurança, resguardando sua dignidade e seu trajeto neste mundo perverso, insensível e cínico.    

Joselito M. de Jesus

sábado, 2 de junho de 2012

Amor: a plenitude do meu tempo


Eu sabia que tinha um tempo precioso dentro do meu tempo;
assim como meu tempo era um tempo dentro da história humana;
assim como a história humana tinha um tempo na história da terra;
assim como a terra tinha um tempo na história do universo.
Muito embora soubesse que todo o tempo histórico
era um tempo do ser humano, de um certo ser humano,
um ser histórico.

Meu tempo precioso tinha uma história de amor.
Por isso ele era precioso.
E por isso era o tempo de todos os tempos
E por isso é eterno
enquanto durou.

Cada segundo, cada minúsculo milésimo
em que o sentimento pleno manifestava
sua grandiosidade
um tempo inteiro me tornava infinito.
E o olhar,
e o abraço
e a humilde descrição desse momento
marcou a plenitude do meu tempo.

Esse tempo ficou comigo
o tempo todo.
Mesmo nos tempos mais difíceis,
Mesmo na hora da morte
ele continuou contando
a minha história de amor.

O amor que procura se perdoar
e por isso perdoa o outro.
O amor que entende nossa fraqueza e ignorância
e por isso tem compaixão.
O amor sem tamanho
que não precisa ser grande
porque é amor;
que não precisa de provas
porque é a prova;
que não precisa de registros
porque é o maior ato da história.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O Destino de nossa cidade


O destino da cidade está em cada cidadão
Está em cada pé, em cada palmo de chão
trilhado na mesma direção do futuro,
na mesma intenção do sucesso.

O destino de nossa cidade está em nosso destino
Não adianta se mudar, só vale a pena mudar.
Mudar, fazer diferente.
Cobrar, exigir, reclamar,
Protestar nas costas e na frente,
de um lado e de outro
sendo povo, sendo gente
construindo a indignação
sob as ruínas da cidade
ainda em construção.

Nossa cidade precisa de um destino diferente,
Nossa cidade precisa de governo decente.
Nossa cidade precisa de decência, de polidez,
Precisa de elegância e de altivez.

Nossa cidade não precisa de copa do mundo
O mundo da copa é caro e cobra o seu preço.
O mundo da copa não topa a cozinha
Tu que fifas e rifas a cidade.
Vá com sua ganância e com sua maldade
para a Fifa que o pariu!

Joselito Manoel de Jesus

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Aonde está o Governo da Bahia?

Aonde estás Governo? Aonde estás que não respondes
aonde é que tu te escondes?
Aonde estás governador? Aonde governas e para quem administras?

Professores da Educação Básica e do Ensino Superior?
Policiais militares, enfermeiros, médicos
enfim, o público servidor?
Nããããoooooooooooooooooo!!!
Esses estão a ferro e arrocho salarial.

É para o povo que governas?
Que anda em ônibus demorados e lotados,
aprisionados em trânsitos?
Povo que morre paciente nas filas dos postos de saúde
e hospitais?
sem jardins e sem praças?
sem passarelas e sem metrô?
sem espaços de lazer?
sem segurança, sem educação
e ainda sem governador?

Povo que amarga a seca
tão prevista de todo ano? 
 Seca tão querida pelos eternos candidatos?
Que todo período aparece
pra enfraquecer o sertanejo?
Povo que amarga as greves
amarga as chuvas e alagamentos?
Povo que tem lamentos, 
queixas e dor?

Aonde estás Governandor
Ah. Já sei!
Já sei aonde o teu governo anda
O teu governo está em sua bem
elaborada propaganda!
 Joselito Manoel

domingo, 13 de maio de 2012

Sobre Sentir e Sentir


"Dizem que a pior coisa do mundo é amar sem ser amado
mas eu discordo a pior coisa do mundo
é não ser capaz de amar, de sentir, de perdoar, se refazer
e descobrir é não ter a capacidade de enxergar o lado bom das coisas
 mesmo quando tudo que te mostram é ruim.
Sentir é a maior das graças,
só o sentimento é capaz de nos mudar
e apenas nós somos capazes de mudar o mundo."
                                                                              Geise Cruz http://www.geisepekena.blogspot.com.br/

Sentir. Sentir é vivenciar o momento da forma mais fecunda possível,
tocar o céu, penetrar o vão de Deus,
e voar sem asas pelo infinito que a gente libera sem aviso.
Sentimento não se planeja, nem se arquiteta,
apenas se vive plenamente a favor de tudo o que acontece.
 
É por sentir que passamos a viver e passamos a pensar.
 Somente quando somos tocados pelo sentimento
é que percebemos que não podemos julgar,
não podemos apontar para a fraqueza dos outros.
É por sentir e por pressentir que adiantamos todas as horas
e removemos todas as pedras do caminho
para chegar ao sentido da nossa existência
e reconstruí-lo sem temor.

Geisiane Cruz e Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quarta-feira, 18 de abril de 2012

ONDE VIVEM OS NOSSOS MONSTROS


A 2ª Guerra Mundial teve como consequência o extermínio de mais de três milhões de judeus. Hitler e a sociedade alemã da época acreditavam piamente que os judeus, negros, portadores de deficiências e homossexuais eram inferiores, uma "peste" a ser extinta da humanidade até restar somente a “raça pura”. Quando assistimos aos filmes que tratam dos horrores cometidos pelos ditos cidadãos civilizados da Alemanha, sentimos ojeriza diante de tanta crueldade e insensatez para com a vida do outro, do que foi escolhido como diferente e construído como inferior e indesejável. “O Menino do Pijama Listrado”, “A Lista de Schindler”, entre tantos filmes já feitos sobre esse drama humano, retratam essa realidade dantesca e assustadora, diante dos monstros que residem em nosso âmago.

Eu até já assisti um filme sobre isso. Era um filme de ficção. Mais ou menos assim: Uma nave pousa num planeta superdesenvolvido, que havia sido povoado por seres muito mais inteligentes que nós, os humanos. Nesse planeta, um cientista e sua filha (humanos cuja nave quebrou) são assistidos pelo pessoal que vai resgatá-los. O pai da moça demonstra ter uma inteligência incomum, bem acima da média da inteligência mais avançada da terra. Os tripulantes da nave de resgate notam que as construções desse planeta são muito mais avançadas. Nesse planeta há prédios de 700 andares, por exemplo. No decorrer da estadia a moça apaixona-se pelo capitão da nave de resgate e um romance se instaura entre eles, mas começa a surgir um monstro de energia, mais ou menos invisível, que começa a matar os tripulantes. Nenhuma arma, por mais avançada que seja, consegue deter o monstro, que some de repente, para reaparecer em outra oportunidade noturna.

Aos poucos, os tripulantes vão sendo mortos pelo monstro, que vai avançando inexoravelmente em direção ao capitão e à moça. Restam poucos, quando um dos tripulantes descobre uma máquina que aumenta repentina e sobremaneira a capacidade intelectual do ser humano. Esse tripulante “não aguenta a pressão” desenvolvida no processo e morre, não sem antes avisar ao capitão e aos demais colegas sobre a consequência desastrosa daquele aumento surpreendente que a máquina provocava no desenvolvimento das capacidades intelectuais superiores do ser humano: o monstro do inconsciente. Então eles concluem que foram os monstros gerados pelo inconsciente dos habitantes daquele planeta que pôs fim à sua civilização, já que o que os intrigava era a falta de indícios outros que provocaram o desaparecimento repentino de uma civilização tão inteligente. Sendo tão inteligentes, porque não se prepararam para a possível ameaça de aniquilação total?

Logo, eles chegam à conclusão de que o monstro que os está eliminando é um desses monstros gerados pelo inconsciente de algum deles. E depressa descobrem que é o cientista, pai da moça o autor inconsciente do monstro. No fundo de sua alma ele não aceitava a relação amorosa da filha com o capitão da nave, embora no plano consciente não fizesse objeções. E essa não aceitação inconsciente vinha à tona em forma de monstro. Eles, juntos com o cientista, entraram num cubículo de proteção, como um bunker. Embora a porta de aço fosse muito reforçada, o monstro do doutor foi rompendo-a e penetrou na pequena fortaleza. O cientista, para não ver a filha morta, atira-se na frente do monstro e morre com ele, pondo um fim à ameaça.

Talvez o holocausto seja ainda mais dantesco e assustador porque, embora historicamente se refira ao nazismo e à sua ideologia, aponta para os monstros que engendramos em nós mesmos, e que vivem dentro de nós, como potência e como ato. Em outro texto falei de lobisomens, e frankestein’s e esses temas me perseguem, exigindo pronúncia, embora nunca fiquem satisfeitos com o jeito como eu me pronuncio e com o conteúdo que eu aprecio no plano consciente. Esses monstros criam guerras permanentes entre nós. No campo educacional, por exemplo, os professores da educação fundamental lutam contra os professores do ensino médio; os professores da educação básica guerream contra os professores da educação universitária; os professores das escolas públicas contra os professores das escolas particulares; os professores de uma mesma unidade de ensino lutam entre si, e os professores e professoras contra os funcionários, uns acusando os outros pelos monstros que uns percebem nos outros, mas nunca em si mesmos.

Talvez se olhássemos no espelho, além da imagem que vemos todos os dias, veríamos também, no fundo das imagens que nos compõem, passando sorrateiramente e zombeteiramente entre elas, o monstro, a deformação de nosso ser, perambulando e manipulando as máscaras que usamos para aceitar o mundo, as pessoas, as escolhas, as maneiras de ser e de viver dos outros. Temos todos os nossos monstros e muitas vezes deixamos eles escaparem sem ao menos tentar um diálogo com os mesmos. E, quando eles escapam, geralmente alguém é ferido ou morre. Crianças, homossexuais, nordestinos, curdos, judeus, mulheres, nortistas, negros, árabes, israelenses, islâmicos, feios, pobres, baixinhos, gordos, carecas, cabeludos, sertanejos, cristãos, favelados, mexicanos, latinos, indígenas, sem-terra, encarcerados, entre tantas outras vítimas dos nossos monstros. A única forma de nos proteger desses seres homicidas, dessas nossas feras que vêm à nossa superfície exigir sua cobrança diante do nosso processo civilizatório, é dialogar com esses monstros, porque não se pode destruí-los. É apaziguá-los, criar o espaço propício para que eles manifestem a sua ira, e possam uivar, mugir, berrar, relinchar, sibilar, rugir, roncar e, entre outros, bramir, sem ferir os indefesos. Vigie e ore. Tantos pelos seus monstros, quando pelos monstros dos outros. Quando a "bela" conversa com a "fera", pode ser que haja um grande encontro de sensibilidade entre eles e, quem sabe, podemos descobrir “onde vivem os monstros”, conforme propõe Maurice Sendak, para poder compreender de onde vem a nossa raiva e, sem a pretensão de eliminá-la, apaziguá-la, e poder conviver sem provocar sofrimentos e mortes por causa de nossa arrogância ególatra. Ainda bem que não somos muito inteligentes.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes, dos seus monstros e de Jesus, O Emanuel