segunda-feira, 5 de abril de 2010

Oitenta Anos

Oitenta longos ou curtos anos? Jamais imaginou que ficaria tão velho, ou que morreria tão novo. Não havia amigo algum na comemoração, só alguns membros da família e a sua esposa, Ana. O filho Rafael também estava. Era parte dele mesmo, dois que era um. Ele já era velho desde menino. Nunca gostou de futuro. Era apegado ao passado. Era nesse tempo que ele vivera ou viveria feliz. O tempo de Pinxiguinha, de Noel Rosa, de Moreira da Silva, de Mario Lago. Era como se pertencesse àquele tempo. Tinha um sentimento que lhe dizia isto. Agora sim, estava velho de fato. Sempre tivera poucos amigos. Era desconfiado e temia a maldade humana mais que o ataque de uma fera ou o poder destruidor da natureza. As vezes, para conversar com a saudade, pois não desejava matá-la, caminhava pelas ruas procurando os detalhes de sua vida que ofereciam pistas para a memória. Ele não sabia bem mas tinha muita saudade dentro dele. Uma vontade de rever algo em seu passado, que o deixaria em paz. Ele sentia-se como um louco, que anda pelas ruas procurando a si mesmo.  Mesmo arriscando-se no caminho sem volta da loucura, algo dentro de si o dizia que ele devia procurar o seu segredo, que o faria descansar de tanto movimento inútil em que estava enredado.
As  vezes seu coração espremia, as vezes sorria calmo as lembranças mais ingênuas. A paisagem já não era mais a mesma. Embora a rua fosse a mesma, as casas cederam lugar aos prédios gigantescos, se comparados a elas, que esconderam o sol e impediram o vento de passar até a nossa face, comprometendo aquela memória de brisa cortando o sol. O capital atropela tudo a sua volta. Passeios, canteiros, botecos, mercados, varandas, janelas, moças bonitas e senhoras debruçadas em seu parapeito desapareceram para sempre. Desapareceriam de qualquer maneira, mas tudo seria feito num tempo que desse oportunidade para despedidas. Tudo agora era a memória que construía, confrontando-se com os olhos. Alguns lugares haviam ficados até mais bonitos, embora tristonhos, por causa do que não mais existia. Outros lugares ficaram mais feios. As pessoas que moram em tais lugares também são afetadas pelo seu estado, ficam mais assustadoras e assustadas. Nesses lugares o velho ficava mais triste, pois naquelas ruas moraram pessoas queridas, que ficaram mais queridas ainda quando desapareceram. O velho sabia que todo lugar se movimenta, toda paisagem é viva. Nasce, cresce, transforma-se e morre. Só fica na memória de quem viveu naquele lugar em determinado momento. Os endereços deviam sempre estar mudando, pelo menos a cada geração, haja visto sua dinâmica viva. O velho achava isso. E achava ainda mais. Achava que uma pessoa também devia mudar de nome ao longo de sua existência. Toda pessoa muda ao longo de sua existência. Muda suas concepções, sua forma de perceber o mundo, até  sua aparência. Mudar o nome, pelo menos o primeiro, seria então, coerente com esse processo todo.
CONTINUA
Autoria: Joselito da Nair, do Zé, de Ana Lúcia, de Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

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