quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A CORRUPÇÃO COMO UMA POLÍTICA PÚBLICA

A corrupção no Brasil é uma política pública de estado e de governo, assentada por uma cultura patrimonialista com selo nacional, onde as elites retrógradas e ultraconservadoras, aliada aos modernos gestores, articulam-se aos interesses do capital internacional e se apropriam das riquezas produzidas coletivamente, usurpadas por uma pesadíssima carga de impostos que retira dos verdadeiros trabalhadores desse país o direito de usufruir dos frutos do seu trabalho. De fato, o estado não devolve para a sociedade os recursos que dela retira em serviços básicos de qualidade que a população precisa, pois tais serviços, em forma de políticas públicas sociais, são marcados pela ineficiência decorrente da corrupção que permeia seus processos de implementação. A merenda escolar, o amistoso da seleção brasileira, a compra de automóveis para uma secretaria, a farda dos militares, o transporte escolar, a recuperação de uma estrada ou a construção de uma ponte, entre tantos outros exemplos, são indicadores inegáveis dessa tragédia à moda Brasil que se abate sobre seus habitantes: o patrimonialismo selvagem (como afirmou um político da oposição atual, que também não merece confiança) que domina este o governo e este estado lamentável de coisas.

O patrimonialismo é, segundo Sandroni (1987), um “sistema de dominação política ou de autoridade tradicional em que a riqueza, os bens sociais, cargos e direitos, são distribuídos como patrimônios pessoais de um chefe ou de um governante” (p.317). De modo geral pode ser entendida como a não distinção entre a esfera pública e a particular, por parte dos governantes e administradores públicos, dos detentores do poder político administrativo. (http://jus.uol.com.br/revista/texto/18960/o-patrimonialismo-no-brasil-da-colonia-ao-fim-do-segundo-reinado), Acesso em 17 de agosto de 2011, às 17:07 h. 

A República pouco tem de res publica. Nenhum dos três poderes parece interessado em combater a corrupção que grassa nas ações do Estado. A Polícia Federal está atada pelo Judiciário que, por sua vez, está atada ao Legislativo que, por sua vez, ata o Executivo e, num ciclo vicioso, por este é atado. Nesses nós, nesses atos e atas, os filhos dessa “mãe gentil” permanecem atados nas consequências nefastas desse modelo não declarado de ação estatal. O Ministério é de fulano que é o dono do PM Não Sei de Quê; o outro Ministério é do PC não Sei Mais de Onde; A Secretaria Disso é da Fulana, apadrinhada do Dono do P da "Ré Pú". E os donos, evidentemente, não prestam contas nem satisfações a ninguém, a não ser a eles mesmos. "(...) Em caso de prisão, os empoderados não serão ofendidos em sua dignidade pelo uso de algemas, desde que a prática também seja condenada pelos queixosos de agora quando magotes de acusados pobres e pretos forem enfiados algemados nos camburões policiais das grandes metrópoles brasileiras para a TV vespertina e seus urubus filmarem, como acontece todos os dias." (FONTES, Malu, A TARDE, Revista da TV, Salvador,  2011, p. 09).

A lei em nosso país, quer dizer, no país só deles e delas, é um mero detalhe. O que impera é a arbitrariedade do chefe, do dono, do senhor. E esta cultura é contagiosa e impregna nossas ações de alto a baixo. 
(...) Tentou-se esclarecer que o corrupto subiu na vida, sim, pelo menos em matéria de dinheiro, mas subiu roubando dinheiro público. Toninho, que tem esse apelido de leso, mas de vez em quando surpreende pela agilidade de raciocínio, retrucou que, se o dinheiro era público, não tinha dono e, assim, nada mais justo que o primeiro que pudesse metesse a mão nesse dinheiro - e era assim desde que inventaram dinheiro, o resto é conversa. "Eu acho bonito quando vejo esses corruptos passeando aqui de lancha americana, cheios de mulheres, tomando o uísque deles e desfrutando a vida", disse ele. "Meus filhos, Deus ajudando, vão ser todos corruptos, vou querer pelo menos um, minha família vai melhorar. Quero ver meu filhão lá nos salões, um corrupto respeitado por todos, bem-sucedido, bonitão, cheio das mulheres, esse vidão de corrupto mesmo...  O sujeito que não tem esse grande ideal não é bom pai de família. (RIBEIRO, João Ubaldo. Isso não vai dar muito certo. Jornal A TARDE, Caderno 2, p.2, Salvador, domingo, 21/08/2011)
Ribeiro expressa sua indignação através da ironia feroz e bem humorada, pois assim ajuda-me também a expressar a minha indignação diante dessa descaração oficial que se  institucionaliza. E não se surpreenda se a corrupção for proposta como direito constitucional por algum desses deputados esdrúxulos que compõe a corja de assassinos, ladrões, torturadores, estelionatários e cafetões que usam gravatas e bravatas para enganar os tolos eleitores, tais como certo deputado. É preciso recorrer a outra categoria teórica para compreender esse furdunço: a microfísica do poder de Foucault. O senhor e o dono pode bem ser o motorista de ônibus, a diretora da escola, o policial ou o presidente. É a arbitrariedade que dita a norma e normatiza o absurdo. Ninguém se engane: um taxeiro tem muito poder. Algumas vezes perverso. É só ele constatar que você não é da cidade, que a conhece pouco que ele vai fazer o percurso mais longo possível contra você, sem importar-se com as circunstâncias que o (a) cercam naquele momento. Assim também é com professores (as), médicos, vendedores ambulantes, gerentes de bancos, vendedores de automóveis, garçons, enfim, todos aquelas pessoas que, do seu lugar, disparam sua perversão contra os outros e contra o mundo. 


Tem uma cantora, Wanessa Camargo, que, em uma de suas músicas, afirma que o mundo dela caiu assim que "lá ele" a deixou. Sinto quase a mesma coisa. Meu mundo caiu. Sou da década de 70 do século XX e sinto uma certa vertigem diante do mundo contemporâneo. A degradação moral que percebo e sinto corrói e estala as estruturas institucionais e tudo parece certo, quando está errado. A juventude quer ser "dona de sua vida" sem fazer esforço para adquirir sua autonomia financeira, intelectual e moral. O suor não constitui mais uma alegoria importante de produção da existência. Nesse mundo em ruínas, minha subjetividade procura escombros onde amparar-se das intempéries. Mas não tem abrigo seguro, pois é o mundo que está assim, e não apenas um canto dele. Até nas instituições religiosas a corrupção encontra estadia segura, indicando que a fuga é impossível. E eu rezo para que esteja desantenado. Rezo para que esteja redondamente equivocado. Rezo para que a indignação esteja sendo gestada nas entranhas dos grupos sociais que não aceitam a ruína sem um projeto de reconstrução sob outras bases, fundada na ética, na distribuição de renda, na destruição do luxo privado para o sossego da maioria.  


Eu tenho um sonho, assim como Mister King. O sonho onde os espaços públicos do meu país não sejam privados, nem por cancelas nas rodovias, nem por ocupações irregulares dos mais espertinhos. Eu tenho um sonho onde as pessoas sejam educadas para deixar o que não lhes pertence no lugar onde achou e que preservem tanto o meio ambiente, quanto os bens públicos, cuidando do que é de todos, não como se fosse seu, mas como se fosse de todos mesmo! Dos filhos da terra, mãe gentil, que une filhos e filhas ao redor de si para erigir uma nação baseada em valores que não podem ser negociados. Eu sonho com um país onde as lideranças trabalhem a favor da sua gente e simbolizem a virtude que a nação precisa para romper com um processo civilizatório que desdenha de sua população, que maltrata seus servidores e assassina aqueles e aquelas que não negociam a sua alma por trinta moedas de ouro, nem mesmo pela própria vida, como foi o caso da juíza Patrícia Acioli. Precisamos de uma revolução em nosso país! A maior contribuição do PT foi a de nos alertar que as mudanças profundas que desejamos não vem pela via partidária e eleitoral. Esse caminho está inviabilizado pelos vícios assegurados pela tradição patrimonialista. Há uma verdadeira política pública que atua a serviço privado e não realiza o fim a que se destina seu discurso oco. Outros caminhos possíveis devem ser abertos pela força indestrutível das mulheres e dos homens que rejeitam o cinismo daqueles que se locupletam com os bens que pertencem a todos e a todas. Quando teremos a nossa primavera?


Joselito da Nair, do Zé, de Ana Lúcia, de Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

2 comentários:

  1. Zé seus textos é simplismente maravilhosos vc esta mim incentivando a escrever muitoobrigada mestre

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  2. Obrigado pela sua bondade. São, na verdade, uns desabafos, pois se não fosse assim, morreria de infarto antes da hora.

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joselitojoze@gmail.com