sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A MÃO DO MACACO

Há muito tempo eu li uma revista do Batman. Sempre gostei dos heróis, principalmente quando começaram a revelar seus problemas existenciais. E, nesse sentido, Batman, a meu ver, foi um dos maiores deles. Nesta história, Batman, salvo engano – pois lá se vão mais de 20 anos em que li a revista – conversa com um militar japonês sobre algo ligado à trama. Mas o que marcou a minha memória foi o que o militar japonês disse para Batman sobre a sua fixação em combater o crime. Ele utilizou a metáfora da mão do macaco. Segundo o japonês, quando caçadores querem beber água num lugar árido, mas não sabem onde encontrá-la, fazem uma armadilha para prender um macaco. Fazem um furo num côco, e colocam amendoim lá dentro. A abertura feita no côco permite que o macaco enfie a mão aberta, mas não possa retirá-la com a mão fechada. O côco é preso em algum referencial fixo e forte o suficiente para evitar a fuga do animal. E está preparada a armadilha! que conta com a característica psicológica que o comportamento do macaco apresenta.

Bem, funciona assim: o macaco enfia a mão no côco para pegar o amendoim. Quando fecha a mão não consegue passá-la pela abertura estrategicamente feita. O animal poderia abrir a mão e fugir, diante da aproximação perigosa do caçador. Mas ele não abre. Está preso. O caçador então enche a boca do primata de sal, provocando-lhe rapidamente a sede e aguarda pacientemente que o animal dirija-se à sua fonte de água, seguindo-o e saciando também a sua sede. O símio é utilizado como instrumento de procura pela água. É transformado num parceiro de sede. Inteligente a ação humana, idiota a ação do macaco. Poderíamos pensar apressadamente diante do relato. - Era só abrir a mão e fugir! E nem isso o macaco é capaz de fazer. Fica preso pelo amendoim numa armadilha rudimentar. Quem foi que disse que o ser humano veio do macaco? Hum. Ledo engano. É como Marx e Engels afirmam:

Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos seus favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto, idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato isolado. (MARX e ENGELS, 1988b, v.1, t. 1, p. 142,143 apud LAZARINI, 2010, p. 442-443)
 
E é essa a diferença básica: o animal adapta-se à natureza, o ser humano, por sua vez, adapta a natureza às suas necessidades, transformando-a através do trabalho e produzindo instrumentos e signos que o tornam a espécie dominante na natureza.

Entretanto, fico pensando: será que nós, os humanos, também não somos como o macaco da mão fechada? Batman não conseguia abrir a mão e libertar-se da condição de justiceiro da noite. Quantas vezes não enfiamos a nossa mão em cumbucas e a fechamos lá dentro, ficando aprisionados, vendo o perigo se aproximar e sem ter capacidade psicológica de abri-la e libertar-nos da situação? Quantas vezes não funcionamos como marionetes, deixando que nos provoquem a sede e transformando-nos em instrumentos a serviço de interesses contrários aos nossos? A seca no Nordeste é assim: ela é criada e alimentada politicamente, provocando a sede no nordestino. Presos na armadilha da seca, os nordestinos produzem a fé e a esperança naquela prisão de sol a sol. É com essa fé e essa esperança acrítica que os políticos contam para obterem seus votos todo período eleitoral. Seus inflamados e mentirosos discursos incendeiam a esperança estorricada do nordestino, semeando ilusões, gotejantes, sobre os lamentos sertanejos. 

O capitalismo também faz isso. Enche a nossa boca de sal – as propagandas nos dizem que o que temos não presta, que está ultrapassado, que devemos comprar o produto mais novo; provoca a sede – o desejo insaciável de comprar, de adquirir o novo, de retirar da vitrine o “encanto” que nos tornará mais alguma coisa que eu não sei bem o que é; criam o deserto em nossas vidas privadas e nos enviam para os oásis comerciais. Então o mercado sacia a sua sede de lucro, efetivada na compra da mercadoria fetichizada. E nós, macacos amestrados, vamos em busca da fonte que sacia nossa sede nas casas comerciais, nas lojas de departamentos, nos shopping’s (novos castelos medievais, como diria o professor Ubiratan de Castro em uma de suas palestras).

Vamos, sem perceber, nos aprisionando em cartões de crédito, em carnês e suas parcelas infinitas que vão nos encarcerando todos os meses, todos os vencimentos que se acumulam em estruturas prisionais quase inescapáveis. Vamos construindo nossas próprias celas à medida que precisamos cada vez mais de coisas que vão se impondo como mais necessárias. Claro, precisamos estar atentos às novidades, dominar as novas tecnologias, avançar, sempre que possível, no passo do mundo para não perder o bonde da história, ou ficar apenas como passageiro passivo diante dos fenômenos sociais, políticos, econômicos e culturais. Mas para isso não é preciso ficar encarcerado. O que precede a tecnologia é a capacidade de pensar, de identificar tendências, de entender as lógicas que presidem as relações humanas na contemporaneidade, de posicionar-se criticamente diante das arapucas que o mercado coloca em nosso caminho, de sentir profundamente as pessoas a fim de examinar o tipo e a qualidade das relações que com elas estabelecemos. Não pensamos o nosso consumo. Estiramos nossa mão subserviente e oferecemos nosso consentimento para que o (a) atendente passe o cartão que nos identifica na grande rede de varejo, colocando as algemas e introduzindo-nos no presídio mais eficiente de todos: o consumo e o consequente endividamento por impulso e pelo pulso.       

De um outro ponto de vista, outros humanos morrem prematuramente em função da cumbuca onde sua mão está aprisionada. Uns colocam a mão em mulheres e homens proibidos (as). Fecham, agarram e ficam presos, vendo a morte aproximar-se inexoravelmente. Alguns põem a mão em dinheiro alheio e não conseguem mais abri-la, até que "a indesejável de todas as gentes" aproxima-se e os abraçam definitivamente. Outros colocam as mãos em volantes e ficam presos à velocidade irresponsável, que os conduzirão à morte violenta e rápida, sendo apenas uma questão de tempo o desfecho trágico. Outros seguram numa garrafa, num cigarro, num charuto, num bagulho, e vão seguros com suas mãos primatas, sem saber bem porque não conseguem abri-las e libertar-se da situação de sal e sede. Paulo Freire nos fala da união entre a mão e o cérebro como fundamental para o salto ontológico do ser humano diante das demais espécies. Compreendo e concordo. Contudo, não deixo de notar em muitas mãos, algumas associadas a cérebros arrogantes, os pelos do macaco. O macaco sabe aonde encontrar a água, mas nós, nós precisamos do macaco como nosso guia para a fonte natural da vida. E você: consegue abrir sua mão cabeluda, libertar-se e fugir do perigo iminente? Estamos no planeta Terra ou no planeta dos macacos falantes? 

Entramos em convidativas prisões construídas pelos nossos desejos imediatos. Precisamos sempre de tudo, estamos sempre com sede. E ocorre um paradoxo: as compras não saciam nossa sede, elas provocam ainda mais sede. A realização dos desejos imediatos também não nos saciam, ao contrário, provocam-nos mais desejos que se projetam ao infinito, projetando também futuros aprisionamentos naquilo que ainda não temos, naquilo que ainda nem existe, mas desejaremos ter, porque necessitaremos ter. Presos nesse ciclo, vamos trabalhando mais, ficando mais doentes, pagando mais impostos, reduzindo nosso tempo de atenção a quem amamos, fazendo horas extras, horas a mais que vão nos deixando, de fato, a menos, na fila daqueles (as) que sucumbem  para alimentar seus insaciáveis desejos que os conduzirão aos cárceres do mercado. Boas compras!!!

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Com o auxílio de Bob Kane, Paulo Freire, LAZARINI http://lepelufal.files.wordpress.com/2011/02/ademir-quintilio-lazarini.pdf, acesso em 16/12/2011
MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. In: Marx; Engels: Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa Ômega, 1988 b. (v.2).

2 comentários:

  1. Macacada reunida
    Galera pelejando e dançando
    Procurando uma saída

    É...cê não tá sabendo não?
    Agora é lei: "Cada macaco no seu galho"

    E os galhos são bem demarcados, fortes e fracos
    elevam ou derrubam quem os agarram!
    Quem tem galho apodrecido, dá com a cara no chão
    Nessa selva ensandecida, tem muito macaco
    pra pouco galho bom!

    ResponderExcluir
  2. Muito bem "menina bonita do laço de fita". Entre galhos e cipós há macacos perdidos no emaranhado tecido por essa mata, que mais ata que desata os nós que os enforcam, dia a dia, no tronco da agonia.

    ResponderExcluir

joselitojoze@gmail.com