sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

VIDA-MORTE-MORTE-VIDA

Ainda é tempo de viver 
e de inventar.
É preciso sabedoria para entender 
o tempo de morrer serenamente.

Ainda é tempo de criar
e de expandir revolucionariamente
o mundo mundo adentro
o mundo universo afora.

A morte sempre perpassa
todas as novidades e vive assim:
provocando o desencadeamento
permanente da vida.

E chega o tempo da vida
convocar a morte em sua presença
para renovar tristemente e alegremente
o seu ciclo.

Mas quando a gente não quer aceitar 
morre todos os dias
antes mesmo de viver a plenitude da manhã
antes de descansar em paz as nossas mortes.

Quando a gente vive e morre
Vive e morre muito mais.
Aproveita as mortes para viver
aproveita as vidas para morrer.
Serenamente.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A SALTOS

Assaltos, assaltos, assaltos!
O meu coração está a saltos!
Levaram meu pulso apulso,
tomaram meu pulso: a saltos.
Pressão e impostos: em alta.

A saltos: o meu coração.
Assaltos no plano e no alto,
“Eu te amo Dilma!” digo: Wagner!
Assaltos no Planalto,
Na Alvorada ou no crepúsculo
Não há mais escrúpulos,
Só pulos, cancelas e saltos.

Sustos, saltos altos
Era um homem de estatura mediana,
aparentando um ministro,
usava paletó, gravata e muito cinismo. 
Não. Não era negro e pobre. 
Pelo jeito deve morar em bairro nobre.
Entrou pelas “brechas” da lei
e fugiu
levando o patrimônio público
numa cueca, numa bolsinha
e numa meia.

O Boletim de Ocorrência
nem chegou ao Supremo,
que libertou de antemão o suspeito,
que nunca foi preso,
porque fazia parte de 
uma quadrilha partidária
que compunha a base do governo.

Na mesma hora a polícia de São Paulo
Baixava a madeira nuns favelados
que insistiam em ocupar uma propriedade privada,
sem brechas na lei.
Só nas cabeças de uns mais exaltados.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

EU "TENHO" MULHERES DE TODAS AS CORES

Martinho da Vila afirma que já teve mulheres de todas as cores, de várias idades e de muitos amores. Acredito. Martinho é uma pessoa cheia de prosas, de rimas e de sambas. Uma pessoa assim atrai e diverte, principalmente mulheres de todas as cores. Eu, em minha humilde atuação neste cenário, já tive algumas também, mas não de todas as cores. As louras parecem não gostar muito de pobre, o que é meu caso, e creio que assim o será para toda a vida, o que não muda em nada minha alegria de viver minha pobreza suprema e bela, sem as louras. Isso não significa que defendo a pobreza extrema. Observem que falei em “pobreza suprema” e não pobreza extrema. Essa pobreza última é triste, feia e dolorosa. Essa pobreza nos deixa um pouco non sense, e retira da nossa vida o próprio sentido que a vida tem. Essas vidas supremas e extremas se batem e se encontram em Recife, Pernambuco, no Poema de João Cabral de Melo Neto, “Morte e Vida Severina". Entretanto, em meu trajeto de pobreza, eu tive minha família. E meus pais contavam histórias. E nós vivemos nossas próprias histórias de modo único e singular, histórias que rememoramos da grande riqueza que havia em nossa pobreza e que os mais jovens nem imaginam em sua relativamente e comparativamente abastada vida de classe emergente.

Mas voltando às “mulheres de todas as cores”, confesso que também "as tenho", de todas as cores. Eu aprendi a ser homem com mulheres, a começar por minha mãe. Desde cedo percebi que as mulheres eram mais firmes e mais inteligentes que nós, os homens. Os homens com os quais convivi geralmente eram falastrões – acho que aprendi alguma coisa com eles nesse sentido – e cheios de si. Acreditavam-se heróis e poderosos, senhores do seu destino e dos destinos de suas mulheres, filhos e filhas, entre outros que estavam nos limites de sua “irresistível atração gravitacional”. Eu tenho um amigo em Jacobina, cheio de tiradas recheadas de humor. Adoro conversar com ele à Beira Rio. Ele diz que quando lava suas cuecas está lavando seus “porta-joias”, e que, em relação às mulheres com as quais namora trabalha com sua famosa “lista de espera”. Reflete, assim, essa nossa vocação masculina para a hipérbole. Algumas mulheres já estão apreendendo essa linguagem. Conheço uma pessoa que só “desce” “toda trabalhada na elegância” e não "trabalha" (estabelece relações amorosas) com determinada faixa etária de homens, velhos, por sinal. Mas independente das mulheres dominarem ou não este discurso, elas acertam seus alvos contando com os recursos e os contextos que compõem a realidade e o objeto-alvo de seus interesses.

Meu pai parecia um leão enjaulado, com a gente dentro da jaula. Mas minha mãe, agia como uma domadora silenciosa, perseverante, perspicaz e empoderada, cheia de fé e esperança no caminho que escolheu para trilhar, no lugar que escolheu para chegar. Hoje eu percebo isso com mais nitidez. Aquela fera de araque, que o contexto cultural produzia em muitos homens daquele tempo, não assustava a "bela". O milagre feminino da vida fazia o leão acalmar sua fúria e sua fome, e atravessava o tempo, todos os dias, para chegar ao lugar impossível que a fé, a coragem e a esperança inabalável conduz. Minha mãe está comigo para sempre, e, talvez, ainda depois, como diria o poeta. Se a “mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor”, uma mulher madura, senhora do seu caminho, tece a história do mundo a partir dos pequenos e vastos espaços em que ela se faz presente. Não uma mulher senhora no sentido de dominar e controlar todos os passos, como sonham os homens, mas no sentido de saber que todos os passos dados, não a demoverão de seu caminho escolhido, sejam tais passos bem ou mal sucedidos.

Acredito piamente que nós, os homens, seríamos muito mais homens se escutássemos mais e prestássemos mais atenção ao que as mulheres fazem e seus métodos de viver. A inteligência, a elegância, a força, a perseverança e a perspicácia das mulheres, além do refinamento de suas estratégias e de outras virtudes não percebidas por este pobre e limitadíssimo mortal, são elementos cruciais para qualquer currículo escolar. Para formar humanos renovados que podem e devem melhorar esse pedaço paradoxal de mundo denominado historicamente de “Brasil”. Eu sou um exemplo vivo disso. Não que tenha aprendido tudo aquilo que deveria, talvez não tenha aprendido nem o mais essencial delas, mas aprendi muito com as freiras Irmã Amparo e Irmã Helena, entre outras freiras; com Fátima Leiro, com Lícia Maria, com Jacinta Marta, com Conceição Aquino, Com Janai da PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular), com Lúcília e Dilma, com minha sogra Maria Lídia, com Dona Lizete do Calafate, Dona Maria da “Rua do Bode”, as “Batalhadoras do Calafate” e tantas outras mulheres que, cada uma a seu estilo, foram ensinando-me a ser mais gente e preparando-me para um futuro diferente nas relações entre os gêneros.

Hoje em dia aprendo muito com Mãe Stella, a Yalorixá do Ylê Axé Opô Afonjá. Sua maneira simples, direta, serena e calma de ensinar me faz crer muito mais em Deus e na Vida Suprema que nos rodeia a cada folha que cai em nosso chão. Aprendo muito com Malu Fontes, com seu estilo direto, agressivo, propício aos canalhas de plantão na política e nas mídias que utilizam suas imagens para ocultar a verdade, omitir-se, criar factóides, fabricar e eleger pseudos heróis para dirigirem a nação. Aprendo muito e sou provocado pela coragem e firmeza da Promotora Rita Tourinho, com a poesia de Adélia Prado e a poesia militante e encantadora de Elisa Lucinda. Aprendo com minha irmã, Itajacira Dórea e com minha mulher, Ana Lúcia, com a qual venho melhorando mais como homem, como irmão, como profissional, como amante, como educando permanente de minha senhora, com raros momentos de educador. Continuo, enfim, tendo e aprendendo com "mulheres de todas as cores, de várias idades, de muitos amores". E é assim que vou sendo educado e podendo, nesta breve vida que tenho, ser menos rude, menos violento, menos pobre e, portanto, mais rico de humanidades, mais sereno, mais homem.

Joselito da Nair, de Itajacira, de Fátima Leiro, de Conceição Aquino, de Irmã Amparo e Irmã Elena, de Mãe Stella, de Rita Tourinho, de Adélia Prado, de Lícia Maria, de Dona Lizete e de Dona Maria, de Lucília e Dilma, de Elisa Lucinda, de Malu Fontes, de tantas mulheres de todas as idades e cores e de Ana Lúcia, minha mulher suprema. 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

CALAMIDADE NACIONAL

Em nosso Brasil não precisamos de chuvas torrenciais, não precisamos de terremotos, não precisamos de tsunamis, vulcões também não são necessários, nem meteoros e asteroides assassinos. Temos coisa pior: temos prefeitos! temos vereadores! temos deputados estaduais e federais! temos "bandidos de toga"! Temos, enfim e infelizmente, Governo! Mais do que todas as calamidades provocadas pela natureza, mais do que a força poderosa das águas em seu curso inevitável, mais do que rochas descendo encostas que se derretem com o poder da água, mais do que os raios mortais e trovões assombrosos, mais do que pontes que desabam e casas que submergem, a negligência das autoridades responsáveis, a falta de organização e planejamento urbano, a inexistência de competência administrativa e política que ressignifique o sentido de AUTORIDADE, e, o cinismo dos representantes das instituições governamentais, é o que mais mata o povo brasileiro. E o pior: não mata apenas o corpo físico desse povo, mata também sua alma, porque retira-lhe a esperança, assalta-lhe a fé, fere profundamente a sua dignidade e retira-lhe o seu orgulho de pertencer a uma nação. 

As calamidades naturais são periódicas e matam quem está em seu caminho no momento específico e fugaz de sua passagem. As calamidades políticas são permanentes e matam tantos quantos estão no mesmo território e por um período que só uma revolução da indignação popular faria cessar. Há muita gente morrendo em filas de postos de saúde e hospitais; há muita gente morrendo de ignorância reproduzida pelos sistemas de ensino; há muita gente morrendo pelas negligências dos sistemas executivo, legislativo e judiciário brasileiro, a maior calamidade da história contemporânea desse país!!!! 

Não é a dengue que mais mata. Não é a tuberculose, nem a meningite. Não. Não são acidentes automobilísticos, nem assaltos à mão armada. Não. O que mata mesmo milhões de brasileiros todos os anos é a ausência sistemática e intencional do governo diante das responsabilidades que são suas, principalmente se esses brasileiros forem pobres. O que mata é colocar num cargo público de relevância alguém incompetente por ser apaniguado de algum (a) poderoso (a) e permitir impunemente que o roubo, a corrupção, o desvio de verbas que seriam usadas para assistir pessoas sofridas pela natureza acuada - esta também sofrida pelo capitalismo usurário - tornem-se fatos corriqueiros do Governo. São Ministérios "ministeriosos" utilizados como moeda de troca entre governo e partidos que "homicidam" os direitos sagrados do povo brasileiro. São essas coisas que matam em última instância! Um ano se passou desde a tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro, e a situação das pessoas daquele lugar permanece a mesma.

Em nosso caso, Salvador está morrendo pela incompetência negligente de João Henrique. Mas não podemos utilizar a velha máxima do "bode expiatório". Quando refiro-me a "Governo", estou referindo-me ao Legislativo - qual o papel da câmara de Vereadores nesse contexto? -, ao Judiciário - Qual o papel dos Tribunais de Contas, do TRE, entre outros? - e ao Executivo. Da mesma forma, a Bahia está morrendo pela incompetência, negligência e sanha privatista de Jacques Wagner. Os índices da Educação Básica da Bahia são lamentáveis. A construção de uma simples passarela que dá acesso ao Estádio de Pituaçú dura tanto tempo que já esqueci para que serve. Talvez seja para fazer páreo com a maior vergonha municipal e estadual: o Metrô de Salvador, que serve de chacota nacional e reforça a visão deturpada da preguiça do baiano. A cidade e o Estado já estavam agonizando antes, é verdade. Mas quando votei diferente não sabia que estava elegendo igual, o que é bem pior. Pensava, em minha ingênua e desnuda esperança, que eles iriam trabalhar duro e com seriedade para que nosso Estado e sua capital melhorasse seu estado de saúde. Mas aconteceu o pior com Salvador: João Henrique não ama essa cidade. Wagner, do mesmo modo, parece odiar. Aliás, os políticos brasileiros, salvo raras e honrosas exceções, não são eleitos para a cidade nem para o estado e muito menos para o país. São eleitos para si mesmos. Visam tão somente seus ganhos pessoais e sua perpetuação no poder, até que a bendita morte - e bote bendita nisso! - os separem. Geralmente o que acontece é "prefeito rico, cidade pobre". São como os portugueses que ocuparam esse país: uma ocupação política extrativista. Não vieram ao Brasil para morar, para fazer desse lugar um lugar de sonhos, um paraíso no novo mundo. Ao contrário: vieram para explorar, extrair suas riquezas e enviá-las para o seu mundo velho e mesquinho. Com toda essa velhice negativa, terminaram por sucumbir esse país, talvez para sempre, porque deixaram a maldita herança do patrimonialismo como "presente de grego", de cujo ventre equino, num processo de natalidade amaldiçoada, a cada eleição, saem os "degradados filhos de Eva" para tomar de assalto as riquezas do nosso país, construídas com o árduo suor da nossa gente e levadas em impostos em cascata, além de exaurirem as combalidas esperanças do povo brasileiro. 

O fato é que ainda não somos uma nação, nem nos orgulhamos da bandeira e do Hino que a representa. Já que a ordem é uma desordem e o progresso é uma miragem. Já que nossa mãe não é nada gentil, porque nos abandona nas filas dos postos de saúde, nos exclui do acesso às internações hospitalares, nos mantém numa pobreza servil. Simplesmente ainda não temos uma nação, com um povo orgulhoso. Temos um bando de larápios, com raríssimas exceções, que mal sabe o que é uma nação, o valor de um território e de sua história. Temos um sistema bem articulado em subsistemas funcionando a todo vapor para legitimar a corrupção, liberar o corrupto, e naturalizar seus desvios hediondos como regra básica da política nacional. Salvador está sendo entregue de bandeja ao capital privado, suas últimas reservas florestais, seus combalidos rios, seus mares. A Bahia está sendo privatizada de chão a chão, de porto a porto, de estádio a estádio. Caso ACM tivesse vivo e governando a Bahia, e privatizasse a BR 324, um mar imenso de bandeiras vermelhas e de "militantes" partidários estariam fechando a via e denunciando a agressão constitucional ao sagrado direito de ir e vir. Ora bolas. 

Gostaria de aproveitar e parabenizar a respeitada senhora Rita Tourinho, que coordena o Grupo de Defesa do Patrimônio Público e Moralidade do Ministério Público, e, entre outras e outros que ainda resistem a esses governos "de Tróia". Não sei se ainda há povo neste território, mas se tem, porque se cala? Porque se omite diante de tanto achincalhe desses homens e mulheres que exibem seu cinismo e sua volúpia em torno do nosso patrimônio público? Contra a privatização da cidade do Salvador, contra a Privatização da Bahia, contra o Governo, sem me denominar libertário.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

QUANDO AMAMOS

A grande sensibilidade poética de Oswaldo Montenegro afirma para o amor dele que "A vida passa num instante e um instante é muito pouco pra sonhar." Eu penso também que a vida passa num instante. Meus pais ainda circulam pelos cômodos de minha saudade, como se estivesse com eles no ontem de um dia eterno. E concordo com Montenegro quando, no início de sua composição fala que "Quem vai dizer ao coração, que a paixão não é loucura, mesmo que pareça insano acreditar.” Parece insano amar num pequeno instante que é o vão estreito da vida. Mas é o que nós temos. É nesse estreito espaço histórico que você descobre o sentido mais profundo e fecundo de estar vivo: a experiência do amor. Por isso, mais uma vez com Oswaldo...

Quando a gente ama,
Simplesmente ama
É impossível explicar
Quando a gente ama
Simplesmente ama!

Ao sentir que sou amado e ao amar em meu sentir, toda a minha ontologia se reconcilia com o cosmos num estreito tempo-espaço que denominamos VIDA.
Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

domingo, 15 de janeiro de 2012

A DIDÁTICA DA MARÉ E A ESCOLA DA MARESIA

Dia 13 último de janeiro deste ano que se inicia, estava com Marquinhos, Zezé e Wiliam, entre outras pessoas, jovens, adultos e gente já pisando na fronteira da terceira idade, para conhecer e auxiliar no que pudesse na Escola das Águas, a ser criada para os pescadores. Tivemos a importante assessoria de Celi Taffarel da UFBA, que foi fazendo uma mediação excelente, partindo do universo simbólico que a experiência de quem trabalha no mar constrói e adentrando na maré simbólica da educação, da economia e da política. E estávamos nós, do meio popular escutando aquelas lições e ajudando-as a serem estruturadas, com a boa didática que Celi acionava em sua experiência docente. Fomos tratando das esperanças, necessidades e perigos que vão aparecendo conforme vamos pensando numa escola que tenha a relação do trabalho com a água como princípio fundante da formação de “subjetividades rebeldes”, comprometidas com uma aprendizagem que vise a transformação das relações pautadas pelo capitalismo, em relações pautadas pela solidariedade. Por se negar a colaborar para a formação de consumidores ávidos por produtos e serviços cada vez mais descartáveis, por se negar a formar “subjetividades conformistas”, que andam curvadas diante do peso mercantil que o capitalismo impõe ao viver, é que Marquinhos, Wiliam e Zezé, entre outras pessoas – que estão convivendo com pescadores e marisqueiras – se uniram para elaborar uma outra escola. Uma escola comprometida com a ruptura desse ethos capitalista, do hedonismo do consumo e se aventuram agora, entre outras muitas aventuras, a construir essa escola de gente que percebe a vida através da coletividade unida organicamente em torno de princípios solidários e relações humanas pautadas em valores e posicionamentos políticos que conduzam à emancipação humana em sua plenitude.

Celi ia expondo didaticamente o tema/problema e a gente ia participando da construção simbólica sistematizada desse precioso conhecimento, buscado como necessidade e não como obrigação. Numa dessas participações Marquinhos falou de uma cena que participou ao dormir na casa de uma marisqueira e pescadora. Ao amanhecer os familiares começaram a aprontar as coisas, preparar e separar os instrumentos a serem usados na lida diária. Nisso, a filha da marisqueira começou a choramingar, manifestando seu desejo de ir para a maré com os demais. A mãe disse-lhe que ela precisava ir para a escola, mas a criança se mantinha irredutível em seu desejo. Marquinhos revelou que ficou um pouco chateado com aquela menina naquele momento e com a atitude titubeante da mãe. Foi, segundo ele, mais de uma hora de lenga lenga. A escola era importante! Era preciso que aquela menina estivesse lá, na instituição apropriada para a educação sistemática de seres humanos. Mas a mãe terminou cedendo e a menina foi com eles e elas para a maré. Marquinhos ficou pensando sobre aquele fato. A menina dominou a mãe. Ato pouco educativo. Quando uma criança domina os seus pais, exercendo sistematicamente a birra e o chororô de araque, há uma inversão perigosa que pode acabar na construção de uma subjetividade individualista e mesquinha, ou até mesmo delinquente, quando seus desejos não forem satisfeitos de imediato. De todo modo, Marquinhos ficou pensando: – O que a maré tem que a escola não tem? Por que a menina não sente desejo de estar aprendendo coisas novas e interessantes com seus coleguinhas, orientados por um professor ou uma professora inteligente, preparada, agradável e que lhes desperte a curiosidade?

A reflexão de Marquinhos aguçou os meus sentidos e fiquei ruminando os significados de tais inquietações dele, agora minhas também e, quiçá, de outras e outros ali presentes. Tanto é que vou passar um dia ou mais na maré, junto às marisqueiras (os) e pescadores (as) para ver se consigo entender o que a maré tem para essas pessoas. Talvez a escola não tenha uma professora bem preparada, satisfeita com suas condições de trabalho, salário e carreira. Talvez a escola não tenha um projeto político-pedagógico claro, que oriente as ações de todos os envolvidos na tarefa de educar crianças das classes populares e de setores específicos desses. Talvez essa escola não tenha estabelecido relação alguma com a comunidade que a cerca e seus textos, seus livros, sua linguagem, sua metodologia e seu sistema de avaliação seja completamente alheio às necessidades e interesses intelectuais das crianças, jovens e adultos que estão em seu entorno.

Provavelmente essa escola não tem magia, não tem segredos, nem mistérios a serem explorados pela curiosidade que anseia investigar, constatar, descobrir, compreender e agir. Talvez essa escola esteja morta para a criança, porque ela não rema, ela não rima, ela não ri, ela não ensina a nadar, a flutuar sobre as águas, a "pegar jacaré", essa escola não tem balanço, não ensina a mergulhar à procura da beleza que o oceano tem; essa escola não ensina que as palavras também têm balanço, têm marés, têm funduras pedindo profundos mergulhos, não ensina que os textos têm uma flora marítima e correntes de pensamento que apanham os leitores e os entregam para rumos desconhecidos e encantadores; Não ensina sobre os ventos reflexivos que sopram de outros mares e terminam influenciando nas marés das nossas praias intelectuais; ela não ensina com a vida, mas, de forma atabalhoada, “para a vida”. Uma vida futura que termina sendo pretérita; uma vida moderna que termina sendo antiquada e insignificante; uma vida “para ser gente” que termina formando sombras e sobras de humanos, subjetividades fantasmagóricas de ação diante de um sistema que exige obediência, silêncio, ordem e organização, conforme os postulados da propriedade privada e da acumulação de riquezas, em detrimento do trabalho e do trabalhador.

A mãe não está certa ao ceder aos caprichos da filha. Não. Agiu errado. A menina repetirá o gesto toda vez que assim o desejar. Entretanto, aprendi com Arlete Malta que todo espaço é um espaço pedagógico quando há duas ou mais pessoas ensinando e aprendendo. Quando a escola retira a criança da maré, e, pior, quando a escola separa e exclui a maré e sua força semântica de sua construção humana, ela retira de si mesma, o poder de educar que emerge do contexto imediato e familiar onde o ser humano pronuncia o mundo e a si mesmo nele. A maré pode ser, e muitas vezes o é, um espaço didático e pedagógico, onde mãe, filha, irmãos e demais parentes ensinam coisas, investigam mistérios, contam suas histórias e partilham a vida que significa na maré para todos e todas que nela e por ela sobrevivem.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel. 

Em tempo: Na coluna "Tempo Presente", de hoje, 16/01/2012, está escrito que:
A cantora Margareth Menezes prometeu estudar as leis aprovadas na Câmara, mais especificamente a de áreas de proteção cultural e paisagística, que, entre outras medidas, na Ilha dos Frades, determina o cercamento das praias e fim da atividade marisqueira. "Quantos mares uma gaivota irá cruzar para poder descansar na areia?" 

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Antes que a revolução comece

E daqui desta hora alta
observo e examino os sentidos e as palavras 
que também os compõem.

Os ditos proliferam nos campos discursivos
fazendo com que germine
novos conteúdos de esperança 
e de temor. 

Que antes do primeiro tiro, 
que bem antes da primeira morte, 
as formações discursivas encaminhem
os sentidos do renascimento humano
para a vida.

Que antes que a revolução se inicie
a solidariedade, o respeito, 
a dignidade, o amor, a justiça 
e a paixão pela vida prevaleçam.
Dito isso, minha esperança significa. 

Joselito da Nair, do Zé, da Nair, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.