sábado, 28 de julho de 2012

PELA INFELICIDADE GERAL DA NAÇÃO DIGA AO POVO QUE QUERO FICAR

Não é qualquer pessoa que pode ocupar um governo ou exercer o papel de liderança. Assim como não é qualquer homem e mulher que podem ter um (a) filho (a). Há pessoas que não podem ser o que são nem estar no lugar institucional em que se encontram. Simplesmente porque não gostam do que fazem, odeiam os ônus de ser governo ou de ser pai e mãe. Não têm capacidade de fazer o que deve ser feito, principalmente nas situações mais difíceis, que requerem decisões firmes e rápidas. Refiro-me a pessoas, mas o termo correto para me referir à realidade baiana não é este. Talvez, fosse “cultura”. Porque a nossa cultura baiana degrada antecipadamente qualquer governo, qualquer ação política de estado, na medida em que julga os fatos e fenômenos a partir da conservação indefinida do grupo que governa no poder do estado e não o bem-estar da população a qual deveria servir.

Nossa cultura política nunca entendeu, por razões diversas, que governar é servir, é trabalhar para que a população do estado federativo seja mais feliz. E ser mais feliz, nesse caso e concretamente, é ter acesso a uma educação pública de qualidade, a um sistema de saúde eficiente, a uma proteção do estado, cujo braço armado – as polícias e seu direito exclusivo de matar – seja exercido em nome da vida, do direito, da verdade e da justiça. Ser feliz para a população diante do estado é também ter direito a saneamento básico, transporte coletivo de qualidade, assistência social, acesso a praças, parques, campos de futebol, quadras de esporte (Vôlei, futebol, basquete, tênis), bibliotecas, teatros, enfim, o mínimo necessário que o estado deve garantir para que as pessoas, principalmente as mais pobres, possam usufruir dos bens coletivos com satisfação. Entretanto, como nossa cultura política nunca entendeu isso, a nossa população vive triste, esquecida, abandonada em fins de mundo construídos pelos poderes não estatais que governam soberanos sob o signo da imposição de pessoas e pequenos grupos que exercem a violência como forma predominante de coerção, inclusive a própria banda podre da polícia.

Com governantes frágeis, mais preocupados com a próxima eleição do que o planejamento, acompanhamento e a conclusão de obras e projetos cruciais para o desenvolvimento do estado, o estado enfraquece seu poder, que deveria ser exercido com firmeza para a felicidade da população, e permite que um grande mosaico de terror, desesperança, mesquinhez, má vontade, ignorância, sujeira, violência e mau gosto se instaurem como alternativa de um poder que, em sua diretriz, não se alterna. Na Bahia, a saída do antigo PFL foi um aceno de nós, povo, para a alternância do poder rumo à esperança que cultivamos. Esperamos o primeiro mandato petista e não chegou a nova história que desejávamos. O segundo mandato petista começou e ainda não percebemos elementos concretos de felicidade para nós. Esse estado já estava falido pelo modo como é operado pela cultura política e social que preside o nosso olhar, o nosso fazer, o nosso ser. E o outrora Partido dos Trabalhadores, colaborou ainda mais para que este lamentável conjunto de desvalores fortalecesse sua instituição. A noção de cidadania da Revolução Francesa é ainda uma miragem em nosso território e a construção do nosso espaço se dá pela via do interesse e do poder econômico, em detrimento do combalido poder popular.

A praça não é de povo algum, nem a de Castro Alves, nem a de Paripe. As calçadas não são para os pedestres, e os parques não são dos moradores e transeuntes, senão dos marginais. As obras não são do governo, mas dos interesses de empreiteiros e políticos no desvio de verbas; as escolas não são do interesse dos estudantes, pais de alunos (as), professores (as), e de diretores e diretoras-educadores (as), mas do desinteresse geral. Os projetos culturais não aparecem como elementos fortes de influência na formação da personalidade de crianças, jovens e adolescentes. Nem as igrejas, que antes exerciam forte influência em parcelas da juventude, não conseguem mais, depois que renunciaram sua ação escatológica (entendida como o esforço de entender os últimos eventos e sucessos do ser humano), motivar a juventude a participar da construção de um mundo diferente deste nosso, mesmo porque, penso que a igreja aposta no evento apocalíptico permanente como forma de manter o seu status e seu poder. As religiões na Bahia, apostam mais no inferno aqui no mundo, do que na transformação do mundo num Reino de Deus. O inferno rende mais fiéis que o céu. O céu pode esperar.

E nossa cultura patrimonialista, religiosa, que apresenta um deus num instrumento de tortura apontando para o inferno como arma ideológica, e não um Deus humilde, corajoso, como símbolo de libertação plena, junta-se a governantes mambembes, cujo tema da felicidade da população passa distante de seus interesses de poder e ideológicos, preocupados apenas em assegurar-se hegemonicamente no mundo, perpetuando o seu legado de desprezo pelo que é essencial na política e na religião: a felicidade das pessoas. Governam, portanto, mais a dor, que o prazer e a alegria que se realizam, predominantemente, no acesso do povo aos bens produzidos pela humanidade.

Joselito da Nair, do Zé, de Ana Lúcia, de Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 20 de julho de 2012

LIDERANÇAS PATO LOGICAS?



Um governo é uma liderança institucional. A liderança institucional nasce desde que é “eleita” para tal. Um (a) coronel, um padre, um (a) médico (a), um (a) enfermeiro(a), entre outras, são, naturalmente, lideranças institucionais. Mas não são, institucionalmente, lideranças naturais. Como afirmava Raimundo Sodré com Jorge Portugal, “[...] no cabo da minha enxada não conheço coroné.” Então há "coronés", padres, enfermeiros e enfermeiras, médicos e médicas, governadores e governadoras que não são lideranças naturais. São o produto de peças midiáticas com falácias retóricas que buscam construir um imaginário ilusório que mal chega a alcançar a opinião pública que tanto almejam como construção da hegemonia pela via ideológica. Esse é o caso do atual Governo da Bahia.

Quando votei pela primeira e única vez em Jacques Wagner esperava – de esperança – que ele e seu grupo tivesse um projeto de governo, com linhas de ação claras na educação, saúde, habitação, segurança, saneamento, infraestrutura, investimento, etc. Contudo, porém, mas, sobretudo, entretanto, todavia, percebi, para minha tristeza e desilusão, que não havia projeto algum! Só um pobre projeto de poder, eleitoral, periódico, aleijado. O PT não mudou nada na Bahia, nem mesmo os representantes das DIREC’s e de tantos outros órgãos da estrutura do estado baiano de coisas. Percebi claramente que o PT não entende de administração, pelo menos na Bahia, mas de eleição, de conversa fiada, de críticas a governos passados e a "heranças malditas" que o partido insiste ironicamente em preservar, de propagandas do que ainda não existe, de promessas sobre o que não foi feito, ou foi muito mal feito. Fui vendo o Partido dos Trabalhadores – que nos trazia esperança da ética prevalecer nos assuntos de estado e de Governo, que faria o povo mais pobre e esquecido ter acesso aos bens públicos como saúde, educação e segurança – perecer. Acreditei em "papá noé".  E vi esse mesmo Partido se partir ainda mais. Partir do seu “porto seguro” para navegar nos mesmos mares que outros partidos, como o Pernicioso outrora PFL, navegavam, em busca do poder eterno, mas sem a mesma convicção e competência.

Um governo assim não pode ser uma liderança. Um governo que aposta no asfixiamento de uma greve de professores que prejudica milhares de crianças, adolescentes e jovens baianos não pode ser uma liderança. A corda que o governo Wagner teceu para enforcar os professores e as professoras do estado baiano de coisas terminou por asfixiar Ele mesmo e seu partido nesses 101 dias de greve que se passaram. A liderança esperada não foi exercida por ninguém: nem por governador – que realmente governa a dor –, nem por Ministério Público, nem pela Ah-sem-bleia Le-giz-inativa, nem pelo poder jurídico. As lideranças institucionais provaram claramente que não são lideranças naturais, que não têm capacidade de, no momento da crise, ter coragem e defender a justiça e o direito. Aliás, justiça e direito que são rapidamente defendidos quando se trata de greves da indústria civil pesada da qual depende a construção do que o capital mais valoriza atualmente na Bahia: a construção da Fonte Nova, que de nova só tem a aparência. A justiça e o direito não são para "sobrantes". "Sobrantes nem fazem protesto, nem são força política, são apenas votos.

Da mesma forma, Rui Oliveira não deveria ser mais o porta-voz dos professores e das professoras da estragada rede pública estadual de ensino que, de tão estragada, não pesca mais promessas intelectuais, só estudantes mediocrizados por uma escola pobre para os “sobrantes” (Acácia Kuenzer). Rui Oliveira, tal como os imperadores, reina absoluto desde quando eu estava iniciando minha carreira docente, demostrando claramente que a enfermidade democrática na Bahia não é um sintoma apenas de partidos, mas de todos os setores: sejam eles da sociedade política, sejam da sociedade civil. Que sindicato pobre é esse que não consegue eleger ninguém diferente durante várias eleições? Que lideranças são essas que não conseguem se mover, necessitando de uma “primavera árabe” em seu processo político e eleitoral? Rui Oliveira deveria se tocar, como líder que se supõe. Tanto tempo à frente de um sindicato é sinal de fraqueza do mesmo e não de força. É sinal de que a renovação não existe, de que novas lideranças não são estimuladas a participar, a não ser com o apoio explícito de um ou dois partidos políticos controlando o comportamento de todos e de todas! É chegada a hora dos interesses partidários e eleitoreiros mesquinhos deixarem de mão os movimentos sociais e os sindicatos, para que eles se renovem e cumpram a sua função política, cultural e social a contento.

Contudo, parece-me que o governo da Bahia quer professores “sobrantes” mesmo! Professores e professoras sobrantes para os sobrantes sociais e culturais, que mal sabem ler e escrever ao final da educação básica da rede pública. Para esses sobrantes, professores e professoras sobrantes também. Desrespeitados, mal pagos, ameaçados, desprezados, desvalorizados, sem condições de participar de congressos, seminários, encontros. Sem condições de adquirir livros, de pesquisar – e quando pesquisam para mudar de nível é uma odisseia na "burrocracia" estatal – entre tantas outras mazelas a que são expostos as professoras, os professores e seus sobrantes alunos da educação básica pública do estado lamentável baiano de coisas.

Cazuza dizia que seus heróis morreram de overdose. As lideranças baianas nunca morreram, porque ainda não nasceram. Foram abortadas no ventre infectado da política brasileira e baiana. Não são líderes de verdade. Não têm coragem, autonomia e capacidade de rebeldia, seguem - e ceguem - orientações partidárias. E as orientações partidárias cegam e desorientam as iniciativas lúcidas das lideranças que foram extintas no século passado.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Tantas Gentes, e de Jesus, O Emanuel

sábado, 14 de julho de 2012

"Juninhos", "Netinhos" e "Filhinhos" de Lulinha e de outros papaizinhos mandões do Brasil e da Bahia


Os políticos baianos se auto-proclamam líderes ímpares, defensores ardorosos do Estado da Bahia. Fulano Filho, Sicrano Neto, Beltrano Júnior, entre outros “líderes”. Entretanto, ando um tanto quanto desconfiado de que tais “lideranças” não passam pelo teste da realidade, ou melhor: são lideranças de araque, para inglês ver e para baiano acreditar. Como sou um homem de pouca fé, principalmente em se tratando de política partidária, tanto é que não sou chegado a ir a pé a lugar algum, trago alguns elementos de São Tomé para demonstrar empiricamente a minha desconfiança. As estradas da Bahia, estaduais e federais, estão entre as piores do Brasil. Segundo um motorista de uma empresa de transporte intermunicipal, é só sair da Bahia e a gente se depara com estradas conservadas e bem sinalizadas. A BR 324 vai duplicar no dia de São Tentáculos. O único trecho da BR 101 que não está sendo duplicado é na Bahia. Em Sergipe a gente vê a duplicação ampliar a infraestrutura para o desenvolvimento econômico deles.

Na segurança somos violentados pela mentira e pelo descaso: mataram o funcionário municipal Neylton, e, o prefeito desta cidade, vereadores e quase toda a classe política se calou. Até os evangélicos! Morreu um pobre funcionário e nem o seu sindicato se manifestou; o diácono da igreja católica foi assassinado covardemente e o bispo pouco falou, a comunidade católica, imensa quando se trata de orações, está imobilizada; mataram o “Nativo”, esse, pelo menos os familiares, amigos e ambientalistas fizeram um ato respeitável em sua homenagem e em busca de justiça. Somos violentados em nossos salários, no pagamento de impostos, numa educação pública horrível, com quase 100 dias de greve e com índices pífios –Vejam o AVALIE-Bahia –num sistema de transporte coletivo péssimo – tente pegar ônibus na estação Iguatemi das 17h30min h às 19h00min – num ferrorama já enferrujando que numa termina, perdido num bilhão túnel abaixo, num sistema de saúde enfermo e até mesmo assassino. Crer que temos líderes é ser tolo, "inocente", drogado ou débil mental. Nossos líderes são medrosos – e não me refiro somente aos políticos – preferem o silêncio a ter de se comprometerem, são fajutos, bonecos, fantoches, corruptos, cínicos e mentirosos. Não são homens, nem mulheres de respeito, são produtos midiáticos, cheios de slogans e imagens enganosas. Seus discursos são ocos. Olhamos a imagem gigante na tv, mas quando nos deparamos com as atitudes desses políticos meia boca detectamos um fantoche,um humano mínimo, disfarçado com gravatas e bravatas. Em Eclesiastes tem uma frase preciosíssima para o que desejo tanto expressar: “O louvor na boca do pecador não é belo.” Pois é isso. Não há beleza nos discursos que ouço, eles são eivados de mentira e de cinismo.     

Nosso lamentável estado baiano de coisas tem um Governo que se mostra competente ao cortar os salários dos grevistas, caminha numa negociação sem elementos concretos de uma política salarial com os sindicatos dos professores universitários e dos professores da educação básica, reedita o outrora tão criticado “REDA”, etc. Mas não tem competência para combater o tráfico de drogas na Bahia, não tem capacidade de modificar o nome do Aeroporto para “Dois de Julho” novamente; não tem competência para aumentar a segurança nos bairros pobres de Salvador; não tem competência nem liderança em Brasília para solicitar o término do Metrô de Salvador; apesar da alegada amizade com a presidente desse país de voo econômico de galinha, não tem competência para investigar os atos da AGERBA no setor de transporte intermunicipal – não há concorrência no setor há mais de 10 anos!

Ser líder para mim é representar sonhos e esperanças e apresentar atos, atitudes, valores e ações que indiquem capacidade de realização, ou pelo menos esforço, vontade, luta, busca contínua desses sonhos. Líder é aquele que conduz o povo e se deixa por ele ser conduzido. Infelizmente, nossos políticos de esquerda, de direita e de centro – nem sei mais o que é quem! – representam mentira, discursos ocos, cinismo, caráter frágil - Ah, que saudade de Josaphat Marinho! Ah, que saudade de Fernando Santana! Ah, que bom que Erundina existe! - Estamos cheios de líderes fabricados pela mídia: “garotinhos”, “netinhos”, “juninhos” e “filhinhos de papai” que, de povo e de nação nada entendem. Só entendem de voto, de privilégios, de luxo e de conforto, pagos pelo estado, ou seja: pelo povo, é claro, é muito claro, muito caro mesmo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Nave interior dos homens e das mulheres simples


Outro dia Dilma Venutto, amiga minha e de minha esposa, referiu-se à música “Nave Interior”, de Zé Ramalho. Li a letra e ouvi a música e achei a reflexão excelente! Num dos trechos Ramalho afirma que:

“Respirar, navegar é coisíssima igual
O ar que ri é o fogo da nau
No vale profundo que geme em nós
Reside o casulo do cavalo alado”

Respirar, trabalhar, comer, trepar, produzir um artigo científico – muitas vezes mais para a nossa vaidade do que para contribuir com o avanço do conhecimento – ir à festas, assistir a decisão do campeonato de futebol ou do Grand Prix de vôlei, viajar, ir ao shopping e ao cinema, é coisíssima igual. E a realidade vai se monotizando, automatizando e a gente se robotizando. Nós, como gados, vamos sendo abatidos pela trama estrutural da sociedade, seja ela capitalista, seja socialista, seja uma mediação de ambas. Mas nem tudo está perdido! Segundo Zé Ramalho, em outro trecho da música “Há um vale profundo que geme em nós, aonde reside o casulo do cavalo alado.” E o bom de tudo é que essa força, esse poder insuspeito que trazemos dentro do peito, se encontra

Na rainha-mãe ou no pobre coitado
 
Porque
Ali se espelha a centelha do gás
Se é moça ou rapaz, ancião ou criança
A chama não cansa de dançar a dança

Todos os humanos têm essa centelha que alguns apagam de um jeito bastante estranho: ficam cegos. Uma cegueira construída nas relações sociais em que o poder estigmatiza, porque veem a centelha em seus pares de classe econômica, social e cultural, compartilhando entre si os elogios, os interesses, as observações e as críticas, a maioria dessas de uma pobreza só. O "pobre coitado" tem essa centelha também e pode acendê-la nos momentos e nos lugares mais inesperados e imprevistos, ou melhor ainda: a centelha pode acender sem que o seu portador preveja, planeje. A arte, a poesia, a imaginação criativa e todo a expressão sublime que é possível aos incluídos socialmente é possível também ao “pobre coitado”, ao “sobrante”, ao “homem simples”.Elas estão em Patativa do Assaré, em Luís Gonzaga, em Cora Coralina, em Catulo da Paixão Cerense, em Carlos Drumond de Andrade, em Dona Maria da "Rua do Bode" no Calafate, em Manoel de Barros e Manuel Bandeira, em Carolina de Jesus (Quarto de Despejo), em tantas e tantos que pensaram a sua existência para além da vida ordinária.

Mas esse “sobrantes”, esses “pobres coitados”, esses (as) “homens/mulheres simples”, sofrem as consequências da permanente tentativa de controle dos poderes instituídos, muitas vezes de forma perversa, inclusive por aqueles que têm o discurso da libertação, da emancipação, da revolução a favor do oprimido. As igrejas, por exemplo, com o discurso do divino, do céu e do sagrado contraposto ao diabólico, ao inferno e ao profano, com o sentido de proteger o “frágil fiel” contra as forças do mal, na verdade constrói cárceres, presídios simbólicos que escravizam as pessoas, atormentam os corações dos (as) simples, criando o verdadeiro inferno aqui mesmo, no cotidiano deles (as). O diabo e seus demônios, assim que são criados discursivamente no imaginário dos seres humanos, começa a atormentá-los. José de Souza Martins (2010), em relação a essa realidade, afirma que:

Nessa adversidade, a questão é saber como a História irrompe na vida de todo dia. Como, no tempo miúdo da vida cotidiana, travamos o embate, sem certeza nem clareza, pelas conquistas fundamentais do gênero humano; por aquilo que liberta o homem das múltiplas misérias que o fazem pobre de tudo: de condições adequadas de vida, de tempo para si e para os seus, de liberdade, de imaginação, de prazer no trabalho, de criatividade, de alegria e de festa, de compreensão ativa de seu lugar na construção social da realidade. Uma vida em que, além do mais, tudo parece falso e falsificado, até mesmo a esperança, porque só o fastio e o medo parecem autênticos. Na abundância aparente, não estamos realizados – estamos apenas saturados e cansados em face dos poderes que parecem nos privar de uma inteligência histórica do nosso agir cotidiano. (MARTINS, 2010, p.10)

Assim como as igrejas, seus padres, pastores, freiras, obreiras e similares, os economistas, os médicos, gestores e, principalmente, os cientistas e os políticos, também nos prometem o “paraíso”, mas nos oferecem passagens pelo inferno no cotidiano de nossas vidas, tentando controlar nosso comportamento, nossas mentes, nosso modo de sentir, de perceber, de consumir e de viver, criando, assim, sistemas prisionais concretos e simbólicos que nos encarceram, ou tentam nos encarcerar o tempo inteiro. Enfim, “temos medo de ser o que somos ou o que temos podido ser.” (MARTINS, 2010, p.11). E o saudoso, lúcido e no caso do trecho musical abaixo, irônico Raul Seixas chama a nossa atenção...

E você ainda acredita
que é um doutor, padre ou policial
que está contribuindo
com sua parte
para o nosso belo
quadro social...
Mas "[...] no vale profundo que geme em nós reside o casulo do cavalo alado”. Há uma transcendência que caracteriza todos os humanos, simples ou sofisticados. Mas talvez considerem a transcendência como previsão estatística, vencida pela força da mediocridade geral que forma através da ideologia disseminada por seus meios e mensagens. 

Eu, como todos os outros humanos, tenho um vale profundo que geme e nele reside o meu cavalo alado, preparando-se para a possibilidade de cavalgar pelos céus proibidos pela forma como nos organizamos em sociedade e deixamos a hipocrisia e a perversidade tomar conta do nosso tecimento permanente. Desconfio que a única transformação possível em curso só pode se dar no âmago pessoal de cada um, pois, como afirma Martins (2010, p.11):

O que sobrou do que nos tiraram é o que fecunda a nossa espera. Nossas privações são a nossa riqueza e o nosso desafio. Mas, com as ferramentas da cópia nada construiremos e nada compreenderemos.

Precisamos ler. Ler bem mais. Precisamos refletir, refletir bem mais. Olhar uns para os outros e celebrar num grande baile, um carnaval popular de rua que chame todos e todas para a dança, para o frevo político e cultural de emancipação individual e coletiva pois “a chama não cansa de dançar a dança.”

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel, com o auxílio de:

MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala, 2. Ed. rev. e ampl. São Paulo: Contexto, 2010.
Raul Seixas. Ouro de tolo.
Zé Ramalho. Nave interior.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

PARA OS SONHOS AMANHECEREM



O sonho é o motor da ação, tanto no plano individual como no plano coletivo. Para que algo aconteça a gente primeiro sonha, pensa, planeja, antecipa idealmente uma realidade que ainda não existe. O sonho é um elemento fundamental para que algo se concretize no cotidiano. “Se em teu centro, um paraíso não puderes encontrar não existe chance alguma de, algum dia, nele entrar”, já dizia Ângelus Silesius, místico medieval. Há de se ter “fé no que virá” e acreditar que nós podemos muito, que podemos um pouco mais do que fazemos, como sonhava Gonzaguinha. Milton Nascimento e Fernando Brant apontam para a necessidade de cultivarmos nossos sonhos como antecipações de realidades de felicidade, justiça, alegria, amizade, meninada, prazer, amor, liberdade, vinho e pão para todos e todas. E pedem cantando...

São José da Costa Rica, coração civil
me inspire no meu sonho de amor Brasil
Se o poeta é o que sonha o que vai ser real
bom sonhar coisas boas que o homem faz
e esperar pelos frutos no quintal
Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder?

O grupo 14 BIS também apresenta essa importância dos sonhos, das crenças, das lendas na construção do imaginário...

Como num romance
Um Deus risonho aqui passou
Derramando cachoeiras
Pela serra em flor
Viver no coração da lenda
É fácil, meu amor
Um sonho novo todo dia
Que ninguém sonhou
Oh... oh...
Canção de amor

A realidade começa pela palavra em curso, pelo discurso que diz, entre outros, “Faça-se a luz!”. Porque o breu nos desafia a iluminá-lo, a descobrir os segredos que as sombras cobrem, a enfrentar os perigos de não saber direito onde estamos pisando. Mas também produz a adrenalina que o medo enseja, o desejo de investigar o opaco, o oculto, o segredo contido na ausência da claridade. E isso nos pede, no incita, nos provoca o amanhecer, a construir esse amanhecer que já existe ensolarado em nossos sonhos, em nossos desejos...

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você

A noite da ditadura desafiou a inteligência poética de Chico Buarque. E ele respondeu muito bem, tecendo amanheceres com discursos belíssimos, carregados de esperanças, de sonhos utópicos que prepararam o raiar do dia, desafiando a lógica do autoritarismo capitalista. E cada um de nós temos noites, curtas ou longas, que desejamos que amanheçam.

Mas a ação inspirada somente pelo sonho é ingênua. Pode ser manipulada por interesses perversos, vindo a culminar num pesadelo terrível. Por isso a ação, sendo desencadeada pelo sonho, deve ser dirigida por objetivos e finalidades construídas pela necessidade coletiva, pelo tecimento interdiscursivo com objetivos claros, com critérios bem definidos. Li em algum lugar que todos são chamados a construir discursivamente a vontade geral com igualdade de oportunidades. Se assim não o for, a ação pode ganhar contornos políticos e sociais indesejáveis do ponto de vista emancipatório, ao invés do nascimento de um novo dia, gestado por mulheres e homens que desejam transformar sonhos em realidade concreta, pode haver ainda mais breu dentro do breu, empurrando a rotação para um horizonte de esperança muito longínquo, aonde as preces, as crenças e as virtudes precisam de muita força, de muita fé para continuar resistindo em lampejos no caminho do amanhecer.

E as ações devem ser desencadeadas por um projeto. Uma sistematização geral que faz convergir as ações em torno de princípios gerais levantados das concepções filosóficas e políticas de mundo, de ser humano e de concepções pedagógicas que visem responder aos anseios e necessidades detectadas na avaliação diagnóstica da realidade rebelde, da noite que recusa a alvorada, que procura encarcerar o movimento de rotação da terra, na tentativa inútil de impedir o balé cósmico. Por isso mesmo que “apesar de você amanhã há de ser outro dia”.

Um projeto que se quer eficaz, engendrado no sonho de uma humanidade mais feliz, porque mais emancipada do autoritarismo, do consumismo, do individualismo, das violências concretas e simbólicas que, na escola, são expressas pelo analfabetismo, pela indiferença governamental, pela evasão escolar, pela apatia de professores e alunos em relação ao ensino e à aprendizagem, requer a participação dos sujeitos que transitam em identidades proibidas pela expressão simbólica e saiam do anonimato empunhando suas práticas discursivas como motores de suas ações emancipatórias. A humanidade usurpada dos educandos por mecanismos de exclusão social não é, nem pode ser, recuperada por processos didáticos e pedagógicos licenciosos (pode tudo) nem autoritários (nada pode), sem clara definição de sua função social (Técnica, Humana e Política), sem direcionamento político e cultural, articulados numa perspectiva filosófica e política democrática de ser humano e de mundo.

Sonhar é preciso, mas objetivar pedagogicamente este sonho na escola é ainda mais preciso. É preciso que a escola pública amanheça para milhões de crianças, adolescentes, jovens, adultos e anciãos brasileiros, especialmente os baianos, há mais de 90 dias sem aulas. Muitos sonhos na escola são perdidos por falta de um processo sistemático de objetivação da subjetivação que o sonho representa. O projeto político pedagógico, sem objetivação sistemática, fica perdido no limbo e o sem-sentido toma conta do cotidiano escolar, repetindo, como diria Gilberto Gil “as velhas formas do viver”, numa rotina pesada e enferrujada.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel