quarta-feira, 4 de julho de 2012

PARA OS SONHOS AMANHECEREM



O sonho é o motor da ação, tanto no plano individual como no plano coletivo. Para que algo aconteça a gente primeiro sonha, pensa, planeja, antecipa idealmente uma realidade que ainda não existe. O sonho é um elemento fundamental para que algo se concretize no cotidiano. “Se em teu centro, um paraíso não puderes encontrar não existe chance alguma de, algum dia, nele entrar”, já dizia Ângelus Silesius, místico medieval. Há de se ter “fé no que virá” e acreditar que nós podemos muito, que podemos um pouco mais do que fazemos, como sonhava Gonzaguinha. Milton Nascimento e Fernando Brant apontam para a necessidade de cultivarmos nossos sonhos como antecipações de realidades de felicidade, justiça, alegria, amizade, meninada, prazer, amor, liberdade, vinho e pão para todos e todas. E pedem cantando...

São José da Costa Rica, coração civil
me inspire no meu sonho de amor Brasil
Se o poeta é o que sonha o que vai ser real
bom sonhar coisas boas que o homem faz
e esperar pelos frutos no quintal
Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder?

O grupo 14 BIS também apresenta essa importância dos sonhos, das crenças, das lendas na construção do imaginário...

Como num romance
Um Deus risonho aqui passou
Derramando cachoeiras
Pela serra em flor
Viver no coração da lenda
É fácil, meu amor
Um sonho novo todo dia
Que ninguém sonhou
Oh... oh...
Canção de amor

A realidade começa pela palavra em curso, pelo discurso que diz, entre outros, “Faça-se a luz!”. Porque o breu nos desafia a iluminá-lo, a descobrir os segredos que as sombras cobrem, a enfrentar os perigos de não saber direito onde estamos pisando. Mas também produz a adrenalina que o medo enseja, o desejo de investigar o opaco, o oculto, o segredo contido na ausência da claridade. E isso nos pede, no incita, nos provoca o amanhecer, a construir esse amanhecer que já existe ensolarado em nossos sonhos, em nossos desejos...

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você

A noite da ditadura desafiou a inteligência poética de Chico Buarque. E ele respondeu muito bem, tecendo amanheceres com discursos belíssimos, carregados de esperanças, de sonhos utópicos que prepararam o raiar do dia, desafiando a lógica do autoritarismo capitalista. E cada um de nós temos noites, curtas ou longas, que desejamos que amanheçam.

Mas a ação inspirada somente pelo sonho é ingênua. Pode ser manipulada por interesses perversos, vindo a culminar num pesadelo terrível. Por isso a ação, sendo desencadeada pelo sonho, deve ser dirigida por objetivos e finalidades construídas pela necessidade coletiva, pelo tecimento interdiscursivo com objetivos claros, com critérios bem definidos. Li em algum lugar que todos são chamados a construir discursivamente a vontade geral com igualdade de oportunidades. Se assim não o for, a ação pode ganhar contornos políticos e sociais indesejáveis do ponto de vista emancipatório, ao invés do nascimento de um novo dia, gestado por mulheres e homens que desejam transformar sonhos em realidade concreta, pode haver ainda mais breu dentro do breu, empurrando a rotação para um horizonte de esperança muito longínquo, aonde as preces, as crenças e as virtudes precisam de muita força, de muita fé para continuar resistindo em lampejos no caminho do amanhecer.

E as ações devem ser desencadeadas por um projeto. Uma sistematização geral que faz convergir as ações em torno de princípios gerais levantados das concepções filosóficas e políticas de mundo, de ser humano e de concepções pedagógicas que visem responder aos anseios e necessidades detectadas na avaliação diagnóstica da realidade rebelde, da noite que recusa a alvorada, que procura encarcerar o movimento de rotação da terra, na tentativa inútil de impedir o balé cósmico. Por isso mesmo que “apesar de você amanhã há de ser outro dia”.

Um projeto que se quer eficaz, engendrado no sonho de uma humanidade mais feliz, porque mais emancipada do autoritarismo, do consumismo, do individualismo, das violências concretas e simbólicas que, na escola, são expressas pelo analfabetismo, pela indiferença governamental, pela evasão escolar, pela apatia de professores e alunos em relação ao ensino e à aprendizagem, requer a participação dos sujeitos que transitam em identidades proibidas pela expressão simbólica e saiam do anonimato empunhando suas práticas discursivas como motores de suas ações emancipatórias. A humanidade usurpada dos educandos por mecanismos de exclusão social não é, nem pode ser, recuperada por processos didáticos e pedagógicos licenciosos (pode tudo) nem autoritários (nada pode), sem clara definição de sua função social (Técnica, Humana e Política), sem direcionamento político e cultural, articulados numa perspectiva filosófica e política democrática de ser humano e de mundo.

Sonhar é preciso, mas objetivar pedagogicamente este sonho na escola é ainda mais preciso. É preciso que a escola pública amanheça para milhões de crianças, adolescentes, jovens, adultos e anciãos brasileiros, especialmente os baianos, há mais de 90 dias sem aulas. Muitos sonhos na escola são perdidos por falta de um processo sistemático de objetivação da subjetivação que o sonho representa. O projeto político pedagógico, sem objetivação sistemática, fica perdido no limbo e o sem-sentido toma conta do cotidiano escolar, repetindo, como diria Gilberto Gil “as velhas formas do viver”, numa rotina pesada e enferrujada.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel  

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