O sonho é o motor da ação,
tanto no plano individual como no plano coletivo. Para que algo aconteça a
gente primeiro sonha, pensa, planeja, antecipa idealmente uma realidade que
ainda não existe. O sonho é um elemento fundamental para que algo se concretize
no cotidiano. “Se em teu centro, um paraíso não puderes encontrar não existe
chance alguma de, algum dia, nele entrar”, já dizia Ângelus Silesius, místico
medieval. Há de se ter “fé no que virá” e acreditar que nós podemos muito, que
podemos um pouco mais do que fazemos, como sonhava Gonzaguinha. Milton Nascimento e Fernando Brant
apontam para a necessidade de cultivarmos nossos sonhos como antecipações de
realidades de felicidade, justiça, alegria, amizade, meninada, prazer, amor,
liberdade, vinho e pão para todos e todas. E pedem cantando...
São José da Costa
Rica, coração civil
me inspire no meu
sonho de amor Brasil
Se o poeta é o que
sonha o que vai ser real
bom sonhar coisas
boas que o homem faz
e esperar pelos
frutos no quintal
Sem polícia, nem a milícia,
nem feitiço, cadê poder?
(http://letras.mus.br/milton-nascimento/47420/,
acesso em 04/07/2012)
O grupo 14 BIS também
apresenta essa importância dos sonhos, das crenças, das lendas na construção do
imaginário...
Como
num romance
Um
Deus risonho aqui passou
Derramando
cachoeiras
Pela
serra em flor
Viver
no coração da lenda
É
fácil, meu amor
Um
sonho novo todo dia
Que
ninguém sonhou
Oh...
oh...
Canção
de amor
(http://www.vagalume.com.br/14-bis/romance.html#ixzz1zgS2rIjs
, acesso em 04/07/2012)
A realidade começa pela
palavra em curso, pelo discurso que diz, entre outros, “Faça-se a luz!”. Porque
o breu nos desafia a iluminá-lo, a descobrir os segredos que as sombras cobrem,
a enfrentar os perigos de não saber direito onde estamos pisando. Mas também
produz a adrenalina que o medo enseja, o desejo de investigar o opaco, o oculto,
o segredo contido na ausência da claridade. E isso nos pede, no incita, nos
provoca o amanhecer, a construir esse amanhecer que já existe ensolarado em nossos
sonhos, em nossos desejos...
Apesar de você
Amanhã há de ser
outro dia
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de
rir
E esse dia há de vir
Antes do que você
pensa
Apesar de você
A noite da ditadura desafiou
a inteligência poética de Chico Buarque. E ele respondeu muito bem, tecendo
amanheceres com discursos belíssimos, carregados de esperanças, de sonhos
utópicos que prepararam o raiar do dia, desafiando a lógica do autoritarismo
capitalista. E cada um de nós temos noites, curtas ou longas, que desejamos que
amanheçam.
Mas a ação inspirada somente
pelo sonho é ingênua. Pode ser manipulada por interesses perversos, vindo a
culminar num pesadelo terrível. Por isso a ação, sendo desencadeada pelo sonho,
deve ser dirigida por objetivos e finalidades construídas pela necessidade coletiva,
pelo tecimento interdiscursivo com objetivos claros, com critérios bem
definidos. Li em algum lugar que todos são chamados a construir discursivamente a vontade geral com igualdade de oportunidades. Se assim não o for, a ação pode ganhar contornos políticos e sociais indesejáveis do
ponto de vista emancipatório, ao invés do nascimento de um novo dia, gestado
por mulheres e homens que desejam transformar sonhos em realidade concreta,
pode haver ainda mais breu dentro do breu, empurrando a rotação para um
horizonte de esperança muito longínquo, aonde as preces, as crenças e as
virtudes precisam de muita força, de muita fé para continuar resistindo em lampejos no caminho do amanhecer.
E as ações devem ser desencadeadas
por um projeto. Uma sistematização geral que faz convergir as ações em torno de
princípios gerais levantados das concepções filosóficas e políticas de mundo,
de ser humano e de concepções pedagógicas que visem responder aos anseios e
necessidades detectadas na avaliação diagnóstica da realidade rebelde, da noite
que recusa a alvorada, que procura encarcerar o movimento de rotação da terra,
na tentativa inútil de impedir o balé cósmico. Por isso mesmo que “apesar de
você amanhã há de ser outro dia”.
Um projeto que se quer
eficaz, engendrado no sonho de uma humanidade mais feliz, porque mais
emancipada do autoritarismo, do consumismo, do individualismo, das violências
concretas e simbólicas que, na escola, são expressas pelo analfabetismo, pela
indiferença governamental, pela evasão escolar, pela apatia de professores e
alunos em relação ao ensino e à aprendizagem, requer a participação dos sujeitos que transitam em identidades proibidas pela expressão simbólica e saiam do anonimato empunhando suas práticas discursivas como motores de suas ações emancipatórias. A humanidade usurpada dos
educandos por mecanismos de exclusão social não é, nem pode ser, recuperada por
processos didáticos e pedagógicos licenciosos (pode tudo) nem autoritários (nada pode), sem clara
definição de sua função social (Técnica, Humana e Política), sem direcionamento político e cultural,
articulados numa perspectiva filosófica e política democrática de ser humano e
de mundo.
Sonhar é preciso, mas
objetivar pedagogicamente este sonho na escola é ainda mais preciso. É preciso que a escola pública amanheça para milhões de crianças, adolescentes, jovens, adultos e anciãos brasileiros, especialmente os baianos, há mais de 90 dias sem aulas. Muitos
sonhos na escola são perdidos por falta de um processo sistemático de
objetivação da subjetivação que o sonho representa. O projeto político
pedagógico, sem objetivação sistemática, fica perdido no limbo e o sem-sentido
toma conta do cotidiano escolar, repetindo, como diria Gilberto Gil “as velhas
formas do viver”, numa rotina pesada e enferrujada.
Joselito da Nair, do Zé, do
Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
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