quinta-feira, 2 de agosto de 2012

VÁ SENDO O QUE NÃO É, QUE VOCÊ NUNCA SERÁ

Vivemos numa sociedade da mentira, que projeta na propaganda seu alter ego, sua super imagem, que não passa de um simulacro que oculta uma realidade pobre, pouco capaz, contrária àquilo que propagam sons e imagens enganosas. Bancos, sistemas educacionais, operadoras de celular, lojas de varejo, governos e até nós mesmos, projetam (os) imagens mais ou menos ou totalmente falsas, ora projetando aquele que queríamos ser, como uma sombra fantasma, ora intencionalmente, como governos e lojas de varejo, tentando enganar os consumidores-eleitores com esperanças vãs de realizações, seja no ato da compra, seja no alto risco do voto.

O consumidor-eleitor é tratado, ou melhor, mal tratado no particular, quando está frente a frente com a empresa ou órgãos do governo, exigindo seu direito negado, pelo produto com defeito ou pela política pública inexistente. Mas no palco desnudo da coletividade, onde o bastidor pode ser visto, no cenário montado pela mentira midiática, ele passa a ser o telespectador acariciado, desejado pela armadilha montada para pegá-lo individualmente como telespectador-massa – onde os principais atores usam máscaras para ocultar suas verdadeiras más intenções e identidades – mas não como subjetividade desconfiada dos arranjos falsificados pelo espetáculo esdrúxulo da sociedade do consumo e articulado politicamente para mudar as estruturas de poder que o submetem ao lugar de homem/mulher invisível.

Você, como indivíduo, é ninguém. Você, com nome, endereço e, principalmente, cpf e título de eleitor, nada significa para governos, a não ser um voto, ou um contribuinte de impostos para o estado; Você não significa grande coisa nem para as empresas, grupos e instituições, a não ser quando compra, quando assina o contrato draconiano que leva o suor do seu trabalho, algumas vezes em objetos desnecessários e insignificantes. Você só significa um rosto perdido na multidão, um elo da grande corrente de consumo, de votos, de apoios e de doações para o "Teleton" ou para o "Criança-Esperança", como “amigo da escola” ou mesmo um telefonema para algumas falsificações humanas expostas no "big brother Brasil" ou aberrações humanas aprisionadas numa “fazenda”. As vezes me sinto como no filme Matrix: um corpo alimentando a grande máquina, sendo sugado por muitos tentáculos, recebendo a compensação de viver numa ilusão, num mundo virtual que a propaganda me conduz. O fantasma humano, invisível nos hospitais, nas filas de supermercados, nos engarrafamentos, nos ônibus lotados e geralmente atrasados, nos campos imensos de concentração contemporânea, aonde respeito à dignidade humana é também mais um discurso oco de governo, em permanente campanha eleitoral.

Você só vale no atacado. No varejo você é trucidado pelo marginal, também ele um humano invisível, que age sem medo da justiça, justiça que funciona para si mesma; sem culpa, sem medo da polícia, polícia que geralmente só enxerga o marginal como um alvo permanente para os seus “jogos vorazes”, mas não existe como prevenção contra o crime e a favor da proteção do pagador de impostos. No varejo você é trucidado pelo desprezo e negligência das lojas no pós-venda, na revisão caríssima dos automóveis, nas armadilhas contidas nos contratos das construtoras e incorporadoras de imóveis, nos juros altíssimos dos cartões de crédito, nos cheques ditos “especiais” e nos empréstimos que só fazem engordar os lucros dos bancos privados. 

Eu me referi a marginal. O marginal é uma categoria criada socialmente, evidentemente pelos eventos que ocorreram e pelos sentidos que foram tecidos em interpretações que desembocaram, ou foram desembocadas, em formações discursivas que estabilizaram sentidos sobre essa realidade dos crimes e dos marginais que os praticam, entrecruzados pela memória escravagista e colonial que definiu alguns desses contornos culturais perversos. Tanto é assim que Maluf, João Alves, Roberto Jeferson, José Dirceu, Marcos Valério, Cachoeira, Fernando Collor e tantos outros criminosos dessa república, não são considerados marginais. Há crimes que compensam, porque nossa cultura foi erguida nessa base escravagista e colonial, onde, ao ocupante da "Casa Grande", os crimes não são assim considerados, por causa de um direito adquirido sobre tudo o que possui, inclusive os demais humanos, cujos crimes são punidos severamente pelos novos "capitães do mato".  

Dessa forma, parece-me que o marginal, assim como transforma o indivíduo em vítima, também ele é eleito alvo preferido da sociedade que aciona a polícia com seu direito legal de matar. Torna-se, assim, ele mesmo, alvo do massacre, da guerra urbana que acumula corpos e mais corpos em cemitérios abarrotados de vítimas. No marginal o ser humano desaparece. Marginal, portanto, não é alvo de recuperação, através de ações educativas e projetos culturais, norteados por uma política pública de ressocialização que privilegie o retorno do ser humano do mundo do crime para o convívio social. O presídio é a instituição que representa bem isso. Ao invés de espaço privilegiado para reflexão sobre o crime e seus desdobramentos, sobre os mecanismos sociais e históricos da produção e reprodução da violência concreta e simbólica, além de outras reflexões, torna-se espaço de potencialização do crime, das interações educativas que aperfeiçoam estratégias de violência e de sujeição das futuras vítimas dos criminosos que tecem em rede a reprodução de sua condição desumana. 

Mas propagandas não faltam para dizer que tudo vai bem e que você, como “cidadão” recebe tudo que precisa do estado. E não faltam propagandas, meios e mensagens para lhe convidar a adquirir – com aquela voz perturbada de pressa e de fim de mundo, pois se você não comprar o armagedom pode chegar – tudo o que você precisa, desde guarda-roupas que despencam na primeira mudança, até alarmes e bloqueadores de automóveis via satélite ou proteções elétricas dos muros e seguros de vida, porque o marginal pode estar à espreita, esperando você deixar de pagar sua segurança para roubar seu carro, seu dinheiro, sua vida. Só não preveem o marginal que não precisa pular o muro, porque já está do seu lado, abrindo os portões para o crime compensar, pelo menos psicologicamente. 


A verdade é que ninguém está interessado em garantir sua segurança particular ou coletiva. Suas misérias humanas são vistas contemporaneamente como oportunidades de surgimento de novas mercadorias, sejam elas discursos eleitoreiros, sejam produtos como, por exemplo, antivírus para computador. A sociedade da mentira fabrica suas invenções para vendê-las ao ponto de ebulição de cada indivíduo imerso numa massa amorfa, denominada genericamente de “povo”. Até para você, senhor e senhora ninguém, há produtos que podem fazê-lo (a) tornar-se um alguém que nunca existirá, porque já não existe em você mesmo (a). Mas que você pode ficar parecido com ele (a) ao adquirir a roupa, o relógio, o diploma, o carro, o laptop, o apartamento, entre tantas e tantas coisas à venda. Nada mais natural numa sociedade que parece ser o que não é, e, assim, dificilmente será. Uma busca em torno do nosso ser, é fundamental para nosso conviver.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

2 comentários:

  1. Ensaiava escrever exatamente sobre isso, professor: ser-se... E me deparo com essa obra de arte, entremeada de política e criticidade.

    Esse texto precisa ser lido de joelhos. Sem mais!

    Abraços e obrigado pelas caras inspirações!

    Handherson

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  2. Obrigado Handherson,
    Precisamos refletir sempre nossa contemporânea condição humana.
    Um abraço e até a próxima

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joselitojoze@gmail.com