De modo muito amplo ideologia é um
conjunto de ideias, crenças e valores que intenciona te convencer que você vive
num mundo cheio de oportunidades de crescimento e desenvolvimento pessoal e
coletivo, e que tudo depende do exercício de sua capacidade de criar, de
desenvolver-se com esforço e denodo em busca de um melhor lugar na sociedade.
Você começa a pensar que a culpa é sua por não ter sido selecionado (a) pela
eficiente máquina econômica e social que separa os (as) melhores (as) e mais
esforçados (as) dos (as) demais. É justamente assim que o competente
publicitário Nizan Guanaes nos faz pensar em seu artigo intitulado “Fruta
Feia”, publicado no jornal A Tarde de ontem, terça-feira, 27/05/2014,
utilizando sua ideologia que poderia passar despercebida por quem não presta a
devida atenção crítica ao encadeamento de suas ideias.
Quando eu afirmo que Guanaes é
competente, disso não tenho dúvida e não é nenhuma ironia, até mesmo porque
seria tolo fazê-la em função do seu reconhecimento social por conta do seu
trabalho, incluindo o artigo que venho a criticar em sua essência. O autor
acima começa a explicar o sucesso de um grupo de empreendedores voluntários de
Portugal, liderados por Isabel Soares, que lançou a cooperativa denominada por
eles de “Fruta Feia”, que dá nome ao título do seu texto. Guanaes destaca
corretamente a criatividade e o senso de oportunidade que Soares e seus colegas
utilizam para o sucesso do empreendimento. Segundo ele:
A ideia de Soares é brilhante, e sua
marca também. Fruta Feia virou fruta bonita. E ganhou o mundo com propaganda
gratuita via reportagem do jornal mais influente do planeta [New York Times]. Isso é comunicação do
século 21. Isso é entender as mudanças em sua volta – crise econômica europeia,
combate aos desperdícios, valorização do natural – e criar um conceito, um
produto, uma marca que possam levar essas mudanças ao próximo patamar. Este é o
caminho. (GUANAES, 2014, p. B6).
Até aí tudo bem. Ninguém em sã
consciência vai discordar do exercício da criatividade na produção de uma
novidade importante para a mudança salutar do comportamento no consumo e na
produção, gerando dividendos importantes para os (as) empreendedores (as) e
para a sociedade. A iniciativa destacada pelo publicitário brasileiro é
importante e apresenta lições preciosas para nós. Contudo, o autor do texto que
desencadeou essa discussão, extrapola de sua tarefa de nos apresentar uma
iniciativa exitosa e invade o campo ideológico na tentativa de dirigir o
sentido e seu efeito para a percepção do fenômeno de modo a nos embotar a
consciência dos efeitos perversos que a exclusão econômica contemporânea
provoca em nossa sociedade. Guanaes afirma, nesse sentido que:
Como minha querida amiga Arianna
Huffington colocou em seu mais recente livro, o sucesso não é mais o acúmulo de
dinheiro e de poder. Isso é insustentável. É preciso encontrar a terceira
medida: a felicidade. E ela se sustenta em quatro pilares: bem-estar,
sabedoria, encantamento e benemerência. Fruta Feia se sustenta nesses quatro
pilares. E sua atividade? (GUANAES, 2014, p. B6).
Ora, o que está dito acima pode
convencer algum jovem profissional iludido com a possibilidade de rápido
crescimento na empresa ou crianças, mas não convence nem mesmo os (as)
profissionais da área de comunicação, mulheres e homens experimentados, sagazes,
que sabem que o bem-estar é um processo de luta contínua entre as classes
sociais; que geralmente a sabedoria é colocada de lado em nosso mundo, que
nossos motivos de encantamento estão cada vez mais distantes e que a
benemerência quase sempre é desvalorizada em nosso contexto político, cultural
e social brasileiro. Dinheiro e poder é insustentável para o sucesso? Em que
mundo? Certamente que o da cabeça dele, que tem dinheiro e exerce um poder nada
desprezível como intelectual orgânico do campo da comunicação, mantendo o seu sucesso em dia.
Portanto, embora o destaque dado à
iniciativa da portuguesa Isabel Soares pelo publicitário Nizan Guanaes seja
louvável, exemplo de onde podemos recolher elementos para a nossa ação e reflexão,
a conclusão do seu artigo revela uma ideologia rasteira e pouco convincente,
que pode contribuir para que muitos (as) jovens cheios de boa vontade e de
garra sejam iludidos por uma realidade que não existe, mas que foi colorida
artificialmente a fim de dourar a pílula da falsa igualdade de oportunidades
para o exercício da criatividade, da iniciativa empreendedora que conduz ao
sucesso nesse mundo tão desigual,
conforme canta Gilberto Gil em sua “A Novidade”.
Joselito da Nair, do Zé, de Ana Lúcia,
de Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel. Com o auxílio de
GUANAES, Nizan. Fruta Feia. A
Tarde. Salvador, terça-feira, 27/05/2014. p. B6.
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