terça-feira, 27 de março de 2012

PARTICIPAÇÃO

Ontem, 27/03/2012, assisti a entrevista que o repórter da Globo, Jorge Pontual, no programa Milênio, exibido na Globo News, fez com o filósofo americano Michael Sandel e fiquei, digamos, um pouco esperançoso diante do mundo que frequento com minha subjetividade. Ele fala do convite aristotélico ao telos, à participação no espaço público do debate e das decisões políticas. Sandel fala, num dos trechos, “que precisamos criar o sentimento de que o governo democrático pertence a todos.” Diz que precisamos criar um espírito de civismo e de responsabilidade pública e de que nossa política tornou-se muito gerencial e tecnocrática, focada demais em questões econômicas limitadas. Afirma que isso tem deixado à margem questões genuinamente políticas, inclusive questões éticas e questões espirituais que surgem no debate político. Pois bem: penso com ele que somente o debate público dos problemas que interessam à sociedade é que joga luz sobre tais problemas, a luz das vozes coletivas que se manifestam em discursos, posicionando-se ideologicamente e logicamente diante dos encaminhamentos que devam ser dados a tais problemas. Essa luz da participação no debate público não somente encaminha os problemas, supervisiona suas aplicações e implicações, reduzindo a possibilidade de corrupção e, também, educa o julgamento que as pessoas fazem de tais problemas, aprimorando sua capacidade e melhorando sua participação individual na arena pública das decisões.

Michael Sandel afirma que "a política é o exercício da capacidade humana de julgamento". De fato, a política é o espaço e o lugar, a arena, por assim dizer, de decisões que dizem respeito a todos e a todas, e, tanto essas decisões como seu conteúdo e seu processo, devem ser trazidas para o âmbito da participação, da possibilidade de participação de toda e qualquer pessoa que assim o deseje, inaugurando, de fato, a democracia. O debate é algo fundante de todo processo e de qualquer estrutura que se caracterize como democrática. É no debate que os posicionamentos se revelam e que a dialética se estabelece, permitindo metadebates, ou seja: a análise reflexiva do que está sendo dito; do que não está, mas deveria ser dito; do que não deveria ser dito, do que já foi dito antes e está sendo reeditado e, entre benditos e malditos, a decisão seja um processo em que, tanto seus encaminhamentos, quanto seus desdobramentos favoreçam o aprimoramento da capacidade humana de julgar o objeto de discussão e de posicionar-se conforme suas crenças, suas ideologias e suas razões diversas.

A participação é uma condição requerida em todo o processo social. É muito difícil encontrar alguém que, deliberadamente, possa colocar-se contra a participação. No mundo empresarial, por exemplo, o modelo de gestão requer a participação ativa do funcionário, “vestindo a camisa da empresa” a fim de reduzir custos e aumentar a produtividade, visto que, em última instância, quem faz a diferença não são as novas tecnologias, mas empregados criativos, participativos e dinâmicos. Mas o que é mesmo participar? Segundo Habermas (1975, p.159), “significa que todos podem contribuir, com igualdade de oportunidades, nos processos de formação discursiva da vontade.” Interpretando-o, Catani e Gutierrez nos diz que “participar consiste em ajudar a construir comunicativamente o consenso quanto a um plano de ação coletivo.” (2000, p.62). Penso que tal definição vai ao encontro do que Michael Sandel afirma sobre o amadurecimento da capacidade de julgamento individual na participação ativa da formação discursiva da vontade, onde os consensos e os conflitos a partir de posicionamentos distintos vão nos permitindo adotar uma perspectiva de alteridade, a partir do trânsito que somos obrigados a fazer, até mesmo para compreender, do nosso olhar para outros olhares, do que achamos ser nosso discurso para outros discursos sobre os problemas apresentados na arena do debate político, na multiplicidade de discursos e sentidos que a memória atualiza no tecimento ininterrupto da realidade e dos sujeitos. 

Nesse sentido, a participação requer, a meu ver, o envolvimento de diferentes atores sociais num ambiente democrático e dialógico, para que a formação discursiva da vontade não caia no erro da imposição da vontade, tornando-a artificial, uma espécie de contravontade, baseada numa necessidade artificial. Em função disso, esse ambiente é criado, não por artificialidades burocráticas e demagógicas, mas por uma necessidade coletiva detectada pragmaticamente pelo coletivo de pessoas que compartilham de uma experiência semelhante sobre o mundo em que estão inseridos, e que precisam decidir, da melhor forma possível, sobre o que fazer diante dos problemas que os afetam. Há, inevitavelmente, um processo educativo assistemático, mas eficaz, quando um sujeito se insere, por obrigação, curiosidade ou necessidade, na “construção discursiva da vontade” geral. A responsabilidade pela construção do espaço público, pelo cuidado com o espírito cívico, a capacidade de ouvir, a sensibilidade da escuta, a consideração de um ponto de vista diferente do seu, a busca da superação do conflito pela construção do consenso, através de negociações e construções de acordos, onde há perdas e ganhos individuais, entre outros, contribuem, sobremaneira, para a educação política de cada sujeito envolvido diretamente no processo que se desenvolve no debate público. 


Esse raciocínio acima me lembra a história do discípulo que queria ser sábio e procurou seu mestre para realizar seu desejo. Chegou à presença do mestre e afirmou o seu intento: - Mestre, desejo ser sábio! O mestre prontamente respondeu: - Você já comeu? O discípulo ficou confuso. Pensou consigo: - eu venho aqui à presença do mestre e revelo o meu nobre desejo de tornar-me sábio e ele me responde com uma pergunta que beira o non sense. De qualquer forma, o discípulo respondeu: - Já mestre, eu já comi. Ao que o mestre recomendou: - Então vá lavar a tigela! O grande problema de muitos discípulos é que desejam o “mestrado” antes de “lavarem a tigela”, antes de começarem a pensar sobre as coisas simples do cotidiano e se debruçarem a entendê-las. Não percebem que a sabedoria começa pela contemplação das coisas aparentemente banais e pelo envolvimento reflexivo no cuidado  com as coisas mais simples e imediatas da vida.  Não percebem que a aprendizagem da participação se dá pela participação mesma, ativa, reflexiva, constante, persistente. É dessa participação que nascem os conteúdos universais que conduzem o ser humano à sabedoria.

Contudo, os espaços públicos de decisão estão a cada dia mais degradados, mais asfixiados, mais entupidos de sujeiras, de lixo, de gordura, de bactérias e de vírus, produzindo um chorume político e cultural que ameaça a debilitada democracia brasileira. Como aprender a exercer a participação numa nação onde os Três Poderes da República se locupletam em indecência, escândalos, desvios do dinheiro público, cinismo, e, sobretudo, a impunidade sem-vergonha que sela o bom investimento dos criminosos. As pessoas, ao se defrontarem com esse mar de lama, receiam participar de tudo o que vem com a marca do público, pois temem afundar nessa areia movediça que caracteriza o poder público, com raras exceções, no Brasil. Assim, vão privando seus discursos dos insultos públicos e vão se privando de indignar-se publicamente diante desse estado corrupto de coisas, nos espaços criados para isso. Essa atitude vai asfixiando ainda mais a democracia, por falta do contraditório, por falta do anseio de justiça, pela banalização e naturalização da injustiça, da impunidade, da incompetência sistematicamente construída para manter o privilégio nesse país de falácias. A luz do público vai se apagando e, no escuro desse processo, os bandidos, os facínoras, os cínicos, os fatalistas, os criminosos, vão agindo, distantes dos olhos da população. Até a religião vai encontrando caminho para impor seus dogmas e suas crenças únicas, ferindo de morte a pluralidade religiosa, como acontece em Ilhéus, onde é exigida a oração do Pai Nosso antes do início das aulas. 

Mas ainda há esperança. Aqui mesmo em Salvador, o Movimento Desocupa Salvador representa uma iniciativa pública na criação de um espaço de debates e manifestações contra o abandono em que nossa cidade se encontra, não apenas pelo atual ex-prefeito – pois já deixou de governar a cidade desde o carnaval – mas também pelo atual Governador, que não toma iniciativa alguma para salvar a cidade do abandono em que se encontra, entregue ao lixo, ao mijo, aos bandidos, aos automóveis, aos arranha-céus que se multiplicam sem planejamento urbano, aos empresários espertalhões do carnaval que invadem Salvador com seus megacamarotes em busca do lucro mesquinho. Esse movimento não aceita participação dos partidos, sabe que será usado eleitoralmente e evita a lama que alcança a bainha – nem só a bainha – das calças dos que se vestem, comem, se movem, viajam com os recursos públicos. Esse “Desocupa”, de certa forma, reinventa a política, porque requer a participação por amor ao espaço público, pela defesa e promoção desse espaço, pelo civismo que caracteriza o movimento, em busca de uma cidade e de agentes políticos ativos, movidos pelo cuidado com o que é de todos, e não apenas do que é apenas meu, ou apenas seu. O que essas pessoas estão fazendo nos convida a sair do sonho ilusório, do abstrato da palavra e adentrar em sua concretude, unindo reflexão e ação, sonho e realidade, ser humano e sua cidade, tornando-nos políticos acima de qualquer suspeita, porque decidindo na luz que emana dos espaços democráticos de decisões.
Joselito Manoel com o auxílio de
BARROSO, João. O reforço da autonomia das escolas e a flexibilização da gestão escolar em Portugal. In Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. Naura Carapeto Ferreira (org.) 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2000.
MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala. 2. Ed. São Paulo: Contexto, 2010.
GUTIERREZ, Gustavo Luis; CATANI, Afrânio Mendes. Participação e gestão escolar: conceitos e potencialidades. In Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. Naura Carapeto Ferreira (org.) 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2000.

quinta-feira, 22 de março de 2012

"A Mando"de Ana

Continuo te amando como nem sempre
Sempre que te amo como sempre,
eu te amo como ontem eternamente.

Sem pré! Sem prós ou contras
te amo desde o tempo em que sonhava
e sonho todo o tempo que puder

Te amo no futuro, no escuro dos ponteiros
te amo no zigoto e no cinzeiro
te amo do seu fio de cabelo ao dedinho do seu pé.

Pois sim, pois é!
É sempre assim, sem pós, nem pré
Te amo agora, depois, antes e até.

Joselito da Ana Lúcia  

terça-feira, 13 de março de 2012

MEDIAÇÃO NA AVALIAÇÃO

Corrigindo a avaliação que apliquei semana retrasada, deparei-me com uma boa resposta da aluna Naiane Oliveira Damercê, à seguinte pergunta: “Quando uma pessoa aprende algo, ela domina o que aprendeu e sabe fazer muito bem os procedimentos necessários que envolvem aquele aprendizado. Explique, de maneira sucinta, algo que você aprendeu bem, e explique isso utilizando uma, ou mais, abordagem (ns) teórica (s) estudadas em nossa disciplina: Teorias do Desenvolvimento." A resposta foi a seguinte:

Aprendizado requer persistente busca do conhecimento, quer desvendar o sentido de determinado objeto e explicar de maneira simples o conhecimento obtido. Foi partindo dessa perspectiva que aprendi sobre a história do Cangaço, ancorada no modelo relacional, onde a curiosidade adquirida a partir de histórias contadas pelos meus pais instigou-me a buscar conhecer mais profundamente esse momento histórico. Nessa ânsia de aprender, aconteceu no colégio em que eu estudava a Semana de Cultura. Foi então que minha professora, percebendo o meu desejo, assim como de outros colegas, propôs o tema “Cangaço”, orientando-nos nas pesquisas, decoração da sala, tornando, dessa forma, o aprendizado prazeroso e simples. Esse Interacionismo professor-aluno contribuiu significativamente para meu bom desempenho nas questões e debates relacionados com o tema.

Bem, como concebo a avaliação como mais um momento privilegiado de aprendizagem e de ensino, procurei dialogar com Naiane a fim de potencializar a reflexão descritiva que se encontrava naquela resposta. Fui, assim, desenvolvendo o diálogo.

Nesta questão você, Naiane, descreveu um caminho de aprendizagem, com passos necessários para que tal aprendizagem se configure em seu potencial cognitivo. Vamos enumerar esses passos?

1.    PERSISTENTE BUSCA DO CONHECIMENTO.

Verdade. O conhecimento não cai do céu. É preciso buscá-lo. E essa busca é que gera conhecimento e autoconhecimento. O conhecimento não está dado nos livros didáticos, na internet, nos cd´s, nas emissoras de rádio e tv. O conhecimento é construído em sua busca. E parte dele está nas informações disponibilizadas nas emissoras de rádio, tv, na internet, nos cd´s, nos livros, enfim. Mas a parte principal está na qualidade de quem busca o conhecimento, tanto de quem ensina, quanto de quem aprende. Decorre daí que o professor deve também buscar o conhecimento, e não colocar-se numa posição daquele que possui o conhecimento, utilizando-o como legitimação de seu poder sobre os educandos. A relação professor-aluno é transformada qualitativamente em função da própria maneira de se lidar com o conhecimento, que deixa de ser um produto dado e pronto, para ser uma aventura permanente em busca da incessante disposição do ser humano para transformar o mundo a seu favor sem, no entanto, destruí-lo. O conhecimento não cessa, porque, simplesmente, não cessam os problemas que exigem da humanidade sua adaptação criativa diante do fenômeno de nossa existência nesse planeta-mãe.

É no sujeito epistemológico (a pessoa que pode e quer conhecer algo) com suas indagações, inquietações, desconfianças e intuições que está a qualidade do conhecimento a ser construído. Uma pessoa desorganizada, sem método, sem persistência, com pouca leitura e parca curiosidade, provavelmente terá pouco sucesso em sua empreitada intelectual, seja na escola, seja na universidade, seja no que quer que faça. A persistência vem da vontade, do desejo da pessoa que quer, verdadeiramente, aprender. É uma característica básica de qualquer pesquisador, institucionalizado ou não: persistir, buscar com afinco e não desistir nos primeiros fracassos.

2.    O QUERER DESVENDAR O SENTIDO DO OBJETO EM ESTUDO

É uma atitude natural do ser humano, querer desvendar o segredo das coisas, o que Paulo Freire denominava de “curiosidade natural”. O grande problema é que a escola e o currículo, ao formalizar o objeto de estudo, retira-lhe o ser de si, para si. Destitui a ontologia histórico-social que engendrou o mistério contido no objeto, retirando-lhe sua energia simbólica que pulsa em sua existência, fazendo com os educandos percam a vontade de conhecer o que, aparentemente, já é por demais conhecido. Por que estudar algo que não tem segredos, nem magia? Por que examinar e refletir sobre algo que já está, aparentemente exposto e morto? Fica para o educando um objeto de conhecimento esvaziado de sentido. Querer desvendar o sentido do objeto requer uma atitude investigadora, que começa com o espanto (filosófico) inicial, partindo para perguntas e levantamento de pistas para ir verificando empiricamente o objeto da nossa curiosidade epistemológica. Finalmente, tiramos nossas conclusões provisórias e as compartilhamos com parentes, amigos, outros curiosos ou o que Thomas Kuhn denomina de “comunidade científica.”

O conhecimento é a busca da construção mental da ordem. E aqui não desejo entrar na discussão filosófica sobre a ordem e a desordem. Reconheço perfeitamente o papel da desordem em nossa existência.

Problema duplo por toda parte: o da necessária e difícil mistura, confrontação, da ordem e da desordem. O desenvolvimento de todas as ciências naturais fez-se, desde meados do século passado, por meio da destruição do antigo determinismo e no confrontamento da difícil relação ordem e desordem. As ciências naturais descobrem e tentam integrar aleatoriedade e desordem, quando eram deterministas a princípio e por postulado, enquanto, mais complexas por seus objetos, mas mais atrasadas em sua concepção de cientificidade, as ciências humanas tentavam expulsar a desordem. (MORIN, 1999, 197-198)

Entretanto, meu objetivo aqui não é discutir a relação entre a ordem e a desordem, mas dialogar com sua descrição sobre seu processo de aprendizagem e fazê-la avançar no domínio dos conceitos fundamentais e das categorias teóricas estudadas em nossa disciplina, Teorias do Desenvolvimento, a fim de que tais abordagens teóricas a auxiliem em seu trabalho docente, potencializando sua formação profissional nesse campo.

Para viver o ser humano precisa da ordem, pois a desordem não permite a previsão, a preparação para os eventos. Sem esta ordem criada socialmente, o ser humano é o mais frágil de todos os animais e logo seria extinto. É por isso que a busca da ordem, através da construção permanente do conhecimento, deve ser uma necessidade concreta e simbólica e não uma mera obrigação didática ou acadêmica enfadonha que muitas vezes nós, educadores e educadoras, impomos sobre nossos educandos e educandas, tornando a escola um espaço indesejável. Sobre isso, Rubem Alves (2006) afirma que “a ciência é uma função da vida. Justifica-se apenas como órgão adequado à nossa sobrevivência. Uma ciência que se divorciou da vida perdeu sua legitimação.” (p. 40). A “desordem” é um problema para o ser humano. E toda investigação começa com um problema. Um desses que nos espanta e atiça a nossa vontade de compreensão. “Um problema significa que há algo errado ou não resolvido com os fatos.” (ALVES, 2006.p. 43).

A descrição de sua experiência de aprendizagem foi perfeita nesse sentido, revelando-se e revelando uma educadora sensível, atenta e comprometida com a assunção cultural dos seus educandos e suas educandas envolvidos (as) no processo educativo. Este processo descrito por você começou a partir do desejo pulsante, engendrado em sua história familiar e no modo dessa família de partilhar histórias entre seus membros. Vocês ampliaram sua visão sobre a História do Cangaço sem perder de vista o rigor acadêmico que a disciplina exige. Isso traz esperança, que constitui a metodologia dialógica freiriana. (FREIRE, 1999). A esperança é um elemento permanente da aprendizagem. É preciso sonhar alegrias com a aprendizagem de algo, é preciso nutrir o espírito da espera ativa que busca o saber para ser mais feliz, mais realizado (a), mais ser humano. A esperança é a força viva que me impele a escrever nessa hora, mergulhado em sua experiência e em seu saber saboroso, a partir de minha experiência e meu saber, emergindo, não mais como era antes dessa majestosa e dignificante interação, através do compartilhamento solidário de saberes que se encontram nessa avaliação.

EXPLICAR DE MANEIRA SIMPLES O CONHECIMENTO OBTIDO

Dizem que sábia é aquela pessoa que consegue explicar as coisas mais complexas de formas simples, para que todos e todas tenham acesso a esse saber. Verdade. Assim como a ordem e a desordem, o simples e o complexo fazem parte de uma mesma realidade, complementar e contraditória. Outro dia estava pensando nos papéis que circulam aqui em casa. O filtro que faz o café, por exemplo. É tão simples que e ao mesmo tempo me faz pensar na sua textura, na sua constituição molecular e em como esse conhecimento foi sendo obtido para transformá-lo nesse uso específico. Ele filtra, mas não rasga, funciona perfeitamente para o seu fim, inclusive, a depender da situação e da necessidade, pode ser usado mais de uma vez. De fato, o conhecimento deve ser explicado, comunicado, a fim de desdobrar-se em novo conhecimento, desde que a realidade material da sociedade e o avanço tecnológico o permita.
Mas há casos de pessoas que não têm capacidade de explicar bem o que sabem. Algumas delas não são professores, nem o querem ser. Que bom. Mas há outras que, infelizmente, desprezam a didática e tudo aquilo que é relativo a ser professor, mesmo quando são professores. Hipervalorizam a ainda frágil pesquisa em função da desvalorização do ensino, o que vem a causar sérios problemas para a formação profissional docente.

O conhecimento obtido é sempre uma construção humana, histórica e, como tal, deve ser sempre submetido ao debate, à desconstrução, o que é essencial para o seu avanço. Nas suas afirmações acima acrescentaria um item e modificaria a ordem que você apresentou inicialmente, deixando em aberto para que outro (a) também proponha modificações e faça avançar nossa discussão, afinal, o conhecimento não está em mim, mas em nossa comunhão solidária em busca de saber mais para sermos ainda mais durante nossa curta estadia na existência.

1.    Problema que incita e provoca a curiosidade;
2.    Vontade de desvendar o sentido do objeto;
3.    Persistente e rigorosa busca do conhecimento;
4.    Constatação e explicação de maneira simples o conhecimento obtido.

Um abraço esperançoso,
Joselito M. de Jesus, com o apoio de:

ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e a suas regras. 11. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 26. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 3. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

NEM MUITO MUITO, NEM MUITO POUCO

Eu, do meu lugar, me acho muito mais.
Embora saiba que isso não importa.
Nem muito mais, nem muito menos,
Nem muito muito, nem muito pouco.
Eu ainda me acho
por ser desencontrado,
pela imaturidade de um ser
que requer afirmação.

Mas desconfio desse modo
de conceber o meu destino.
E desatino a desatar os meus nós
a desacatar os meus orgulhos
e descalçar os meus pós.

Desamarro os meus pés
e enfio a minha língua
pelo vão de uma agulha
pra costurar a minha boca,
e tecer as minhas palavras
com os calçados nas mãos.

Tudo isso para perceber o mundo
de cabeça para baixo,
bem debaixo de outros homens
bem acima dos meus passos.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

NÃO ENTREGA A CHAVE DE VOLTA MOMO!!!


O prefeito da cidade de Salvador, numa entrevista agora há pouco (21/02/2012, jornal das 19:00 horas), na Rede Bahia, terminou de afirmar que esse está sendo um dos melhores carnavais dos últimos tempos. Eu concordo. Pareceu-me que a greve dos policiais deu uma ajuda substancial nesse processo. Com um menor número de pessoas a cidade ficou mais tranquila e sobraram espaços, ingressos, entradas, abadás. Sobrou mais espaço para o povo da terra brincar com mais tranquilidade. Posso estar enganado em minha observação pouco científica, pois estou baseando-me em minha percepção assistemática e rasteira. As vezes a experiência pessoal de cada um é mais verdadeira do que o que de fato aconteceu em termos gerais. Não estou afirmando que isto é a verdade. Mas, a percepção de cada um depende muito de onde essa pessoa se encontra e o que acontece com ela em função dos seus objetivos, entre outros fatores. Por exemplo: outro dia, ao sair do Parque da Cidade, após o show do Ylê, de Magary Lord e de Margareth Menezes, encontrei Mira, uma velha amiga do bairro onde passei a maior parte de minha vida, o Calafate. Ela estava toda feliz, dançando e balançando a caixa de isopor onde vendera a cerveja e a água. Estava com o filho, um rapazinho, no apoio. Estava feliz porque vendera tudo e ainda aproveitou o show gratuitamente, junto com toda aquela gente soteropolitana que merece essa riqueza cultural, trazida pelos afrodescendentes. Eu também estava muito contente. Eu e minha mulher curtimos um showzaço, com joelhinho pra dentro e joelhinho pra fora, com beijinho pra dentro e mãozinha pro alto, na base do “circulou, circulou, circulou”. Um bom show geralmente deixa a maioria das pessoas mais contentes e mais relaxadas.

E eu percebi isso hoje. Não sei se foi jogo de cena, mas pareceu-me que o nosso pior prefeito está mais feliz, mais solto, mais light. A companheira dele pareceu-me uma mulher alegre, disposta a aproveitar cada minuto de sua vida, como na poesia de Jorge Luís Borges. Os dois estavam com tatuagens no antebraço. Ele com o sobrenome dela: “Paraíso”; ela com as iniciais dele: JH. Bem, a despeito de quem estava traindo quem, o que não nos interessa, conforme sua “ex” publicizou em plena Assembleia Legislativa, parece-me que a mudança fez um efeito muito positivo na vida do nosso alcaide. Tomara que o mesmo tenha ocorrido com sua “ex”. Ele andava tristonho, sorumbático, assombrado com o grande imbróglio que é governar a cidade de Salvador. Precisava sempre de outro para governar por ele, o que nunca dá certo. Primeiro foi o PT, teve o assassinato do funcionário do setor de saúde, Neilton da Silveira, numa suposta queima de arquivo por ter descoberto irregularidades na secretaria municipal de saúde. As duas pessoas envolvidas nas acusações de mando, a Ex-subsecretaria Municipal de Saúde, Aglaé Souza, e a Consultora Técnica Tânia Pedroso, acusadas pelo Ministério Público de serem as mandantes, estão em liberdade. 

Depois veio Geddel, dos "Vieira Lima". Geddel investiu grandes somas do Ministério da Integração Nacional, que, naquele momento, parecia mais um ministério ministerioso da integração soteropolitana, em função da reeleição de João Henrique. Juntando nossa desconfiança em torno do governo de Wagner e a aplicação da grande soma de dinheiro no crepúsculo da primeira gestão de João, a reeleição foi conseguida. Mas Geddel não pode faturar politicamente e eleitoralmente com isso, pois começaram as desavenças com a “ex” de João e o caldo entornou. Não se sabe até hoje se João traiu Geddel ou se este último queria ser a eminência parda da prefeitura de Salvador no Governo de João. Depois veio outro João, “o Leão”. Com pose de bom administrador, o “todo-poderoso” chefe da Casa Civil da Prefeitura de Salvador, fala com mais autoridade que o próprio prefeito, e está de olho na cadeira oficial. Mas não saiu nada até agora. A cidade está abandonada e os projetos estão, como a gente bem sabe, “em andamento”, o que significa precisamente, parado e sem futuro!  O que é bom para o PT, mas não para o soteropolitano.

Acredito que depois dessa desastrosa experiência no executivo municipal João Henrique nunca mais lançará candidatura para cargo executivo. Para o bem de nossa cidade de Salvador, de nosso estado da Bahia e dele mesmo. Vai tentar se abrigar no Legislativo e nunca mais fará discurso ou impetrará ação contra qualquer prefeito ou prefeita que venha a ocupar seu lugar institucional. Acredito também que ele, acuado como um animal caçado por todos os humanos do planeta, com a mídia em seu encalço, resolveu “dar uma bonita banana” para todos e todas, entregou a chave da cidade ao Rei Momo, e resolveu aproveitar a vida em seu novo idílio romântico. Foi a ação mais sábia dele em todo o seu mandato! Entregar a cidade ao Rei Momo. Acredito que a prefeitura o traumatizou tanto, que João resolveu abandoná-la muito antes. Está por aí, dançando, beijando muito, de novo amor, novas promessas, novos futuros para si e para ela. Até que tem algo de bom nisso. Tem certos momentos na vida que a gente pensa muito em mandar às favas todas as demandas, todas as etiquetas e todas as intrigas, pirraças e tudo o mais para o inferno. Bem, pelo menos João fez isso de verdade. Está naquela do “[...] Quero que você me aqueça nesse inverno e que tudo o mais vá pro inferno”, inclusive eu, que escrevo este texto e o denomino de “o pior prefeito que tivemos até esse momento da minha vida”. Mas, claro, eu não vou, e nem você.

Prefiro curtir esse momento dele. Pois foi a coisa mais original que aquele outrora homem taciturno, débil e aprisionado fez desde que o conheço com sua linguagem aparada e suas frases pausadas e sem efeitos de sentido. Fico imaginando a fundação do Reinado Momesco de Salvador. Outro sistema polítco. Salvador sem prefeito, em ano eleitoral, já é parada mesmo. E sem João a cidade funciona até melhor. Fica ao sabor natural do bom senso geral. Pelo menos teremos alguns meses, ou todo o seu mandato, de uma experiência administrativa anárquica. Que o Rei Momo engula a chave e de quarta-feira em diante, impere ad infinitum a alegria do povo soteropolitano, que ainda sofre essa cidade abandonada. Para haver grande festa carnavalesca, responsabilidade maior do Rei Momo, é preciso que o povo tenha algo a comemorar, que esteja feliz com sua cidade e na sua cidade. E, na celebração dessa festa, uma perguntinha é muito bem vinda: - vai uma "piriguete" aí "meu rei"?!!

Joselito da Cidade do Salvador

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

CARNAVAL DO CAPITAL, CAPITAL DO CARNAVAL

Estava lembrando-me da metáfora do Rei Midas que tudo que tocava virava ouro. O homem mais rico do mundo e, ao mesmo tempo, o mais infeliz. O ouro não serve para amar, nem para comer, nem para matar a sede e muito menos para viver. Recordei-me também de um filme: “O ouro de Mackenna”, com Gregory Peck, Omar Sharif e Telly Savalas, três excelentes atores do passado. O agora velho Omar Sharif de vez em quando aparece fazendo algum filme como “O 13º Guerreiro”, com Antônio Banderas. A sinopse de “O ouro de Mackenna” é a seguinte:

O delegado MacKenna perseguia a gangue do bandoleiro Colorado quando, ao cavalgar pelo deserto, é alvo de tiros dados por um velho chefe Apache. Ao responder aos tiros, achando que eram os bandidos, MacKenna acaba ferindo mortalmente o índio. Antes de morrer, o chefe lhe dá um antigo mapa que, segundo ele, traz o segredo da localização do 'Canyon del Oro'. Mas o alerta que, ao encontrar o veio de ouro, despertará a fúria de antigos deuses. MacKenna conhecia a lenda sobre o rico veio de ouro dos Apaches e do garimpeiro Lost Adam, que o teria descoberto e fora tornado cego pelos índios para que não achasse mais o local. Ele não acredita no velho e joga o mapa no fogo. Mas grava o desenho na memória.
O desfecho do filme vai comprovar a ira dos deuses e demonstrar a modificação do comportamento de homens e mulheres diante do brilho sedutor do valorizado mineral. Amigos tornam-se inimigos, parceiros matam-se, ali mesmo, deixando sobre o pó amarelo um rastro escarlate de sangue. Todos querendo para si todo o ouro, impossível de ser transportado naquele contexto. O sábio é o personagem cujo nome dá origem ao filme: Mackenna. Mas, claro, se você quiser saber todo desfecho, só assistindo. Acredito que poucas pessoas neste mundo recusariam uma aventura em busca do ouro. Aliás, creio que já vivemos assim, numa aventura em busca de mais e mais algumas graminhas de ouro para concretizar sonhos pessoais. Garipamos aqui e ali. Viajamos acolá onde notícias nos trazem informações sobre algum ganho amarelo a mais. É certo que nesse mudo sem dinheiro não há conforto, não há o carro, não há casa, não há saúde, nem há educação e segurança. Mas o grande problema que o filme mostra é que, ao chegar ao fim do arco-íris, com toda aquela abundância que daria para todos e ainda para muito mais pessoas, os seres humanos são tocados pela febre do ouro, e a insanidade se instaura, desejando tudo apenas para si. E nesse momento o ser humano abandona os seus valores e torna-se um homicida impiedoso. Esquecemos que o mais importante da aventura do ouro não é o ouro propriamente dito, mas a aventura. É a aventura que é o ouro! É nesta que o ser humano é transformado, é lapidado ou não, e, o fim do arco -íris, encontramos a nós mesmos, sempre outro,  algumas vezes mais humanos.

Mas o ouro carrega com ele uma maldição: desperta a ira dos deuses e não dá sossego a quem o possui. O ouro provoca uma febre no ser humano e o destitui de seus valores no instante imediato que seu brilho brilha nos olhos dos insensatos. Já não basta o conforto, nem o bem-estar. É preciso mais, é preciso proteger o bem adquirido e isso exige poder concentrado. Isso exige que a indústria da morte comece a operar e fabricar os corpos oferecidos no altar adornado de ouro. Os filhos se matam pela herança amarela que o falecido pai ou a falecida mãe deixou; os parentes se enfrentam e se aniquilam, tentando concentrar em suas mãos toda a riqueza produzida por quem morreu. E quem morre, morre sempre à míngua. Nada leva, nem o próprio corpo que os vermes apreciam saborosamente. Mas o que isso tem a ver com o título deste texto? Qual a relação com o carnaval?

A questão não é o ouro. É o ser humano e seu modo de viver e compartilhar as riquezas desse mundo. O modo como construiu historicamente a forma de distribuir tudo o que produz: a economia, a ciência, a educação, a cultura, o lazer, os objetos de uso, e todas as coisas produzidas pela humanidade. Criamos o capitalismo para organizar a distribuição da riqueza. E o capitalismo é uma força produtiva poderosa! É como diz Caetano Veloso: “a força da grana que ergue e destrói coisas belas.” Marx reconheceu que não existia, até aquele momento histórico, nenhum sistema produtivo que aglutinasse tantas forças produtivas para produzir rapidamente a transformação da natureza através do trabalho. Entretanto, nenhum sistema criado pelo ser humano é tão eficiente para produzir o ouro e, ao mesmo tempo, concentrá-lo nas mãos de poucos, produzindo, nessa febre, uma imensa miserabilidade, resultado da imposição da concentração do ouro nas mãos de poucos que, durante todas as suas vidas, não precisarão de todo aquele ouro, pois não terão nem tempo suficiente para gastá-lo. E assim a maldição vai passando de geração a geração. Raul Seixas explica bem isso para mim em sua música “Ouro de tolo”. 

Eu devia estar contente
por ter conseguido
tudo o que eu quis
mas confesso abestalhado
que eu estou decepcionado...
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "e daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes prá conquistar
E eu não posso ficar aí parado...
Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos...
Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco...
É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal...

Eu me sinto assim também. Percebo a grande insensatez que é o acúmulo desenfreado de riquezas e a consequente produção de suas pobrezas e miserabilidades. Sei. Também corro atrás do ouro para pagar minhas contas e atender minhas básicas necessidades. Mas não quero o ouro só para mim. Tem ouro pra todo mundo, se todo mundo quiser retirar suas cercas, reduzir seus depósitos, dividir suas posses. Mas isso, neste contexto histórico, soa como ingenuidade romântica, quase como uma loucura. Mas, quem sabe se não é esse romantismo e essa quase loucura que vai nos salvar da destruição total e da barbárie?

O carnaval era uma festa popular, onde a criatividade, a espontaneidade e a liberdade libertária do carnaval, com um alegórico governo momentâneo, o Rei Momo, com as chaves da cidade na mão, “abria os trabalhos” para que imperasse o povo nos seus domínios. Havia os cordões, os grupos que inventavam suas fantasias, suas críticas, suas sátiras e seus teatros mambembes, transformando as ruas em espaços democráticos de manifestação. O colorido era muito mais colorido e os sons eram muito mais criativos e diversos. Não era todo mundo que entrava na brincadeira! Só quem trouxesse alegria. E na alegria a gente fazia um povo inteiro, de todo o mundo. Da Cochinchina à Patagônia, quem trouxesse alegria era baiano, era irmão de fé e podia abraçar a gente, suado e fedendo. Mas aí chegou a indústria cultural. E inventou o abadá, um pedaço de pano cheio de merchandising, que torna todo mundo igual, como produtos de uma mesma máquina. O toque de Midas manifestou-se em sua maldição. Tornou ouro o carnaval e paralisou sua criatividade, sua espontânea manifestação. Criou o critério do financeiro e impediu que a alegria do povo adentrasse carnaval adentro. O baiano foi afastado do circuito. Numa cidade onde mais de 80% da população é negra, as cantoras que fazem mais sucesso são brancas. Isso é muito estranho. Márcia Short e Margareth Menezes deveriam, com suas poderosas vozes, fazer muito mais sucesso do que fazem. O professor Ubiratan Castro de Araújo afirma que

As mães de hoje hesitam agir como as nossas há 50 anos: sair dos bairros com 5 filhos fantasiados para brincar o carnaval. Somando o dinheiro do transporte, a roupa nova, o refrigerante, o hambúrguer, o picolé, etc... Pior é a questão da segurança: apertucho e criança perdida. É preciso levar o carnaval aonde o povo está, com a mesma qualidade artística do centro da cidade. (ARAÚJO, A Tarde, Salvador, domingo, 19/02/2012)

Esse é o grande efeito negativo do “toque de midas”, o brilho do ouro paralisa, retira a ontologia fundadora das manifestações culturais e esvazia de sentido o conteúdo cultural. Não há festa quando o povo que a faz é dela expulso. E, nesse sentido, discordo do excelente professor Ubiratan C. de Araújo, historiador e membro da academia de Letras da Bahia, quando ele afirma que

[...] Na mesma linha de farisaísmo, bradaram [os que criticam o capitalismo atuando na direção do carnaval] contra o pecado capital do carnaval, a mercantilização, como se fosse possível organizar uma festa para multidões na base da gratuidade geral. (ARAÚJO, A Tarde, Salvador, domingo, 19/02/2012)

Não é possível organizar uma festa para multidões na base da gratuidade geral. Concordo. Mas é indecente e paradoxal organizar uma festa para multidões quando o povo da terra que criou a festa é dela expulso. A indústria cultural corre desesperadamente atrás do ouro, concentrando-o nas mãos de poucos. E o atrai para nossa terra, não tão boa quanto antes, prometendo a alegria que retiraram do povo. Mas não é possível vender a alegria do povo. Assim como não é possível vender sua alma. Por isso o homicídio cultural impera no carnaval, concentrando em axés e pagodes sem sentido negando a musicalidade singular que o baiano tem. Eu que morei a maior parte de minha vida em bairro popular, ali no Calafate, San Martin, sei que festa não é tanto questão de dinheiro quanto de alegria compartilhada na espontaneidade do querer, que pulsa em nossos entrelaçamentos sociais e culturais. O "cordão do Bola Preta" no Rio de janeiro é uma prova disso. O "Paroano sai Milhó", aqui em Salvador, da mesma forma, com a participação de jovens, anciãos e coroas como eu, provam que com pouco dinheiro, se faz uma festa com muito glamour, muito povo, muitos encontros de alegres foliões que voltam às ruas para transformá-las em carnaval. Os turistas e seus “ouros”, nos acompanha, nos abraçando suados e alegremente surpresos com nossa forma de fazer uma festa.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes, do Carnaval e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

EU QUERO É POESIA

Eu quero poesia em minha vida:
Poesia pra andar e pra partir;
Poesia para mandar para a puta que o pariu
Poesia para sorrir e para chorar
Poesia para dormir e para sonhar outro Brasil.

Quero poesia para criticar a politicagem
poesia para desabafar minha agonia
dessa imensa e nacional vagabundagem
quero poesia para revolucionar a cidadania.

Quero poesia para viajar pelo país
poesia para imaginar outra nação
poesia para contemplar o povo feliz
poesia para compartilhar a criação

Quero poesia para acordar o povo brasileiro
poesia para avivar a nossa débil democracia
poesia contra os impostos e os pedágios
poesia a favor da necessária rebeldia.

Eu quero poesia pra não morrer mudo
de coração, câncer ou susto.
Sem poesia nem democracia
a minha vida é feia e fria.

Joselito de Tantas Gentes, da poesia e de Jesus, O Emanuel.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

DESEJAR O NOVO

Rubem Alves, num de seus muitos textos, afirma que não podemos desejar o novo, pois só desejamos aquilo que já experimentamos e que nos deu sabor, nos deu delícia, realizou em nós “o princípio do prazer, sonho que o tempo não desfaz.” O beijo ardente, “a sensação suprema dos mortais, o gozo são e soberano dos animais”, o carinho materno, o abraço orgulhoso do pai. “Um dia feliz as vezes é muito raro”. Verdade. Se não o fosse, seria mais um dia banal. Fala-se muito mal dos dias banais, bem como se teme a escuridão. Mas, fico pensando: o que seria dos dias felizes se não fossem os dias banais? E o que seriam dos vagalumes e do luar se não fosse a escuridão?

Alves nos fala que desejamos repetir eternamente, mesmo sabendo racionalmente ser impossível, a experiência do que nos fez felizes. Desejamos que o raro se torne banal em nossas vidas, e nem pensamos sobre isso, porque, se pensarmos, deixamos de desejar ardentemente o retorno eterno do sabor que a língua nunca esqueceu e que, tocada inteiramente, espera reencontrar. O sorvete, o beijo, o gozo, o olhar, a paz, a festa, a fogueira acesa, a família, a viagem, o rio, o frescor e a transparência de suas águas, os risos, as mãos, cantos e encantos tudo isso num encontro de céu que a gente deseja que nunca acabe. E tudo isso espera em nós, pulsando uma saudade, uma vontade poderosa de reencontro, que nos impulsiona à busca do impossível. Desejamos retornar ao paraíso perdido.

Talvez por isso o passado e o futuro sejam tempos tão importantes para nós. No passado reside a experiência. No futuro habita a realização. E assim, se não foi hoje, amanhã será melhor. Algo bom vai acontecer ainda que não exista nem indícios de sua concretização, para que alguém que espera possa novamente provar do gosto que faz a vida valer a pena. E esse dia ainda não chegou, mas há de vir! Para que Deus possa voltar a existir na vida de muitos que creem.

Entretanto, na vida de muita gente, não há tempo para o eterno retorno. Não há futuro, nem há passado, só um presente ameaçador e desconfortável. Não há tempo para pensar, somente para sofrer e para fugir. Fogem todos os dias para qualquer lugar distante do sofrimento, muito embora este último tenha pouco de permanência e muito de fugaz. Essas pessoas sofridas enfrentam todos os dias a face cruel do mundo, sem finais e sem pausas para os comerciais. E só lhes resta imaginar e inventar brechas, becos, vielas, estreitos espaços por onde alcancem seus momentos de fuga da barbárie. Os sabores são odores; o carinho é a agressão; o abraço é o tapa; a fogueira é a ameaça acesa; a mãe é a perdida, o pai é o vilão. O que há para voltar? A mesma barbárie em suas mãos? A violência em suas atitudes? O sabor da morte no coração? O abandono como presente? E o futuro com uma única indagação: – por que?

O que será o novo para essas pessoas? O que pensar para frente de suas vidas se até agora o poder da morte imperou? Morte com morte? Crueldade com crueldade ainda maior? Como sair dessa equação infernal? Como? Creio que a saída é procurar empiricamente todos os indícios que a vida deixa no império da morte. Na linguagem, nos gestos, nos pequenos detalhes há rastros de esperança que ficam como vagalumes no escuro. Mesmo que precários, em seu acende e apaga, os lumes são traços de esperança de que a vida nunca desiste, e se mantém corajosa e criativa diante da imensidão do breu. Os lumes vagos e intermitentes até flertam com a escuridão e a enfeitam, dando-lhe um toque mágico que prenunciam o amanhecer fundante de toda pequena ou grande esperança. É preciso procurar esses lumes nas pessoas sofridas, aviltadas em sua dignidade e identificá-los como elementos imprescindíveis de fé, esperança, justiça e amor. É preciso crer numa gestação de um novo ser dentro do sofrido e amargurado ser. Mas isso não é fácil.

O mais fácil é marginalizar aquele que sofre. Assim não nos sentimos responsáveis pela desgraça alheia e não nos incomodamos com seus desdobramentos. Não podemos nem transformá-lo em coitadinho, nem em um animal perigoso e devorador da precária ordem em que nos movemos com dificuldade. Mas é difícil. Vivemos num mundo que requer cada vez mais o nosso tempo e nos suga com muitos canudinhos, cada um de uma instituição e espaço social. Além do tempo que dedicamos à família, temos que dedicar tempo ao trabalho que cada vez mais invade nossa privacidade, além do tempo que temos de dedicar aos múltiplos apelos do cotidiano. E, além disso, ainda temos isso como justificativa para nos escondermos do que mais importa e que vale a pena.

Eu não sei. Para as pessoas que estão sofrendo nesse momento os dias banais não existem. Não existem porque o sofrimento, pode até ser tornado banal para a sociedade, mas, para quem sofre, é bastante relevante. Nesse contexto é preciso desejar o novo, o que ainda não existe, o que ainda não foi provado como sabor gostoso da vida, como amor, carinho, atenção, companheirismo, abraço e ombro amigo. É nesse momento que todo ser humano entende que, mais do que qualquer mercadoria, o encontro solidário entre os seres humanos é que nos dá a paz e nos realiza enquanto pessoas em sua plenitude. Não é o tempo que vai nos conduzir à nossa humanidade sublime. Nem sei se alcançaremos isso. Mas, a partir das vidas de pessoas como Leonardo Boff, Divaldo Franco, Irmã Dulce, Madre Teresa, Santo Dias, Betinho, Frei Beto, entre tantos outros e tantas outras, anônimos ou não, nutro esperanças. Suas vidas são, como a de todos os humanos, fugazes, mas suas ações ficam como lumes na escuridão da humanidade, piscando a esperança imortal na alvorada humana.

Joselito de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel