segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

ROLEZINHO NO PENSAMENTO

Estou de férias e ainda doente. Não sei o que está se passando comigo, mas não estou bem. Tenho ainda o compromisso de preparar a disciplina Filosofia da Educação para Luciene querida, que ensinou e ensina a muita gente a dizer que ama o outro, sem medo da pieguice. Aproveitei um tempinho para me divertir, dando um “rolezinho” no pensamento, a fim de compreender melhor esse fenômeno apresentado por jovens e adolescentes contemporâneos das maiores cidades brasileiras.
Bem, para responder a tal desafio utilizo-me dos referenciais teóricos do materialismo histórico dialético, que, apesar de tão combatido, ainda me parece a melhor referência de análise e síntese do fenômeno social do “rolezinho” nos shoppings centers das grandes metrópoles brasileiras. O “rolezinho”, visto pela dialética marxista, é fruto de múltiplas determinações, entre as quais, posso citar as seguintes:
1.    Modo de ocupação do espaço urbano pelo capital imobiliário nas grandes metrópoles, destruindo espaços públicos de lazer e de esporte;
2.    Aumento da violência nos grandes centros urbanos;
3.    Reificação permanente da mercadoria através da propaganda, colocando os produtos e suas marcas como sinais contemporâneos de sucesso, distinção e felicidade;
4.    Ascenção de grupos sociais ao mercado de consumo.
Irei concentrar-me na primeira determinação do “rolezinho”. O modo de ocupação do espaço urbano de Salvador foi destruindo a maioria dos espaços de encontro dos adolescentes, jovens e adultos das periferias da cidade. Quando eu me deslocava de ônibus pela cidade – quem se desloca de ônibus enxerga mais longe, pois está no alto - percebia todos os campinhos que havia nos trajetos por onde passava. Nos dias de sábado e de domingo o baba (partida de futebol amador) rolava e algumas dezenas de pessoas ocupavam esses espaços de esporte e lazer, nesse caso, preponderantemente masculinos. Esses campinhos desapareceram do mapa soteropolitano, sendo ocupados por viadutos, estações de metrô, edifícios e estradas. Para onde foram aquelas dezenas de pessoas que se encontravam no fim de semana para exercer sua atividade física e social? O poder público nem pensou nas consequências do desaparecimento desses espaços de encontro. Mas o poder privado pensou. Cada vez mais surgem campos de futebol “society”, feitos com grama sintética, bem menores que os extintos campinhos de barro, e a um preço por duas horas de utilização. O espaço social, público e gratuito do baba foi transformado em mercadoria, assegurado por um valor de troca que, certamente, impede adolescentes, jovens e adultos pobres de ingressarem em seus privados espaços de distinção.
O arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo, no jornal A Tarde de ontem – domingo, 19/1/2014 – reclama desse modo destrutivo de ocupação, vindo ao encontro do meu raciocínio:
Cerca de R$ 420 milhões foram gastos em benefício do carro (recentemente em Salvador, Bahia), que não tem mais futuro, e nenhum centavo em favor de outros modais, do pedestre, do patrimônio histórico, da arborização e do tratamento das feridas que provocou. (AZEVEDO, 2014, p.A2)
Um dos desdobramentos disso é que os futuros craques de futebol só podem surgir se forem tutelados por um time de futebol, com um empresário nos calcanhares, marcando em cima e vislumbrando lucros com aquele moleque-mercadoria que se apresenta nos gramados privados de suas instituições. Outro desdobramento é que as moças e os rapazes, principalmente os mais pobres, não têm mais espaços públicos onde possam se encontrar para exercer sua ludicidade, sua capacidade criativa em comum, sua rebeldia necessária diante de um Brasil governado por facínoras, canalhas, corruptos, homens indigestos, com poucos resquícios de humanidade, de altivez e de liderança. Até a Igreja Católica fechou as portas para a juventude. Ou seja: para uma juventude que ela não pode controlar, nem impor suas condições de ser humano na contemporaneidade, sob pena de correr o risco de defrontar-se com a necessidade de ter de tomar posições políticas claras contra o modo de operar do sistema capitalista.

A rede virtual surge então como um espaço propício de encontro de jovens e adolescentes privados de espaço concreto. Nesse espaço eles criam, recriam, interpretam, redirecionam, criticam, manipulam suas próprias subjetividades, constroem caminhos alternativos de exercício da ludicidade, da solidariedade, do status quo, e projetam símbolos atravessados pelo modo como a nossa sociedade capitalista orienta seus valores através da propaganda, da incitação ao consumo, da projeção de um status quo baseado nos símbolos do consumo, com suas marcas de vida de gado. Nessa arquitetura possível de novos humanos, os jovens e adolescentes, com o exercício de si nos estreitos espaços que Salvador oferece para quem é pobre, para quem é negro, para quem não adentra nos padrões que podem passar despercebidos nos shopping’s, o rolezinho se configura como um movimento criativo e espontâneo de subjetividades tecidas nesse contexto de negação de espaços. É um fenômeno urbano da Geografia.

Quero me afastar aqui de uma ideologização dos jovens e adolescentes contemporâneos, como se eles e elas fossem os (as) revolucionários (as) do presente. Nada disso. São como são, são em função do seu chão, do seu modo, a seu modo, sob o modo e sem modos como nós nos exercemos. Mas apresentam a fatura desse modo que vivemos em comum. Questionam, aos seus modos e falta de modos, a escola, a igreja, a empresa, o emprego, o salário, o governo, o futuro, o trabalho, o caralho! E precisam encontrar-se nos espaços concretos possíveis que lhes restaram, para se verem, para atualizarem suas imagens e voltarem para avaliar o impacto dessas imagens nos espaços virtuais onde realizam suas fantasias, no pouco espaço concreto de “realidade” que sobrou.
Toda instituição luta para marcar o povo e se apropriar de sua força: Partidos, igrejas, bancos, governos, empresas. Todos (as) têm seus “ferros de marcar gado”, todos (as) têm seus currais, seus boiadeiros, seus capatazes e uns remetem aos outros. A apropriação do ser humano na contemporaneidade não é exclusiva, nunca foi. Somos tomados por ideias que, invariavelmente, nos levam ao consumo desenfreado. Nas entrevistas que vi num programa de televisão sobre o fenômeno do “rolezinho”, percebi que o dinheiro que esses jovens e adolescentes têm, utilizam-no para o consumo de marcas, onde realizam, com seus pais, sua entrada triunfal no mundo das aparências, aparentando, de fato, o que são neste momento histórico. Os garotos e as garotas estão em seu momento. Certo. Minha preocupação foi com seus pais, tão adolescentes quanto seus filhos, realizando, nesses últimos, suas adolescências tardias. Um dos pais se sentia orgulhoso de poder dar ao filho o acesso à “roupas de marca” e, certamente, vê-lo na internet com suas centenas de seguidoras e seguidores, exercendo uma liderança virtual com desdobramentos políticos e sociais ainda não bem compreendidos. Uma mãe afirmava que aparência é tudo no mundo contemporâneo. E, para meu desgosto, talvez esteja certa. Não sou contra pais que foram jovens e adolescentes pobres e negados, como eu, terem acesso ao poder de compra e de propiciar aos filhos e às filhas algum conforto e acesso que nunca tiveram. Não gosto da ideia de fazerem isso sem nenhuma reflexão e ponderação.  
Os shoppings reagem com repressão e discriminação contra os “rolezinhos”. Mas onde os jovens irão se encontrar se a propaganda de incentivo ao consumo, a destruição dos espaços públicos de encontro e a transformação de quase tudo em mercadoria indicam os shoppings como espaços privilegiados de encontro? O rolezinho expressa a contradição do capital em Salvador e demais cidades do mesmo porte. O “rolezinho” só pode ser compreendido nessa “totalidade concreta” que o método dialético oferece.

Nada é isolado. Isolar um fato, um fenômeno, e depois conservá-lo pelo entendimento neste isolamento, é privá-lo de sentido, de explicação, de conteúdo. É imobilizá-lo artificialmente, matá-lo. É transformar a natureza – através do entendimento metafísico num acúmulo de objetos exteriores uns aos outros, num caos de fenômenos (LEFÈBRE, 1975, p.238)


A produção do “rolezinho”, portanto, não é uma fabulação de desocupados, de adolescentes vagabundos, com tendências ao crime, mas um fenômeno que o próprio capitalismo e sua ocupação gananciosa do espaço propicia. O rolezinho é um fenômeno social produzido por adolescentes e jovens que procuram espaços possíveis e concretos de socialização no seio das contradições da ocupação urbana no mundo brasileiro contemporâneo, principalmente em cidades como Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, entre outras. O mundo virtual remete ao real e vice-versa, um alimentando-se do outro, um escondendo o outro e escondendo-se do outro, num jogo de aparências, um reconfigurando o outro, num processo intermitente de construção de novidades, sendo uma dessas, o “rolezinho”. Bom. Agora “vou dar um “rolé” por aí.” 

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
Com a ajuda de
AZEVEDO. Paulo Ormindo de. Violações urbanas. Jornal A Tarde, Salvador, domingo, 19/01/2014.
LEFRÈBRE, Henri. Lógica formal, lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1975.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

PODER DEGENERADO

No jornal A Tarde da sexta-feira, 03/01/2014, página, A3, Helington Rangel, professor universitário, economista e jornalista, escreveu um interessante texto sobre o poder na contemporaneidade, referindo-se àquilo que Foucault já refletia em suas abordagens teóricas: a natureza, origem e fluxo do poder. E é sobre esse último, o fluxo do poder, que Rangel apresenta sua argumentação, afirmando que:

Nos últimos anos as muralhas que amparam o poder se debilitaram num movimento veloz, ficando fácil de vencê-las, passar por cima delas ou iludí-las. Moisés Naim adverte, contudo, que o poder não desapareceu, apenas os poderosos de hoje costumam pagar um preço maior e sem demora pelos erros do que seus predecessores. (RANGEL, 2014, p.A3)

De fato, uns períodos eleitorais atrás, ainda recentes, “os homens que exerciam seus podres poderes” reinavam no controle geral dos aparelhos políticos, econômicos e ideológicos. Os aparelhos políticos eram assegurados pela ditadura. O aparelho ideológico era garantido por canais de tv, muitos poucos em relação ao número que temos hoje, fiéis às determinações do poder político, principalmente a Rede Globo de Televisão. E o controle econômico era feito por grupos fechados, monopólios que não enfrentavam concorrência devido às proteções do mercado interno. Foi nesse contexto que ACM, João Alves, João Figueiredo e Sarney, entre outros, foram forjados. Prendiam e arrebentavam. O poder jurídico e o legislativo estavam sucumbidos diante do poder político que o poder executivo exercia com máxima coerção das polícias sobre os descontentes.

Aos poucos, um contrapoder e uma contraideologia foram tomando corpo no tecido social brasileiro e com a redemocratização, partidos e movimentos sociais foram apresentando sua utopia como ideologia possível para um país em transição. Reaparecem o PCB (Partido Comunista Brasileiro), o PC do B (Partido Comunista do Brasil), e, unindo todos à esquerda, se apresenta o PT (Partido dos Trabalhadores). Luís Inácio Lula da Silva surge como principal liderança desse processo e, no desenvolvimento histórico possível daquele tempo Lula começa a representar os anseios de mudança que mobilizam pessoas, grupos, movimentos e instituições no espaço social brasileiro. Foram três eleições até que Luís Inácio, o Lula, chegasse à Presidência. Finalmente um trabalhador iria nos governar e provocar mudanças que indicassem um redirecionamento a favor das classes sociais menos favorecidas, atuando em seu processo emancipatório. Votamos “sem medo de ser feliz”. Enfim: “Lula lá”!

Lula era a opção mais clara para quem desejava mudança de fato nos rumos que este país tomou desde sua invasão pelos portugueses. A eleição de Lula representou um marco histórico na História de nosso jovem país. “Os meninos e o povo no poder eu quero ver”, cantávamos a utopia com Fernando Brant e Milton Nascimento. Mas então veio a decepção. Lula mudou. Não era mais o operário aposentado pela perda de um único dedo que, despojado, pregava tal um “Conselheiro”, que o sertão iria virar mar. Não virou. A utopia foi deixada de lado e veio o pragmatismo do poder a qualquer preço, digo, a qualquer mensalão. Na educação, na saúde, na infraestrutura do país, no investimento em ciência e tecnologia nada mudou. A economia cresceu, de fato, mas por um artifício estatal do governo Lula. Cresceu através do consumo via empréstimos bancários, não via aumento de produtividade pela melhoria dos indicadores educacionais dos brasileiros. As pessoas compraram carros, apartamentos, eletrônicos, eletrodomésticos e encontraram-se num endividamento crescente, caracterizando a “economia do voo de galinha”. E o governo do PT foi exercendo o poder da forma cínica, fajuta, elaborando uma ideologia rasteira que somente seus “dependentes químicos” do bolsa-família acreditam.

A corrupção espalhou-se e escancarou-se descaradamente. O cinismo tomou conta de todos: de vereadores analfabetos, prefeitos ignorantes, governadores surrupiadores do erário público, deputados, senadores e quase todos os políticos brasileiros. Mais uma vez, a mesma lógica dos portugueses se repete: o Brasil não é um país para se construir uma nação, mas um lugar para explorar as riquezas e mandá-las para o exterior, contas no exterior. Antigos “companheiros” enriqueceram repentinamente. O próprio filho de Lula enriqueceu tão rapidamente que parece milagre – talvez haja alguém que acredite nisso. Escândalos de corrupção começaram a se tornar diários. Então o Poder Judiciário, tal como um antivírus, teve de aparecer na cena política com veemência, para combater a infecção generalizada que está matando nosso país. E aparece Joaquim Barbosa na cena, com sua coragem, sua sapiência e sua vontade de fazer valer a lei para todos, independente de partidos, classes, grupos e interesses. A prisão dos mensaleiros, incluindo José Dirceu, José Genoíno, João Paulo Cunha – cuja prisão está bem próxima -, Roberto Jeferson, Pedro Henry, Marcos Valério – operador do esquema – entre outros poderosos de outrora, foi um suspiro de esperança dado pela justiça desse país. Claro, tudo isso é uma simplificação do que ocorre nos corredores do Planalto e dos Ministérios ministeriosos de Brasília.

E isso tudo foi gerando um processo em que o aparelho ideológico do estado foi perdendo sua capacidade de garantir o consenso. As redes sociais hoje desempenham um papel fundamental, deslocando o poder através da criação de grupos outros que rejeitam bandeiras partidárias, velhos discursos ideológicos, movimentos sociais atrelados a eles e toda e qualquer inclinação que aponte para isso. Sobre isso Rangel (2014) afirma que

Os partidos políticos ou movimentos sociais ainda travam uma luta desesperada pelo comando, como nos velhos tempos. Porém, o antigo poder em si entrou num processo irreversível de degradação. (RANGEL, 2014 p. A3)

As manifestações de junho do ano passado são reflexo disso. Começamos a perceber a ilusão que o Partido dos outrora Trabalhadores queria nos fazer acreditar. Nosso país não está sendo construído. Continua sendo surrupiado, como sempre. A riqueza coletiva por nós produzida e apropriada pelo Estado através de impostos crescentes, está sendo derramada no ralo da corrupção. Nosso sistema educacional brasileiro é uma lástima, com mesma avaliação para o nosso sistema de saúde. A segurança em nosso país é uma piada grotesca e a propaganda dos governos não consegue mais enganar muitos tolos.

[...] o economista venezuelano Moisés Naim argumenta que o poder está passando por uma espécie de transfiguração visível e histórica: cada dia ele se dispersa e os atores tradicionais estão sendo confrontados por imprevistos concorrentes. O poder não é mais o que foi, percebe Moisés Naim: no século XXI pode ser obtido sem dificuldade ou esforço, difícil de utilizá-lo e fácil de perdê-lo. A realidade está modificando o comportamento das pessoas: existe uma degeneração na malha social que perturba o modo de ser da interação humana. (RANGEL, 2014, p.A3)

Desconfio, contudo, que quem gerou isso tudo em nosso país não foi a emergência das redes sociais: a “degeneração na malha social” não é causa, é efeito de um exercício de poder degenerado por práticas antigas de poder mesquinhas, interesseiras, nepotistas e patrimonialistas que nos cansaram a paciência, minaram nossas esperanças e nos forçaram a reinventar o modo de fazer política nesse país, o modo de cada um, unido apenas pela indignação generalizada com tanta descaração, impunidade e cinismo, que nos afasta de sermos uma nação. O poder não está tão controlado e tão navegável assim pelo PT e demais partidos que sugam as tetas do estado. Os ventos de 2014 vão soprar, muito embora desconfie que a "copa do mundinho 2014" seja comprada como uma mercadoria qualquer, pelo bem do capitalismo internacional e dos políticos salafrários brasileiros, nossa atenção ficará alerta para as informações e os acontecimentos que serão interpretados livremente em nosso espaço social, político e ideológico mais eficiente hoje em dia: as redes sociais.   


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

ESCOLA DE RACISMO

Estou atônito. Tudo está ocorrendo numa velocidade que minha percepção parece inútil. Depois do desaparecimento dos quintais fiquei órfão desse espaço geográfico pequeno e imenso que também me pariu.

Do trampolim do meu quintal
eu dava saltos no universo
em meu caderno de chão
eu rabiscava os meus versos.
No caminho de formiguinhas
que trilhavam sete anões
eu namorava a bruxa má
e aprendia muitas lições.
(Joselito Zé)

E tudo foi precipitando-se velozmente sobre mim de modo que tive de refugiar-me nas ocupações múltiplas da produção da existência a fim de proteger-me do mundo em convulsão. Depois do quintal eu não tive mais paz. Chegaram os blocos, as areias e o cimento e foram afunilando, reduzindo, enforcando os quintais que, desesperados, foram sucumbindo como espaço de socialização infantil e juvenil. A produção do espaço aniquilou o espaço da imaginação, dos ensaios criativos de vida que as crianças elaboram enquanto o mundo trabalha sua incessante máquina de construção e destruição de formas culturais singelas que existem em pequenos espaços de vida, tais como os quintais. O poder atropela. E o futuro, com suas portas que abrem sozinhas, chegou aos shoppings, e não mais espanta nenhuma criança. Tudo parece dado, claro e autoexplicável, contribuindo para a perda de força da Filosofia.

Entretanto, a capacidade de espanto deve ser exercida sempre por cada um de nós, a fim de enfrentarmos a força destruidora da naturalização. O racismo, por exemplo, exercido sem tréguas durante tantos séculos, foi sendo naturalizado a ponto de aceitarmos milhares de corpos de jovens negros como parte das estatísticas anuais e, ao mesmo tempo, nos espantarmos quando algum jovem branco é assassinado, ou é preso por envolvimento no mundo do crime. A recuperação da capacidade de filosofar nos faz perguntar: por que esse fenômeno existe? Por que o movimento negro não faz uma reflexão contínua, profunda e duradoura sobre isso? Por que a possibilidade de um homem negro em Alagoas morrer por homicídio é altíssima enquanto que, no mesmo estado, a possibilidade de um homem branco ser assassinado é baixíssima? Como o racismo é reproduzido tão eficazmente no tecido social, apesar de todas as denúncias, lutas, movimentos contrários? Como a gente aprende a ser racista? Quem é o (a) nosso (a) professor (a) e qual a sua eficiente didática no ensino discreto do racismo? Como é que começa a negação do povo negro ao acesso à educação, à saúde, à segurança, etc.? Há uma espécie de labirinto social que direciona o (a) jovem negro (a) para determinadas vias e não para outras? Quem são os principais responsáveis por esta construção sutil, porém eficiente? Os Governos que representam os interesses de setores organizadíssimos da sociedade? Grupos de poder político, econômico e ideológico que se organizam na Bahia tendo como critério fundamental de discriminação a cor da pele? Qual o papel das redes de tv da Bahia nesse processo? E os jornais de Salvador? Como associam a violência nas periferias, onde os negros são as principais vítimas, com a questão do racismo? O que a universidade baiana tem feito diante de estatísticas tão sombrias para os jovens negros da Bahia? O que anda fazendo a Secretaria de Educação sobre tal problema? Como a negritude é representada em suas práticas discursivas? O que a classe média negra faz? Protege seus filhos na rede de inclusão a que tiveram acesso? Fingem que agora pertencem a outro nível social e que tais questões já foram superadas por ela? Será que conseguem voltar à periferia para provocar tais discussões e criar potenciais de comportamento para o combate ao racismo? Como os (as) policiais são preparados (as) pelos seus professores? Como eles (as) apreendem a relação entre cor da pele e violência? Será que conseguem perceber a formação do marginal pela estrutura política, jurídica, econômica e cultural de nossa sociedade baiana e brasileira? Como é que funciona a fábrica de marginais e a indústria do homicídio na Bahia? Por que é tão difícil prender e manter na cadeia um sujeito de pele branca? Parecem perguntas fáceis. E são. Mas as respostas são muito mais difícieis, porque nos implica a todos (as) nesse trágico fenômeno. São essas e muitas outras questões que me vêm à tona, embora saiba que muitas outras ficam na latência gritante de minha própria contradição, mas que, se refletidas num plano mais amplo de nossa sociedade pode trazer emancipação de muitos do racismo que nos envolve.

Estamos num ano eleitoral. Devemos levantar dados, colocar policiais para defender, além do turista, o povo de nossa terra, que nunca foi uma boa terra para o seu povo. Precisamos acender nossas luzes nessa escuridão do mundo, que na propaganda se mostra sorridente, iluminado, colorido, afável e convidativo, mas que nas práticas concretas das relações sociais, tira a máscara e exerce seus podres poderes com o exercício da força impiedosa de uma arma oficial, principalmente contra quem tem a pele negra.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

ENQUANTO TODOS OS HOMENS E TODAS AS MULHERES EXERCEM SEUS PODERES



A empresa São Luiz é dona da rodovia que leva as pessoas à Jacobina e toda a região adjacente. Os motoristas se sentem os capitães da nave onde os súditos devem, obedientes, calarem-se no desconforto oferecido pela empresa, sem poderem reclamar. Por causa disso na terça-feira, 19/11/2013, no horário das 23:59, tive uma discussão com um motorista da Empresa São Luiz, detentora do direito exclusivo de transporte coletivo de pessoas na região que envolve uma capitania hereditária: Capim Grosso, Jacobina, Senhor do Bonfim, Juazeiro, Campo Formoso, Caldeirão Grande, Miguel Calmon e todas as cidades e povoados que ficam neste trajeto. Aqui no Brasil e na Bahia é assim: a tão proclamada concorrência que o capitalismo propõe é atravessada pela cultura patrimonialista, que doa – ao povo baiano e brasileiro que doer – imensas faixas de território rodoviário de poder para quem apoia o governo nas eleições com suas verbas generosas. Desde que sou criança, e já tenho 44 anos, essas empresas existem. Nunca ouvi falar em abertura de licitação e em concorrência na prestação de serviços de transportes público e coletivo nas capitanias rodoviárias da Bahia. Com o município é a mesma coisa. Os poderosos reunidos com seu “podres poderes” no SETPS, mandam e desmandam no serviço – serviço ou exploração do povo? – de transporte público de Salvador.
O ônibus estacionou meia hora antes da partida. O motorista da São Luiz conferiu as passagens e a maioria dos passageiros adentrou o transporte. Mas o tempo foi passando e o ar condicionado desligado, com as janelas fechadas foi gerando mal-estar. Alguns passageiros foram abrindo as janelas. Uma passageira solicitou minha ajuda e eu abri a dela, pois a minha já havia sido aberta pela pessoa que estava na poltrona da janela. Então desci e falei com o motorista, a princípio educadamente, sobre o problema. Ele respondeu-me que a regra era ligar o ônibus somente 05 minutos antes da saída. Tudo bem. Um grande problema é que as regras só valem para os “fracos de alma”. Disse-lhe, já em tom de descontentamento, que alguns passageiros já haviam aberto a janela e que eu abriria a minha também, devido ao abafo e ao mal-estar provocado por ele. Ele respondeu-me rispidamente que o problema era meu. Então eu o chamei de filho da puta e começou uma discussão nada agradável, com aquelas ofensas que só pessoas fora de sintonia sabem fazer. Depois falou que chamaria a polícia e eu falei que se fosse preso por algo tão tolo ele sofreria as consequências imprevisíveis de uma pessoa extremamente ofendida em sua dignidade.
Alguns motoristas da São Luiz são despreparados, embora haja outros muito gentis e preparados para lidar com os problemas que surgem. Eu não havia discutido com motorista algum, desde quando entrei como professor da UNEB em Jacobina, a não ser quando fomos denunciar na AGERBA os mosquitos que vinham nos picando de Salvador a Jacobina e vice-versa, embora nenhuma providência tivesse sido tomada. O que percebo, no fundo de toda essa cena é a questão do poder. Não sejamos tolos. O poder é um jogo que pode tornar-se perigoso se não houver bom senso. Foucault estava certo: a gente denomina de poderosos aqueles e aquelas que estão no centro dos holofotes da política, mas devíamos estar atentos também ao exercício efetivo do poder que ocorre em nosso cotidiano e que percorre todo o tecido social. Na relação professor-aluno há exercício do poder, não apenas e exclusivamente do professor, como alguns alunos e alunas querem acreditar, mas dos alunos e das alunas também. A relação entre médico e paciente é outra relação de poder perigosíssima, nesse caso, geralmente do médico, que escapa, quase sempre, ileso das negligências, perversidades e atrocidades cometidas no espaço de poder do hospital ou do posto de saúde.
Claro, toda relação humana é uma relação de poder, que pode ser mais democrático, sensível e humano ou mais autoritário, insensível e desumano. Um motorista de um ônibus também exerce imenso poder. Alguns utilizam-se das regras e do modo como o sistema de transporte é construído para posicionar-se autoritariamente frente ao passageiro, impondo-lhe sua vontade, muitas vezes afetada pela sua vida pessoal. Um motorista assim não pode ficar atrás de um volante, porque nem todos os passageiros passam. Alguns, como eu, ficam. E não ficam bem. Eu utilizo a escrita como arma de defesa, outros podem utilizar outras armas, talvez menos eficientes, mas mais letais, mais eficazes e, nesse caso, a polícia chega tarde, aliás, a polícia sempre chega depois, como nos filmes idiotas onde um herói ou uma heroína resolvem tudo e o som das sirenes surge no horizonte dos nossos ouvidos, sempre no final do filme. Eu percebi o jogo da motorista. Ele não queria reclamação ou contrariedade. Não está preparado para lidar com o público e suas necessidades, pois, sendo a empresa na qual ele trabalha dona da capitania hereditária BR 324-Miguel Calmon, via Jacobina, não há opção para o passageiro, que deve curvar-se à inevitabilidade de um serviço ruim de transporte coletivo, garantido por uma AGERBA conivente com esses descasos, talvez por motivos políticos eleitorais.
A menção do motorista de chamar a polícia por uma discussão banal é sintoma de uma sociedade acostumada a silenciar, a impor uma vida de gado para as pessoas e a acionar o capitão do mato contra o escravo que se liberta da tirania e funda o seu quilombo numa poltrona de um ônibus da São Luiz. Mas o que o motorista desconhece é que o escravo não é escravo, foi escravizado, mas se liberta com fúria e, nessa fúria, não esquece o insulto. Por isso este texto passa a existir, por causa de uma memória que rejeita o ultraje e o desrespeito e arregaça os teclados contra isso. Eu não sou um tipo de homem que queima calado no inferno de um ônibus fechado. Eu sou um tipo de homem que reclama o desconforto e briga pela restauração da sua dignidade em qualquer espaço de poder, seja ele exercido por motoristas, por taxistas, por policiais, por professores, por governadores ou pelo diabo que os carreguem.

Joselito de Jesus

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

RELATÓRIO DE DISCIPLINA



A partir da disciplina Educação e Diversidade, desenvolvida com professoras e professores da Rede Pública Municipal de Saúde, Jacobina e outros municípios teve como objetivos:

·         Analisar aspectos que singularizam a prática pedagógica comprometida com a inclusão de pessoas com deficiência;
·         Compreender a importância da formação docente para o atendimento de educandos com deficiência das escolas públicas das cidades interioranas do Estado da Bahia;

  • Discutir a relevância das políticas públicas da União e do Estado para assegurar a educação aos portadores de necessidades especiais;

  •  Analisar alguns métodos, técnicas e instrumentos mais utilizados na contemporaneidade para atendimento educacional das pessoas portadoras de necessidades especiais;
  •   Examinar empiricamente a inserção dos educandos portadores de necessidades especiais nas escolas públicas municipais e estaduais da região de Jacobina;
  • Refletir sobre a condição de aprendizagem dos educandos com deficiências frente à infraestrutura e aos recursos disponibilizados pelas escolas públicas.

 Comecei recolhendo os saberes prévios dos (as) estudantes, o que foi muito útil em função da experiência docente de alguns (mas) deles (as) com educandos portadores de necessidades especiais. Inclusive, um educando de um desses educadores foi um convidado especial, Ademilson dos S. Oliveira, que compartilhou sua experiência conosco como portador de cegueira na sociedade contemporânea.
Outro dado importantíssimo dessa experiência como educador nesta disciplina de Educação e Diversidade foi a identificação de inquietações, equívocos, ignorâncias, saberes e potencialidades explicativas que tentei aproveitar como matéria prima curricular, para “temperar o caldeirão” epistemológico, político, afetivo, técnico e social envolvidos nesta aventura de ensinar aprendendo e aprender ensinando.

A metodologia que parte do princípio de que para ensinar um saber novo é preciso partir dos saberes velhos, ou melhor, já estabelecidos como verdade no conforto epistemológico que o educando construiu para si, revela a sua importância na orientação dos melhores rumos a tomar como mediador, na medida em que possibilita caminhos inesperadamente ricos de compartilhamento de saberes e de interações que produzem o crescimento dos que se envolvem de forma fecunda no processo educativo. Meu papel, nesta perspectiva epistemológica, claro, é provocar, intencionalmente, desequilíbrios cognitivos que levem os estudantes da disciplina a sair do seu “conforto epistemológico”, através da dúvida sistemática, forçando-os a transitarem para um patamar superior de compreensão dos conteúdos relativos à educação e diversidade, reinaugurando assim um campo discursivo de reconstrução do que se acreditava como verdade definitiva e assim naturalizada.
E problematizei os “achados” levantados na avaliação diagnóstica – Questionário do Eu – com perguntas elaboradas com certa precisão, visando esse deslocamento da certeza naturalizada e, portanto, morta, para a incerteza que gera a dinâmica da busca pelo equilíbrio perdido, somente sendo alcançado numa zona de desenvolvimento proximal que necessita da vontade de saber mais sobre o que sabemos que se sabe ainda precariamente, da interação e da mediação atenta aos processos que foram ocorrendo em sala de aula.
Alguns obstáculos nos acompanharam em todo o processo, como o cansaço – devido a fatores como deslocamentos longos, calor, desmotivação de alguns, e também por algumas dinâmicas por mim aplicadas que não deram certo como provocadoras de motivação e interação. Assim como há inesperadas revelações salutares para o desenvolvimento do pensamento individual e coletivo também ocorre o seu contrário. E esse fenômeno, para um educador experiente, já é esperado, como constituinte do fazer humano em sociedade. Este fenômeno, inclusive, serve como conteúdo curricular, identificando os seus elementos principais e analisando e interpretando os motivos de sua ocorrência, a fim de entender o contexto de seu surgimento e sua manifestação fugaz ou duradoura.


A exibição do filme, “Como estrelas na Terra”, cujo roteiro de orientação encontra-se em anexo, provocou a sensibilidade dos educandos-educadores da disciplina Educação e Diversidade. A falta de compreensão da família e da escola, provocando sofrimento na criança e levando-a ao afastamento da família e à depressão Fo compartilhada por todos (as) na medida em que foram tocados naquilo que deveriam aprender na disciplina: a escola inclusiva precisa, em primeiro lugar, acolher o educando (a) como ele (a) é. Com suas limitações, investigando e descobrindo suas potencialidades, motivando-o (a) a superar, no que for possível, suas limitações e, de fato, educando a pessoa em sua inteireza. Esta atividade já permitiu e motivou a turma a refletir e discutir seriamente a questão do educador que inclui, aproximando-nos dos objetivos acima delineados:
·         Analisar aspectos que singularizam a prática pedagógica comprometida com a inclusão de portadores de necessidades especiais, e;
·         Refletir sobre a condição de aprendizagem dos educandos com deficiências frente à infraestrutura e aos recursos disponibilizados pelas escolas públicas.

Além destes dois objetivos a atividade forneceu elementos que permitiram também

·         Examinar empiricamente a inserção dos educandos portadores de necessidades especiais nas escolas públicas municipais e estaduais da região de Jacobina;

Leituras, reflexões, aulas expositivas com a utilização de slides, além dos momentos de aplicação de avaliações foram se sucedendo, levando ao aprofundamento de questões, levantamento de novas dúvidas e inquietações, e novas explicações, palpites do senso comum e da experiência empírica de alguns e algumas estudantes, etc. Mas acredito que o ponto culminante foi a conversa que tivemos com Ademilson dos S. Oliveira, conforme relatarei abaixo.
Oliveira revelou-nos que um dos primeiros problemas enfrentados foi a desmotivação de seus pais em relação às suas capacidades de inserção social com êxito, certamente um dos fatores que os levaram à superproteção em torno de Oliveira. Mas este problema constituiu-se num desafio para o outrora garoto portador de cegueira parcial – ele só consegue enxerga com 25% de sua capacidade – o que o levou à recusa em ser tratado como “coitadinho”, ou como “animal de estimação”, pois segundo ele, as pessoas que iam à sua casa, procuravam-no como se ele assim o fosse, algo estranho, que despertava a curiosidade da família e dos vizinhos.
A discriminação sofrida o levou a concluir que foi “vítima de um sistema que não me propiciou o meu desenvolvimento. Tive que desistir da escola”, afirmou ele insatisfeito, ainda expressando a mágoa de sua negação num determinado momento de sua vida. Um dos impactos na formação de sua subjetividade, principalmente na dimensão afetiva Fo seu sentimento de exclusão, pois, segundo Oliveira, “o que me deixava mais deprimido/constrangido era ouvir meus primos falarem de escola, de professor, e eu não tinha nada a falar sobre isso.” Observe que Oliveira utilizou duas palavras para referir-se ao mesmo fenômeno: a sua negação como pessoa com deficiência. O termo deprimido revela um sentimento de dentro pra fora, uma emoção negativa advinda do modo como a sociedade concebeu e tratou a si, na base da discriminação assentada na ignorância, situação semelhante à vivida pela criança do filme anteriormente exibido e discutido. A segunda palavra foi “constrangido”, revelando uma pressão social, “de fora pra dentro”, sobre o indivíduo.
Contudo, como a realidade não é progressivamente linear, nem a história acabou, Oliveira foi transformando a sua subjetividade no contexto de uma realidade contraditória, produzindo a negação da negação num processo dialético de afirmação, em que a afetividade e inteligência foram se revezando num processo de complementação e rejeição, na construção da pessoa em que Oliveira foi revelando e revelando-se. As mesmas instituições que o negavam tinham suas brechas, permitindo-lhe uma pequena margem de ação para que a sua rebeldia fosse exercendo sua dignidade. Nesses momentos fui aproveitando para enfatizar a questão das políticas públicas contemporâneas, apontando para outro objetivo buscado na disciplina:

·         Discutir a relevância das políticas públicas da União e do Estado para assegurar a educação às pessoas com deficiência;

Uma das brechas institucionais identificadas na fala de Oliveira, foi uma educadora que o acolheu, acreditou em seu potencial e, com os precários recursos de que dispunha, exerceu uma mediação tão significativa naquela outrora criança, que se constituiu em um dos marcos de sua memória afetiva, expressa em sua gratidão. Do mesmo modo, seus próprios pais foram sendo educandos por Oliveira, na medida em que o mesmo, em seu processo de transformação humana, foi ampliando deliberadamente seu universo simbólico, econômico, político e geográfico, em direção a uma crescente autonomia responsável. Seu pai, que antes não o chamava para sair, resolver problemas da família, também foi educado, modificando o seu comportamento em relação ao filho. Atualmente a “hiperproteção” transformou-se em “hipernecessidade”, a ponto de Oliveira orgulhosamente reclamar: “- Gente, eu não sou advogado não!”  
A transformação dialética de Oliveira, na qual sua vontade poderosa teve um papel destacado, revela um fenômeno histórico extremamente belo e fecundo, a sua afirmação de uma pessoa com deficiência diante de uma sociedade com deficiência de inclusão, resultando na transformação dessa pessoa e na transformação de instituições e pessoa dessa sociedade no espaço geográfico aonde o fenômeno aconteceu, gerando desdobramentos emancipatórios que só enriquecem as pequenas e fecundas revoluções que ocorrem à nossa volta, mas que, muitas vezes, não nos damos conta por não termos a oportunidade, ou a capacidade, de ouvir pessoas que negam as negações sociais e, nessa dialética cotidiana, afirmam-se, altivamente, num processo de transformação de si mesmas e do contexto a que pertencem.

Um dos belos traços da rica personalidade de Oliveira pode ser identificado quando ele afirma que “o estado brasileiro trabalha contra a população”, na medida em que cria e oferece benefícios como esmola, caridade social, deixando de criar condições de inserção social das pessoas com deficiência com decência e dignidade, pela via do trabalho e da produtividade. Embora o mesmo reconheça a importância do benefício para certas situações e condições, acredita que a melhor política pública de inclusão é inserir as pessoas com deficiência no mercado de trabalho, pois, segundo ele mesmo diz, “eu quero me ver livre desse benefício”.
O mesmo deu dicas simples e importantes de como lidar com uma pessoa com cegueira, entre as quais não falar alto, “porque cego não é surdo”, e ter alguns cuidados ao oferecer-se para auxiliar uma pessoa com cegueira ao atravessar a rua, tais como: identificar-se, perguntar se a pessoa com cegueira quer ajuda e como quer a ajuda, pois, segundo Oliveira, algumas pessoas pegam o cego pelo braço e simplesmente saem puxando-o para o outro lado como se o mesmo não fosse uma pessoa, mas um objeto qualquer. Entre risos, indignações e reflexões, Oliveira foi nosso educador naquele momento em que paramos para ouvir aquele que vive a sua condição humana numa existência rica e singular.

Joselito Manoel de Jesus, Pedagogo.