PRIMEIRA
PARTE
Descrição
do objeto de análise
Essa é uma
análise sociológica que visa o diagnóstico de uma profissão antiga, mas que
possui atualizações importantes no decorrer da História. Essas atualizações
contribuem muito para o tipo de sociedade gerada e interfere também bastante
nos acontecimentos. Podendo até alterar o rumo da história de povos, como fez
com certa frequência. Ela se refere ao profissional que tem como formação a
vontade de exercer o poder, principalmente nas instâncias maiores do Estado.
Ele ou ela visa ser um profissional cuja finalidade é atingir o poder de
governar os outros, em uma cidade, um país, um povo. O objeto de estudo é,
portanto, o profissional do poder. Que se convencionou chamar também de
político. Não sei se foi o povo quem inventou chamar de político aquele cuja
profissão, independente de sua outra formação profissional, é ser eleito para
ocupar cargos nas instâncias de poder do Estado. O termo não reflete de fato a
ação desse profissional. Por isso preferi chamá-lo de profissional do poder.
O que se
observa é que não é uma classe social. Se admitirmos que classe social é a
posição que o indivíduo ocupa em relação aos meios de produção. Se admitirmos
esse conceito de classe social temos os capitalistas que possuem o capital e os
trabalhadores que não o possuem e vendem sua força de trabalho. Entre essas
classes que poderíamos chamar de burguesia e proletariado temos a pequena
burguesia que possui algum capital, mas não tanto como o da burguesia.
Poderíamos supor que essa burguesia sempre tem o poder. E é verdade. Mas ela
não exerce muitas vezes o poder como administradora visível e profissional do
poder. Ela elege o profissional do poder que vamos nos deter em
descrever. É possível que um membro da burguesia exerça e se torne um
profissional do poder, mas nem sempre é o que ocorre. A burguesia prefere
colocar no poder profissionais de sua confiança para não interferir nos seus
interesses, defendê-los e os paga para isso.
O
profissional do poder tem várias origens. Pode ser da pequena burguesia e muitos o
são. Pode vir do proletariado ou de qualquer classe social. Assim como em
outras profissões, não é a classe que o determina. Ser de uma classe social
pode interferir, mas não necessariamente determina ser um profissional do
poder.
Semelhanças
e diferenças das outras profissões
Enquanto um
médico, um advogado, um dentista, um enfermeiro, um mecânico estudam ou
praticam sua profissão e recebem um diploma ou uma experiência comprovada que
os autorizam a exercê-la, o profissional do poder não precisa disso. Ele
apenas se candidata ao poder. Ele aprende a ser um profissional na prática de
ascender ao poder. Daí qualquer um pode decidir, em determinado momento da
vida, se tornar um profissional do poder. Tem semelhança com alguns artistas,
como um escritor ou um pintor, que nem sempre fazem cursos para se tornar um
autor ou um pintor. Eles fazem a obra e a obra os define. A diferença é que o
profissional do poder não é um artista, ele faz uma obra sim, que é o seu
governo, mas essa obra é muito diferente da do artista. Ambos podem ficar
famosos e ficam em geral. Porque seus atos são divulgados pela imprensa. Por
que a obra é diferente? Porque a obra do artista cria o belo que, muitas vezes,
nos traz prazer. Já o profissional do poder nem sempre cria o belo e
muitas vezes causa decepção e sofrimento. Mas ambos ficam famosos. Os artistas
quase sempre com admiração e carinho, porque só nos causam prazer e os
profissionais do poder, em geral, com ódio e desprezo da maioria, com exceção
de sua própria equipe, que o elegeu para ter lucro com ações ou participando
nos ganhos em dinheiro, empregos, mordomias, tudo isso em troca do apoio e
trabalho feito para o profissional do poder ter sua ascensão.
A origem
dessa profissão
Sendo feitas
essas considerações iniciais, vamos à análise de como surge então o
profissional do poder. Ele não forma uma classe social, ele não se forma
profissionalmente em nenhuma instituição, como um médico ou engenheiro, ele é
igual a qualquer outro cidadão. A diferença é que não é ainda famoso nem
conhecido, mas quer se tornar um profissional do poder. Como qualquer
profissional ele quer ficar rico, famoso, conhecido como uma estrela de cinema
no exercício de sua profissão E luta para isso. E muitos conseguem.
O ser humano
tem uma característica muito curiosa. Eu acredito que ocorre por defesa nos
atos que tem de fazer para sobreviver e/ou sentir prazer. Ele tem duas fases no
exercício dessa característica. Ou sabe que não é verdade o que pensa de si,
mas age assim mesmo como se fosse verdade, ou se ilude, totalmente, para não se
auto-recriminar. Vamos chamar essa característica de racionalização. Quer
dizer, o sujeito inventa argumentos mais ou menos racionais para si mesmo para
agir como age sem culpa. Por exemplo: você quer espancar o vizinho porque ele
está com o som alto. Vai até ele e o espanca até com muita competência. E diz
para você mesmo que está apenas fazendo valer o seu direito ao silêncio. E, se
preso, insiste nesse argumento. Você não admite que é violento, perverso,
descontrolado. Você culpa o vizinho que o provocou. Não é você que é
descontrolado e agressivo. São os outros que lhe provocam. E, acreditando
nisso, você pode espancar uma cidade inteira e até gostar, com o tempo e a
prática constante disso. Esse processo de racionalização é subjetivo e
importante para o profissional do poder porque suas razões lhe aliviam de
qualquer recriminação e, portanto, sofrimento. Essas racionalizações amortecem sua
consciência e, em alguns indivíduos, a eliminam. Estou aqui falando na
consciência como sendo uma noção de respeito ao próximo que pode ou não se
expressar em normas morais, como não matar, não agredir, não contribuir para a
miséria alheia etc. Porque a racionalização tem uma outra faceta. Ela, como um
anestésico moral, convence a pessoa que ela está certa. Daí ela pode fazer
coisas absurdas e se sentir tranquilo devido às explicações que dá a si mesma
sobre o que faz. Hitler, Stalin e outros fizeram o que fizeram porque
conseguiram anestesiar suas próprias consciências. Eles fizeram o que fizeram
porque usaram esse processo de convencimento de si mesmos a partir de
argumentos inventados por eles com essa finalidade. Hitler achava os judeus e
todos os outros grupos sociais que perseguiu profundamente perigosos para toda
a população germânica e, portanto, assar criancinhas, vindas dessa população,
em fornos crematórios era justíssimo, urgente e necessário. Stalin matava seus
próprios correligionários achando que estava defendendo o socialismo,
fundamental para o bem do proletariado cuja consciência e sabedoria do que
seria bom para ele, só ele, Stalin sabia. A racionalização é um delírio de
autojustificação. Se o delírio for muito grande pode surgir um serial killer.
Os serial killers que surgiram na História foram, de certa forma, muito
menos letais do que profissionais do poder, que nos seus delírios enquanto
ditadores mataram milhões de pessoas com a mesma tranquilidade de Jack, O
Estripador, Zodíaco etc. Não significa que o delírio de um ditador no poder que
leva ao assassinato seja o mesmo de um psicopata: é muito pior. Os atos são os
mesmos, o que muda é a proporção. Estão presentes os mesmos ingredientes:
sadismo, delírio e autojustificação devido ao delírio. Os que levam a população
de um país a miséria, ao desespero, a falta de segurança, educação, atendimento
médico tendo na sua mente doentia o delírio que o convence que está
desempenhando bem sua profissão além de criminoso sofre de doenças morais e
psicológicas que o leva ao delírio sérias. Chamaria até de a síndrome de Calígula.
Então
estamos vendo que a racionalização é uma característica humana, mas, como vamos
ver, fica exagerada no profissional do poder. Existe no médico, por exemplo,
que mata o paciente e se autojustifica de todas as maneiras para continuar a
ser negligente. Mas o profissional do poder é ainda mais letal, porque
ele pode condenar com seus atos à miséria, durante anos, milhões de pessoas e
liquidar países inteiros, como por exemplo, o Haiti.
A outra
característica, sempre constante e observada, é que o profissional do poder, se
for competente, assim como nas outras profissões, fica rico. A diferença das
outras profissões é a rapidez do enriquecimento e o volume da riqueza. A competência
que estou aqui me referindo não é no exercício eficiente de sua profissão para
a população que governa, é na sua capacidade de enriquecer na prática de
acumular mordomias, o que gera uma outra característica, que é a capacidade de
enriquecer seu séquito e familiares. Porque enquanto os outros profissionais só
contam com o seu saber para ganhar dinheiro, como o contador, o advogado, o
médico, o profissional do poder não tem propriamente um saber, ele tem
intuições que geram a experiência em ganhar eleições. Para isso ele não pode
trabalhar sozinho. Ele precisa de outros profissionais para exercer sua
profissão desde o início. O profissional do poder terá uma série de outros
profissionais para o eleger. Ele forma uma equipe que se transforma em sua
corte. E, se sentimental, vai contemplar seus filhos, parentes, a tia pobre que
o criou, talvez, os amantes de que sexo seja e por aí vai. Com o feminismo,
mulheres podem ser também profissionais do poder. Antes não podia. Esse fato
demonstrou que, nesse aspecto, quer dizer, como exercer o poder, elas são
exatamente iguais aos homens.
A origem
do profissional do poder
Já ficou
demonstrado que o profissional do poder não se origina em classes sociais.
Existem os que vieram da burguesia, da pequena burguesia e outros do
proletariado. Nenhuma dessas classes influencia suas ideologias de forma
sistemática. Tem profissionais do poder que vieram do proletariado e só
defendem os interesses da burguesia. Nenhum deles nunca defendeu de fato os
interesses do proletariado. Propagam que sim, os mais alucinados acreditam que
o estão fazendo, mas não passa de delírio de racionalização. O máximo que
conseguem chegar é à demagogia.
Tem várias
causas para fazer surgir um profissional do poder. Vou colocar algumas mais
fáceis de serem observadas. Nascer em uma família de profissionais do poder
onde o pai, o tio e outros ficaram ricos com essa profissão. Não ter nenhuma
habilidade ou desejo de ter alguma profissão, ser indolente o suficiente para
não estudar e passar em concursos, vestibulares etc. Às vezes, isso tudo vem
associado a um grande desejo de ter muito dinheiro. Pode também isso levar uma
pessoa ao banditismo comum de traficar, contrabandear, roubar, criar máfias
etc. O profissional do poder pode não ser esse tipo de bandido, mas alguns
podem negociar com bandidos porque a origem e os atos não são os mesmos em
todos, mas as motivações são. Às vezes não dão para nada. Ser padre não dá mais
dinheiro, é um percurso muito lento e incerto quanto a vir ganhar o dinheiro que
o político ganha. Não tem vocação para artista ou tentou e não deu certo,
jogador de futebol também não tem vocação ou tentou e não emplacou, quer dizer,
não ganhou dinheiro. Enfim não tem como ganhar dinheiro. Isto é, possuir o
capital para ter uma boa mulher e/ou mulheres gostosas ou homens gostosos ou os
dois, mulheres e homens, carros caros, casas espetaculares, viagens
maravilhosas, fama, dinheiro à vontade nos bancos etc. Todos querem essas
coisas, vamos deixar de hipocrisia. Varia apenas a profissão ou os métodos, os
escrúpulos para se conseguir isso. Nessas tentativas fracassadas ou na sua
total falta de opção para ganhar dinheiro, ser um profissional do poder
pode ser a solução. Sim, me esqueci, pode abrir um Igreja para empresariar o
nome de Cristo, mas o mercado já está saturado. É a mesma situação de ser
padre. Só as grandes igrejas protestantes dão dinheiro de fato. Foram séculos
depois que Lutero, talvez até bem intencionado, talvez um alucinado, vítima de
um delírio comum nessas pessoas, mas sem conhecer o ser humano, retirou da
Igreja Católica a exclusividade da marca Cristo e fundou o protestantismo que
permitiu o varejo. Outra origem é certo impulso nervoso que faz o profissional
do poder ser líder em algumas circunstâncias. Quando todo mundo está sem saber
o que fazer ele toma a frente e os outros o seguem. Tem um incêndio. Ele, por
nervosismo e inquietação, ansiedade, pega um balde de água e começa a apagar o
fogo, aí os outros, sem pensar, por imitação, comum também em outros animais, o
seguem. Devem existir outras causas para o aparecimento do profissional do
poder e, muitas vezes, como ocorre com o ser humano, o acaso. Está indo em uma
igreja protestante para curar o alcoolismo ou por não ter o que fazer, o amigo
o levou e lá vai se destacando por qualquer razão ou a igreja não tem um nome
bom para candidatar e... pimba, ele se candidata, vence a eleição e começa a
ser vereador. Entra no paraíso. Racionaliza que foi a vontade de Jesus, se
acredita mesmo abençoado por Deus e começa a aprender a profissão e, quem sabe,
vai ascendendo a deputado, prefeito e, pronto, tem tudo nas mãos. Ter o
poder é a droga mais forte que existe. Qualquer poder, até de síndico de
prédio. Imagine o congresso nacional. E quando o poder vem acompanhado de muito
(mas muito mesmo) dinheiro, a dependência é incurável.
De onde
vem o dinheiro.
Estou
falando de uma maneira geral. Essa é uma análise sociológica, não estou me
referindo a nenhum político de nenhum país. Quem botar a carapuça na cabeça é
por livre e espontânea vontade. Quem identificar esse ou outro profissional do
poder é também um delírio pessoal. Essa é uma análise de conceitos e de tipos
sociais.
Eu disse no
início que a burguesia muitas vezes, já tendo muito dinheiro vindo de outras
fontes, em geral da exploração do proletariado, não quer ser profissional do
poder. Mas tem de controlar quem é profissional do poder. Aí, na hora que sente
a sua vontade de profissionalização, se aproxima e financia a campanha do
profissional do poder. Ou oferece dinheiro mesmo depois para passar esse ou
aquele projeto que vai beneficiar a burguesia. Por exemplo: uma grande
construtora, para lucrar, precisa construir e construções que gerem muito
dinheiro difícil de ser rastreado, principalmente se for superfaturado. Então
vamos construir. Forma-se o grupo de profissionais do poder que vai aprovar os
projetos e para isso se associar com as empresas capitalistas. E o povo fica
contente porque pensa, e lhe é sugerido, que foi feito em seu bem. Esse é só um
exemplo. Existem milhares de maneiras do profissional do poder ganhar dinheiro.
Não é o salário que é fonte do enriquecimento, são essas coisas
não-tributáveis. Profissional do poder não declara tudo ao Imposto de Renda
porque seria imediatamente preso e levaria a burguesia que o compra à cadeia.
Observem. Vez por outra uns recebem menos, ficam revoltados e denunciam. No
Japão alguns se matam quando pegados nos crimes. Sim é crime. Exercer o poder
para enriquecer e enriquecer empresas é crime. Isso é a principal causa da
miséria generalizada em que se encontra a população de muitos países. Nesses
países os profissionais do poder racionalizam para fazer o que fazem e compram
autoridades que os poderiam punir e quem estiver à venda. E, se descobertos,
dão uma de agulha: tomam no cu e não perdem a linha. O povo esquece e ele sendo
bom profissional dá a volta por cima. No Japão ainda existem resquícios da
moral dos samurais. Se descobertos, os profissionais do poder se matam. E quase
todos estão nessa situação, só depende do preço. De certa maneira é como puta.
Umas são mais caras outras são mais baratas. Sugestão de brincadeira:
Ingredientes - admitindo que todos que estão na brincadeira já beberam um pouco
e são, dentro do possível, conhecidos como aqueles que nunca deram a bunda ou
não pretendem. Dar a bunda é um grande tabu para a maioria dos homens. E
pergunte, no grupo, por quanto quem daria a bunda. Cem reais? Acredito que
todos negariam. Quinhentos reais? Um milhão... Dólares ou Euros? Pergunte a
você mesmo na calada da noite de insônia devido às contas a pagar por quanto
você cederia. Tem gente que qualquer 500 reais tá ficando de quatro. Aquele que
diz enfático que nem por dois milhões de euros daria a bunda, em geral, seria o
primeiro a dar por qualquer importância ou mordomia. O problema é a
concorrência que inflaciona o mercado. O profissional do poder é assim. Em um
milhão deve ter uns dois que não ficam de 4 diante de uma boa proposta. Assim
que gostam da proposta começam a racionalizar. E a racionalização, em geral,
inclui o povo. A melhoria do povo, os mais cínicos se dizem ou apelam para a
construção do socialismo, os desfavorecidos, a população mais carente. Por isso
ele aceita a propina. É uma estratégia, não é crime.
Vou repetir
para você se lembrar de um fato muito importante: vocês sabem que existem
profissionais em eleger pessoas. Em volta do profissional do poder esses outros
profissionais também enriquecem. O profissional do poder leva a sua equipe e
enriquece a todos além da família, dos amigos e amantes, enfim, sua corte. Ele
forma uma empresa ou, se quiserem, uma quadrilha.
Autor: Ricardo Líper