Mais
uma greve. E aqui estamos nós. Depois da dor de cabeça, tomei um comprimido e
fui dormir. Acordei pensando nesta greve. Quer dizer: fui dormir pensando nela.
E pensando como nossas greves são e como elas podem ser. O que é greve mesmo?
Para que ela serve? Como a greve pode ser gestada? A greve é uma ação ou uma
reação de uma categoria profissional? É de uma categoria profissional ou, em se
tratando da universidade estadual baiana, uma greve de categorias lutando pela
sobrevivência da universidade estadual neste território? A greve envolve toda a
categoria ou, pelo menos, maior número de indivíduos que a compõem? Existe uma
maioria silenciosa na greve de professores, estudantes e funcionários que são
contra seu desencadeamento? Essa maioria deve ser levada em conta? Nossos (as)
dirigentes sindicais têm um modelo de universidade a ser defendido, colocado
como proposição? Em caso de Estatuinte, que modelos de universidade seriam
contrapostos dialeticamente para que a construção do modelo possível
historicamente seja implantado numa síntese construída na participação?
E
todas essas perguntas passam também pela greve. Esta pode ser apenas uma parada
para ver como o Governo age diante de nossas demandas e exigências, ou pode ser
mais um momento intenso que, para além de fechar portões e ocupar órgãos
públicos, pode intensificar reflexões sistemáticas que vão aprimorar nosso
entendimento do significado da universidade estadual baiana para nosso
território, fortalecer nossas convicções em torno de sua defesa e de sua
construção rigorosa, e melhorar a qualidade dos serviços que prestamos à
população como funcionários públicos, como estudantes de universidades públicas
baianas, como intelectuais – professores (as), estudantes e funcionários (as)
(meu conceito de intelectual é gramsciano) – a serviço da emancipação do ser humano
e do desenvolvimento de nossa sociedade, baseado em princípios democráticos, na
produção científica e na solidariedade com aqueles e aquelas que sofrem as
exclusões dessas “velhas formas do viver”, a começar pela defesa dos nossos terceirizados
funcionários da limpeza e da vigilância.
A greve pode ser mais
uma possibilidade de identificar e enaltecer esse nosso “Tempo-Rei” na
universidade baiana. Um tempo em que a pesquisa seja algo comum, parte do
ensino e a extensão seja um serviço projetado com a comunidade – nunca para a
comunidade, também aliada à pesquisa e ao ensino, num currículo construído
ativamente por metodologias dirigidas por princípios acionados e acionando o
planejamento de nossas atividades acadêmicas. E isso tudo passa pela participação.
Segundo Habermas (1975) apud Catani
e Gutierrez (2000) Participar significa que todos podem contribuir com
igualdade de oportunidades, nos processos de formação discursiva da vontade. Ou
seja, participar consiste em ajudar a construir comunicativamente o consenso
quanto a um plano de ação coletivo. (GUTIERREZ e CATANI, 2000, p.62).
Nesta
definição percebemos que a construção do consenso quanto a um plano de ação
coletivo requer a participação com qualidade política, onde todos (as)
podem contribuir com igualdade de oportunidades (mesmo tempo de fala,
ambiente de respeito às diferenças, autonomia responsável, capacidade de
articulação, domínio de informação de fontes seguras, exercício da liderança,
espaços formativos e autoformativos, etc.) nesse processo. Contudo, a
participação apresenta problemas que devem ser levados em conta para não
construirmos uma visão ingênua e superficial sobre este aspecto da política.
A
vontade de poder quantificar os graus de participação, aliada à inexistência de
um critério consensual que a defina, leva o pesquisador a ter que lidar com
duas questões que dificultam qualquer análise. Em primeiro lugar é muito
complexo dar conta da consciência individual do ator chamado a participar, sua
verdadeira e íntima vocação, compreendida aqui como a disposição pessoal para engajar-se
no processo. Outro problema é que esta situação permite associar o grau de
participação ao número de pessoas consultadas; ou seja, induz a acreditar que
muitos indivíduos, interferindo fortemente em muitas decisões, constitui um
sistema bastante participativo. Ora,
sabendo que é característico do homem dar palpite em todo e qualquer assunto do
qual tome conhecimento, ao associar-se o maior grau de participação ao maior
número de pessoas interferindo no processo, entra-se numa espiral de expectativas
impossível de atender nas organizações, que pouco ou nenhum compromisso têm com
qualidade e eficiência. (GUTIERREZ e CATANI, 2000, p.61)
Assim,
para que a participação tenha bom êxito é preciso que haja uma gestão
inteligente do processo decisório. É preciso que as lideranças que estão
guiando o caminho que a instituição quer trilhar – seja escola, seja sindicato,
seja um movimento social, uma ONG, seja uma cooperativa, etc. – precisam
planejar bem suas reuniões, sugerir prioridades a partir do debate que a
plenária enseja, lembrar os objetivos gerais que orientam as ações da
instituição e gestar o processo de decisões coletivas, caso contrário a
participação pode sucumbir a própria instituição em situações contrárias aos
objetivos emancipatórios que a orientam. [...] a consulta individual aos
atores envolvidos não garante, por si só, a participação consciente. Uma
decisão prejudicial ao grupo, ou simplesmente equivocada, pode ser autorizada
por um número imenso de pessoas. (GUTIERREZ e CATANI, 2000, p.61)
Nesta
greve algo que gostei logo de cara foi o protagonismo dos (as) estudantes. Elas
e eles deixaram de vir a cabo nas greves, com falas marcadas por clichês da
simbologia discursiva sindical ou política. Começaram a falar sua própria
língua: a língua dos (as) estudantes. Com o domínio de sua própria língua
abre-se o caminho de uma historicidade própria, do surgimento de um sujeito político-institucional
autêntico, com suas próprias pautas, que as vezes coincide com as nossas de
professores (as), em torno da defesa da universidade pública. A participação
exige conteúdo. Exige legitimidade discursiva. E esta legitimidade tem de ser
engendrada nas entranhas de uma ontologia histórico social que forja e
fortalece identidades amplas que aglutinam identidades pessoais nas lutas pelas
garantias de seu espaço, de suas palavras, de seu lugar no mundo – mundo entendido
aqui como universidade estadual baiana – de forma respeitosa e até orgulhosa. O
orgulho de ser estudante da universidade estadual baiana, que tem o direito de
decretar sua própria greve e de construir a sua própria ágora.
É
neste contexto, por fim, que a greve pode ter uma qualidade política, contrária
a toda uma pobreza política que nos assola e que nos reduz à condição de
escravos obedientes aos nossos senhores que decidem sozinhos o nosso destino. Participar
da greve é exercer a indignação diante dos dados levantados sobre a situação da
nossa universidade! Participar da greve é associar interesses comuns para fortalecer
nosso exército diante do asfixiamento financeiro que nossa universidade
estadual baiana sofre, produzindo precarizações que podem nos levar ao
descredenciamento. Participar da greve significa entender que a Uneb, por
exemplo, é a universidade do pobre do interior do estado, mas que esta
universidade não deve ser pobre, mas, ao contrário, rica, com recursos,
pesquisa e ensino atrelados; professores e funcionários bem pagos, estudantes protegidos e
assessorados, produzindo artigos desde a graduação; funcionários satisfeitos
com seu trabalho, produzindo a universidade conosco, protagonizando lutas e
defendendo seus direitos. Participar da greve é, sobretudo, entender que os privilegiados
não desejam universidade pública e gratuita para o povo, que já paga tanto para
esse país andar, e ainda tem de pagar por saúde, educação, habitação,
transporte, esporte e lazer. Participar da greve é entender que, como
professores de universidade, devemos desenvolver nossas pesquisas, participar
da gestão, ser cogestores, lutar pela mudança do poder decisório no interior da
Uneb, que concentra suas principais decisões no CONSU – Só havia um diretor na Assembleia
de deflagração da greve – e tudo isso exige de nós maior concentração, maior
envolvimento, um protagonismo ativo de sujeitos que se constituem, de fato, em
sujeito com qualidade política. Participar da greve é discutir o modelo de
universidade que queremos:
- · Um santuário do saber?
- Um campo de treinamento para profissionais liberais?
- · Uma agência de prestação de serviços?
- Uma linha de montagem para o ser humano do sistema?
- Uma universidade que trabalhe formação profissional, engajamento político e comprometimento ético no ensino na pesquisa e a extensão no contexto local e global?
Assim,
com essa qualidade, a participação pode fazer uma greve, de fato, acontecer. Uma
greve grávida...
GREVEDEZ
A greve é
grave
é grávida
A greve é
chave,
é ávida.
A greve é válida
contra o
agrave
do Estado ao estudante,
ao professor,
ao funcionário.
A greve é dor,
é o estado
grave
da educação pública superior.
Grave isto:
sem greve
não arde
não há alarde
da nossa gravidade.
Estamos na base
do pão e água,
a universidade estadual baiana
quase de fome, à míngua
vivendo de nome.
vivendo de nome.
A greve é
grávida
e essa é a
chave
da nossa
labuta ávida
nossa árdua luta
contra uma
política árida.
Com
o auxílio de:
BOBBIO,
Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política.
4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
BUARQUE, Cristovam. A aventura da universidade. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
BUARQUE, Cristovam. A aventura da universidade. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
DEMO,
Pedro. Pobreza política. A pobreza mais intensa da pobreza brasileira.
Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006.
GUTIERREZ,
Gustavo Luis; CATANI, Afrânio Mendes.
Participação e gestão escolar: conceitos e potencialidades in Naura S.
Carapeto Ferreira (org.). Gestão democrática da educação: atuais
tendências, novos desafios. 2. ed., São Paulo, SP: Cortez, 2000.
MAXIMO,
Antonio Carlos. Os intelectuais e a educação das massas: o retrato de
uma tormenta. Campinas, SP: Autores Associados, 2000.WOLFF, Robert Paul. O ideal de universidade. Tradução: Sonia Veasey Rodrigues, Maria Cecília Pires Barbosa Lima. São Paulo: SP: editora da Universidade Estadual Paulista, 1993.
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