sexta-feira, 22 de maio de 2015

MODELOS DE UNIVERSIDADE: A universidade como campo de treinamento para as profissões liberais

A universidade como modelo de campo de treinamento para as profissões liberais pressupõe que exista certo número de papéis ocupacionais definidos socialmente e que, para serem exercidos exigem educação superior e treinamento técnico especializado. Um profissional liberal é aquele que atua submetendo seu trabalho à avaliação de outros membros da profissão. Assim, o advogado e o médico funcionam em seu processo de profissionalização, através de um controle interno da categoria que lhe confere considerável status social.

Tais papéis ocupacionais são organizados como grupo auto-reguláveis e autocredenciáveis de homens e mulheres que possuem e exercitam uma habilidade especial ou um conjunto de conhecimentos técnicos. [...] Muito do alto status social das profissões na sociedade norte-americana advém dessa autonomia de credenciamento, pois ela é uma espécie de poder que confere dignidade a seus portadores. [...] O alto status (e os salários elevados correspondentes) das profissões liberais serve como um incentivo permanente para a profissionalização dos papéis ocupacionais mais diversos. (WOLFF, 1993, p.36)

Embora a universidade desse modelo de formação seja a instituição que forneça os elementos básicos para a formação do profissional liberal, ela não é, de modo algum, quem credencia o estudante de Direito ou de Medicina a exercer a profissão. No Brasil é a OAB e o Conselho Federal e os Regionais de Medicina – no caso da Bahia o CREMEB – respectivamente, que os credenciam e regulam a profissão através de normas e fiscalização, pelo menos no âmbito legal.

Uma questão de identidade profissional logo se impõe: até que ponto um professor de Direito ou um professor de Medicina é professor da universidade? Quando eles (as) mantêm seus consultórios e escritórios particulares que tempo lhes sobram para dedicar-se às atividades acadêmicas? 

De inúmeras maneiras, as atividade de professores e alunos das escolas profissionais vão além da universidade, e, assim, o espírito de corpo está inevitavelmente dividido. O corpo docente das escolas profissionais não pode comprometer-se com todas as suas energias incondicionalmente com a universidade, como os professores das Artes e das Ciências fazem regularmente. Não foi surpreendente, portanto, que, durante a crise na Universidade de Colúmbia, o corpo docente da graduação e membros do corpo docente da pós-graduação em Artes e Ciências tenham-se envolvido mais completamente no problema, enquanto membros dos corpos docentes das faculdades de Direito, de Medicina e de Administração o mais que fizeram, com raras exceções, foi assistir às várias reuniões gerais de todo o corpo docente, convocados pelo Reitor. (WOLFF, 1993, p.39)


Mesmo discordando da ideia do autor de que a universidade deve afastar o que ele denomina de escolas e programas profissionais do seu âmbito de formação, a citação acima parece bastante atual no que se refere à presença do professor da universidade na universidade. Neste momento em que uma greve se desenrola na Universidade do Estado da Bahia, Uneb, motivada principalmente pela garantia de um orçamento para que esta instituição de ensino superior funcione a contento, percebemos o pouco envolvimento da grande maioria dos colegas em torno de questões relevantes apresentadas por esta greve. E, nessa grande maioria, quanto professores de Direito, de Medicina, de Administração e de áreas de considerado status social e profissional consolidados, estão presentes ativamente nesta greve?   

Identidade profissional é uma identidade coletiva, tecida na rede de relações humanas por intensas mediações, através das quais há reorganizações de significados diante das influencias e tendências culturais e sociais enraizadas na sociedade contemporânea. (BRZEZINSKI, 2002, p.9) As identidades profissionais do advogado e do médico não são dadas pela universidade, mas por seus poderosos órgãos de controle interno da profissão, regulada por seus pares. Um (a) advogado (a) não surge, por exemplo, porque ele (a) adquiriu o diploma de bacharel em direito na universidade, mas porque passou no temido Exame da OAB. É o referido exame que regula o currículo da universidade. A universidade “deu certo”, pelo menos para essas profissões, porque os órgãos reguladores das mesmas aprovaram seus outrora estudantes de Direito e de Medicina que, enfim, podem exercer a profissão com dignidade,ou sem dignidade mesmo. A tal da autonomia didático-científica da universidade vai pras cucuias!

    
Diante do reconhecimento desta realidade, como um advogado pode vir a ser professor? A tendência é que a esfera de influência e atração do advogado atraia muito mais este último, corrompendo sua própria profissionalização? E o professor? Pode ser denominado de profissional liberal levando em consideração as condições da profissão acima colocadas? Em que medida um professor tem domínios técnicos e científicos específicos de seu papel ocupacional na sociedade que demandam uma formação rigorosa na universidade e exige um acompanhamento e controle desse exercício profissional por sua categoria organizada em órgãos afins? Ou seja: em que medida a profissionalidade do professor é reconhecida socialmente e garantida pelo estado?


CONTINUA... 

Um comentário:

  1. A desvalorização da profissão começa pelos próprios colegas. São nossos colegas que sabotam o trabalho de quem quer dar aulas, orientar, pequisar, fazer extensão (e não dormir num cargo de gestão). Nesse ponto, uma mobilização na greve é custosa e alguns aparecem nas mobilizações apenas para "parecer ser" revolucionário ("estou na linha de frente"). Esse é o momento em que os discursos são materiais para estudo. É por isso que o governo e a sociedade não dão crédito ao movimento docente. Além disso, lutamos incessantemente contra o que "informa" a mídia, que "deforma", que "confunde" (como bem destaca Milton Santos). Lutar pelo reconhecimento do professor, numa sociedade do "selfie" é muito trabalhoso!

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