domingo, 19 de setembro de 2010

Voltar aos meus 17

Estava ouvindo. Não. Não estava ouvindo. Não consigo ouvir apenas, Mercedes Sosa. Estava sentindo profundamente a voz de Mercedes Sosa, interpretando a poetisa chilena Violeta Parra, penetrar fundo em meu ser. Estava, na verdade, rezando com Mercedes Sosa faz poucos minutos.

Volver a los diecisiete después de vivir un siglo

Es como descifrar signos sin ser sabio competente,

Volver a ser de repente tan frágil como un segundo

Volver a sentir profundo como un niño frente a Dios

Eso es lo que siento yo en este instante fecundo.

Neste instante fecundo fico como um menino diante de Deus, e rezo. Volto a ser de repente tão frágil como um segundo, tentando decifrar a mim mesmo e ao mundo, sem ser sábio o suficiente. Ninguém é, mas alguns acham que são. Violeta Parra, ao fazer a letra dessa poesia, interpretada brilhantemente pela grande diva da América Latina, a saudosa senhora Mercedes Sosa, devia estar num âmago de inspiração. Estava diante do mistério mais profundo do ser humano e tentou registrar esse momento particular que se tornou, senão universal, emblemático de muitas gerações.

É na fragilidade que nos entregamos a Deus numa profunda experiência de fé. Sem igrejas, sem religiões, sem as absurdas formas e fórmulas impostas de religar a terra ao céu, o ser humano a Deus. Sem o deus que cada grupo humano inventou para si e o impôs ao demais, eu encontro Deus em minha fragilidade suprema. E volto a ser um menino sem pecado, sentindo a vida pulsar profundamente em meu âmago, sem explicações científicas, políticas, religiosas. Só a vida impulsiona-me a subir os montes que cercam Macaúbas e, de lá de cima, celebrar o poder da caminhada, a vontade que levou-me até o alto.

E Mercedes continua...

Lo que puede el sentimiento no lo ha podido el saber

Ni el más claro proceder, ni el más ancho pensamiento

Todo lo cambia al momento cual mago condescendiente

Nos aleja dulcemente de rencores y violencias

Solo el amor con su ciencia nos vuelve tan inocentes.

O que pode o sentimento não é possível ao saber. Nem o mais rigoroso método científico, nem o mais bem elaborado pensamento científico e filosófico. É verdade. O poder do sentimento é indizível. Não é possível alcançar o sentimento com a mais refinada das ciências. Jamais. Tudo muda a todo momento, nos afastando docemente de rancores e violências, pois só o amor com sua “ciência” nos retorna inocentemente ao que perdemos no trajeto de nossa existência. Por isso ela volta aos dezessete depois de viver um século. E por isso também

El amor con sus esmeros al viejo lo vuelve niño


Y al malo sólo el cariño lo vuelve puro y sincero.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

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