terça-feira, 16 de abril de 2013

ABORTO SOCIAL


A Igreja Católica tem grande poder ainda na sociedade. Suas orientações são seguidas sem questionamentos e sem reflexão, bem como as orientações de outras “torcidas organizadas”, digo, religiões. Pelo menos as torcidas organizadas frequentam o mesmo estádio para assistir a um mesmo evento, no caso, esportivo. Os religiosos, porém, nem isso conseguem. Parece que o deus de um não se dá com o deus do outro e, colocar os dois num mesmo espaço público poderia desencadear uma nova guerra santa. Parece mesmo que nem estão falando de Deus. Mas de deus, uma criação de cada grupo que disputa, Bíblia a Bíblia, prece a prece, pregação a pregação, a hegemonia pelas almas baianas e brasileiras que ainda não foram “salvas” pelo deus de cada agremiação.

Bem, eu não quero ser salvo por ninguém, senão pela própria Vida, que é, naturalmente, o caminho e a verdade. É na vida que Deus está e é nela que eu vou exercendo minha humanidade possível. Entretanto, o que desejo falar neste texto é sobre algo que já falei em outros textos, mas desejo enfatizar em função do contexto que a vida apresenta com a morte violenta de milhares de jovens. Outro dia estava assistindo o excelente Programa Observatório da Imprensa, apresentado pelo experiente Alberto Dines, e, neste programa, foi citado o número de pessoas que morrem pela violência no Brasil: quase 60.000 pessoas por ano! Número funesto de países em guerra civil. Ora, não vejo igreja alguma dizer algo sobre isso. Talvez até justifiquem com a penitente resignação: “é a vontade de Deus.” Bem, de Deus é que não é. Porque Deus é Vida. Pode ser de “deus”, a criação humana de Deus. O deus de “lá ele e de lá ela”. Sei que não consigo ouvir tudo, mas no plano e no alcance da minha audição pouco ouvi um líder religioso ocupar a arena pública discursiva para denunciar essa matança, essa ausência do estado e o nosso silêncio conivente.

Fazem discursos esperados, que não comprometem ninguém, discursos fatalistas, acusando sempre o pecado do outro como origem de tanta violência. Ninguém chama a atenção da secretaria de segurança pública, ninguém reflete o desgosto de Deus diante de tantos assassinatos, de tanta corrupção, de tanta maldade e cinismo. Consideram-se acima do bem e do mal, esses líderes religiosos, consideram-se, muitos deles e delas, como se fossem o próprio deus. Semideuses, pois, do microfone que lhes está reservado, eles pronunciam os discursos que se encontram na esfera do regime de verdade carimbado e autorizado pela tradição. Foucault está certo. Nas operações discursivas o que é mais importante e verdadeiro jamais será dito. Nem pelo (a) pastor (a), nem pelo bispo, muito menos pelo cardeal. Ficará no silêncio inquietante de quem sabe o que deveria ser dito, com coragem, rompendo a margem institucional do dizer e enfrentando o cinismo, a intimidação e as violências simbólicas e físicas que produzem silenciamentos.

Romper com essa margens estreitas do discurso é fundamental para que enfrentemos as mazelas que os governos maquiam ou apagam de suas propagandas, que os pastores riscam do seu mapa discursivo, que os bispos e cardeais preferem não pronunciar, não porque seja polêmico, mas porque o equilíbrio dos podres poderes que nos regem depende muito desses silenciamentos. Eu fui de uma geração que falava mais dos problemas sociais, políticos e econômicos. Ainda herdamos os efeitos da luta pelas diretas já e por todo o movimento político e social dos anos 80. Contudo, submergimos. Mas agora, nesse contexto de tanta hipocrisia é preciso a pronúncia de cada vez mais pessoas. É preciso uma primavera política, social e cultural à brasileira e baiana.

A Igreja Católica, além de outras, por exemplo, é contra o aborto. Que seja. Também, de certa forma, sou contra. Mas uma criança que nasce numa maternidade que funciona precariamente é aborto também. Um aborto em vida. Ter uma escola pública abandonada com professores ruins é aborto também. Ter dificuldades em ser atendido em postos de saúde e hospitais públicos e privados, jogados em macas, esquecidos pelos médicos que tentam, com as condições péssimas de trabalho que têm, atender a todos e a todas na medida do impossível, é aborto também. Ficar presos em ônibus lotados, seja para ir ao trabalho, seja para voltar para casa é aborto também. Ser assassinado numa cidade sem lei é aborto também. Aborto social, porque é responsabilidade de um governo, que administra um estado ineficiente e cobrador de impostos, manter a qualidade de vida de seus habitantes, pagadores de impostos. E o assassinato de mais de 60 mil pessoas, como afirmou Marcelo Freixo no referido Programa acima citado, tem endereçamento. Com raras exceções, que por isso, tornam-se manchete em todos os jornais, são jovens negros e pobres que vivem nas periferias dos grandes centros urbanos. ABORTO SOCIAL COM RACISMO TRADICIONAL. Mas os “sábios” líderes religiosos calam sobre isso. Não reconhecem e, portanto, nem se posicionam contra esse aborto sistemático praticado por nossa falida sociedade.

Sair do “ventre livre” é fácil. Vou corrigir-me: Não é fácil e é doloroso, principalmente para a dona do ventre. Mas viver com saúde, educação, segurança e qualidade de vida é uma luta constante que, muitas vezes, é perdida pelas crianças e jovens que as igrejas, a todo fórceps, quer que nasçam, mas talvez, não queiram ou, no mínimo não se interessam que elas vivam. É como diria nosso brilhante e comprometido poeta João Cabral de Melo Neto:

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

O aborto social "ataca em qualquer  idade", principalmente jovens negros e pobres, “ e até gente não nascida”. E o silêncio celebra cada morte no esquecimento nos números dos cadáveres de todos os anos. Que os nossos líderes religiosos falem sobre isso. Que não sejam como o bispo do filme "A Missão", de 1986, que se cala diante do massacre dos índios e missionários em função das ambições colonizatórias e “civilizatórias” dos portugueses.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus,
O Emanuel.

sexta-feira, 29 de março de 2013

CONHECIMENTO? QUEM SABE MAIS?


A forma de conceber o trajeto até o conhecimento e do próprio conhecimento, é crucial, seja para processos emancipatórios, seja para processos regulatórios da formação humana na escola. Sendo dado, como algo pronto a ser apreendido passivamente pelos educandos, o conhecimento distancia-se da emancipação dos mesmos. A centralidade do livro didático, tanto no ensino, quanto na aprendizagem, vem como um sintoma claro desse movimento regulatório e coibidor do exercício da criticidade no processo educativo, que torna-se contra educativo. Na educação do campo, segundo relatos dos próprios professores da mesma, o livro didático é relativizado no processo.

Nesse caso, o ponto de partida para o conhecimento é o local, e ainda mais, sua interpretação pelos indivíduos que aí convivem. É no local onde se articula a experiência do educando, os saberes da comunidade e as festas, os encontros, os acontecimentos locais, ou globais, que adquiriram um significado próprio. No local o ser humano pode encontrar elementos de transcendência de si próprio e fazer do mundo o ventre dinâmico do seu nascimento/renascimento permanente. A escola se torna, nessa perspectiva, uma instituição educativa viva, plural, construída cotidianamente pelos sujeitos singulares. Desse ponto de vista, a escola tem que deixar de ser do diretor “fulano” ou da diretora “sicrana”, deixar de ter um dono, uma dona, e passar a ser de todos e todas, ou seja: de sujeitos singulares convergindo na pluralidade, criando a necessidade concreta de reconfiguração das relações interpessoais autoritárias, preconceituosas e discriminatórias, obrigando os (as) educadores (as) a se reeducarem, ou seja, a também renascerem de si, juntos aos educandos, num processo educativo emancipatório que pode ser desencadeado por uma nova/velha Pedagogia que começou faz muito tempo, mas ainda não pode ser concretizada em espaços institucionais e políticos mais amplos.

E aqui, neste ponto do texto, a necessidade de discutir a educação escolar e sua concepção de conhecimento e seu significado se faz imprescindível. O que é conhecimento? Conhecimento pode ter o significado de emancipação? Sim! Conhecemos porque somos curiosos e queremos saber. Tal como Gilberto Gil...

Queremos saber,
o que vão fazer
com as novas invenções.
Queremos notícia mais séria
sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
na emancipação do homem,
das grandes populações,
homens pobres das cidades
das estepes dos sertões
Queremos saber,
Quando vamos ter
raio laser mais barato.
Queremos, de fato, um relato
retrato mais sério do mistério da luz
luz do disco voador
pra iluminação do homem
tão carente, sofredor
tão perdido na distância
da morada do senhor.
Queremos saber,
queremos viver
confiantes no futuro
por isso se faz necessário prever
Qual o itinerário da ilusão?
A ilusão do poder
pois se foi permitido ao homem
tantas coisas conhecer
é melhor que todos saibam
o que pode acontecer
Queremos saber, queremos saber
Queremos saber, todos queremos saber.

Pois é: “todos queremos saber.” E do que sabemos, não queremos deixar de saber para saber um saber que nada sabe sobre o nosso viver. Portanto, conhecimento pode ser desconhecimento na alienação que produz em seu processo de conhecer. Esse saber eu não quero. Porque eu sou e porque penso. Mas não como Descartes brilhantemente e genialmente pensou. Eu penso porque vivo a minha existência encarnada num local específico do mundo. Penso porque sem o outro eu não sou nada. Sem o outro eu não consigo ser eu. Sem minha terra, sem o sofrimento e sem a esperança eu não sigo o meu destino, e não consigo escrever um palmo do meu caminho. E, assim como eu, meu educando também pensa. E quer pensar seus pensamentos, sem ser negado por uma ordem escolar ou universitária que lhe nega seu direito mais legítimo de pensar.

Para que tanto saber? Para que essa vontade avassaladora de saber tudo e a tudo controlar? Perguntava Nietzsche e, depois, Foucault. Esse saber que me nega, que me cega, que relega o meu jeito, o meu leito, o meu peito, o meu sabor e a minha ira? Prefiro, pode pensar certamente assim o educando, a minha sina que não me recrimina. E essa escola prepotente esvazia, porque sua função enfastia o educando curioso. Essa escola que quer regular, transformar em objeto o sujeito curioso, desejoso de conhecer o conhecimento de sua gente, que lhe traga emancipação, júbilo, felicidade. É da mamona que o educando de Val aciona o seu saber e é daí que elege o seu conhecer. E assim, como da mamona, vem saber do abacaxi, vem saber da Feira de Cariri, vem saber da Feira de São Joaquim, vem saber da maré e da maresia, vem saber em forma de medo, de desejo, de segredo e de poesia. E esse saber, não controla, ele apenas desenrola e sistematiza a vida que segue sua lida na alegria e na tristeza, na feiura e na beleza. 

quarta-feira, 27 de março de 2013

A SECA NA ELEITORADA BAIANA


"Considera-se que a seca que assola o Nordeste, em especial o semiárido baiano, é a maior dos últimos 60 anos." Começa Samuel Celestino (2013) a referir-se ao problema. E, mais à frente chega aonde eu penso.

O passivo que está no colo de Jaques Wagner para ele embalar não vem de agora, mas de outros governos. Seria necessário que se elaborassem projetos estruturantes para a perenização dos rios e construção de barragens que minorassem situações como a que no momento se observa. O Ceará cuidou desta equação preventivamente. Daí não estar a sofrer como acontece na Bahia. É pena, mas a verdade é esta. (CELESTINO, A TARDE, Salvador, domingo, 24/03/2013, p.B1)

A seca é um fenômeno natural, mas seus efeitos perversos é um fenômeno político e social. Sim. Desde que me entendo por gente – quer dizer, desde que fui humanizado pela cultura em que estava inserido – ouço falar da seca e de seus efeitos nocivos. Através do grande mestre Luiz Gonzaga, de Guimarães Rosa, de Graciliano Ramos, dos parentes que por lá viviam entre tantas outras e tantos outros parentes e conhecidos que traziam informações e pareceres entremeados de lamentações e esperanças. A gente conhece esse fenômeno de uma região que seca. Mas não seca porque Deus ordenou a São Pedro que fechasse a “torneira do céu”, como crê, ingenuamente, alguns e algumas, mas porque a distribuição nacional, regional e estadual da riqueza é desigual, e, por isso mesmo, injusta. E justifico com o exemplo dado por Pedro Demo em seu livro “Pobreza Política”.

Quando uma comunidade tem sua colheita destruída pela seca, enchente, praga, segue a fome. Não é porém, pobreza propriamente, porque é condição natural. Falta de chuva, em si, não é problema social. A pobreza começa a aparecer em outro horizonte, por exemplo, se apenas certos grupos passam fome, enquanto algumas minorias já não passam, ou pior ainda, lucram com a carestia. A seca não faz o pobre; faz o pobre a “indústria da seca”. (DEMO, 2013, p.07)

Portanto, o fenômeno da seca e da pobreza que dela advém no Nordeste é mais político que econômico, é mais social que natural. O estado do Ceará se preveniu, porque deve entender que os cearenses que vivem nas regiões semiáridas devem ser cuidados pelo estado, porque contribuem com denodo para a agricultura, a pecuária, enfim, a economia da região, desempenhando papel significativo nesse processo. Outra coisa seria olhar essas pessoas e percebê-las apenas como habitantes de uma região atrasada, que sobrevive às custas do estado, pedindo esmolas e favores. Talvez – e aqui, claro, estou especulando, mas com base nos efeitos perversos que identifico – os governos do estado da Bahia percebam os moradores de seu semiárido assim: como eternos esmolés, maltrapilhos atrasados e analfabetos, e, por isso mesmo, os abandone à própria sorte, melhor, ao próprio azar numa região esquecida pelo estado. Fico especulando outra coisa, menos perversa, mas, nem por isso menos prejudicial, pois produz a mesma nocividade. Talvez o Governo não queira ou não saiba governar. Assim sendo, penso que elaborar projetos estruturantes dê muito trabalho, além de ter de formar equipes de trabalho, articular técnicos competentes, dar-lhes autonomia, coibir a influência da politicagem nas secretarias de estado, colocando o espírito público acima dos interesses privados, principalmente dos interesses eleitoreiros. Mas, pelo que ouço, não é isso que acontece. A Secretaria de Educação do Estado da Bahia, por exemplo, é feita para não funcionar, porque quem sabe fazer alguma coisa útil e tem competência para agir, é submetido aos mandachuvas incompetentes indicados por partidos diversos que compõem a barra pesada, digo, a base, do governo. Sobre isso, Antonio Lins, poeta e jornalista, escreveu um texto interessantíssimo no jornal A Tarde da segunda-feira, 25/03/2013, página A3 sobre isso. Destaca ele que:

Do bom governante espera-se a coragem de fazer o que precisa ser feito em benefício do bem comum, o que eventualmente, em situações de crise, implica adotar medidas que contrariem os interesses eleitoreiros imediatos dos grupos políticos que o sustentam. Governar, portanto, significa envolver a sociedade no processo inevitavelmente difícil de construir o futuro. A alternativa é o populismo, que reduz o cidadão à condição de eleitor manipulado por uma máquina de fabricar ilusões. (LINS, Espírito Público, A Tarde, Salvador, 25/03/2013, p.A3)

E Lins continua, na tentativa de prevenir os seus leitores sobre o desencadeamento do ano eleitoral muito cedo.

O que parece bastante provável é que, nos próximos meses, a relação entre o governo e o principal partido que o apoia adquira certa tensão. Está claro que, a partir de agora, o PT não está interessado em governar o País, mas em vencer as próximas eleições. É a inversão do princípio de que os partidos políticos querem ganhar eleições para chegar ao poder. O PT quer usar o poder para ganhar eleições e para tanto não hesitará em fazer rigorosamente tudo o que for necessário. Essa é sua visão muito peculiar de espírito público. (LINS, Espírito Público, A Tarde, Salvador, 25/03/2013, p.A3)


Logo, minha desconfiança vai ganhando contornos mais verossímeis e vou passando da especulação para a constatação provisória. O governo já acabou em 2013. Agora é fazer mais alianças, seja em Brasília, seja na Bahia, para ampliar a “base de governo” a fim de acolher os infelicianos que infestam os palácios com suas imundícies mal cheirosas, seja os que se encontram na Alvorada, seja os que estão no Alto de Ondina.

A seca, portanto, é resultado dessa desordem, ou melhor, dessa ordem estabelecida contra o povo, contra o interesse público, o bem comum. A pobreza não é um dado natural, é um fenômeno político e social assegurado por desgovernos que representam interesses privados e mesquinhos, que, por uma eleição futura, botam a perder o bem comum presente. Viva o Ceará!!!!

Joselito Manoel de Jesus, Com o apoio de
CELESTINO, Samuel. A seca e o jogo político. A Tarde, Salvador, domingo, 24/03/2013. P. B1
DEMO, Pedro. Pobreza política: A pobreza mais intensa da pobreza brasileira. Campinas, SP: Armazém do Ipê (Autores Associados), 2006.
LINS, Antonio. Espírito público. A Tarde, Salvador, Salvador, segunda-feira, 25/03/2013. P. A3.

sábado, 23 de março de 2013

Infeliciano: por um movimento evangélico

O atual presidente da Comissão de Direitos Desumanos e “minorias” da Câmara de Deputados do Congresso dito “Nacional”, deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), representa, de fato, esse congresso – em minúsculo mesmo – que aí se encontra. Esse congresso está repleto de gente sem escrúpulos, que assalta o patrimônio público em busca de enriquecimento ilícito a qualquer preço. Muitos estão envolvidos em formação de quadrilha, peculato, fraude em licitações e outros tantos sinistros ligados ao crime, tal como o líder do governo no senado, Eduardo Braga.

Um líder do governo. Líder do governo, repito. Líder de um governo desse país. “Que país é esse?” Repito a pergunta do outrora e inquisitivo Legião Urbana. Marco Feliciano é só a ponta do iceberg. Um iceberg que o titanic brasil finge não ver, porque nossa república é quase uma quadrilha só. Aqui a máfia italiana não teria chance. Só se ela formasse um partido e fizesse acordos de exploração de áreas exclusivas do crime organizado. Assim como as áreas de exploração do petróleo estão sendo “licitadas”. A gente mira Feliciano, mas deveríamos mirar mais acima. Deveríamos fazer uma greve geral contra a corrupção, contra a impunidade e contra o cinismo. Os mensaleiros, os anões do orçamento, os ladrões de todos os tempos estão soltos história afora, reelegendo-se Brasil adentro. A nossa lei sempre beneficiou o capital e os crimes financiados sempre foram afiançáveis. Tem algum (a) mensaleiro (a) preso? Não. As cadeias aqui são desconfortáveis para eles e elas.

Creio que, antes de qualquer coisa, nós, denominados genericamente de povo brasileiro, devemos reconhecer esse país de merda. Esse país que finge ter uma educação de qualidade, que finge oferecer serviços públicos educacionais, de saúde, de segurança e de infraestrutura de qualidade, que finge, esfinge que não pergunta, porque já sabe a resposta e que, portanto, não devora. Contudo, entretanto, todavia, Feliciano devora suas presas ávidas por milagres. Mulheres e homens que pensam que compram deus e seu pacote de bondades em cheques, cartões de crédito – que sem senha não chega a deus – dinheiro em espécie, numa espécie de negociata celestial e, paradoxalmente, bestial. De bestas e de besteiras os pastores fajutos desembestam suas contas e aumentam seus privilégios. E um monte de tolos, com uma capacidade crítica próxima a zero, alimentam suas contas dia a dia.

É preciso que os evangélicos que se respeitam manifestem o seu desagrado com tanto estelionato, cinismo e fingimento de falsos pastores que conduzem suas "ovelhas" para o mundo da alienação e da miserabilidade humana. É passada a hora da criação de um movimento evangélico que separe o joio do trigo, posicionando-se a favor da verdade, da justiça e do amor. Um movimento evangélico e cristão que retire o dinheiro da mediação com Deus e reafirme e enalteça os valores cristãos, retomando a fé baseada nestes valores. O que não se pode é, em nome de uma falsa e deturpada “unidade evangélica”, como se todos os gatos fossem pardos, imperar o silêncio conivente. Ou será que os evangélicos podem julgar o “mundo” e o “mundo” não pode avaliar a conduta evangélica? É preciso que pastores e fiéis reafirmem a sua fé num momento crítico, em que os evangélicos de verdade, que não vivem do “dízimo” alheio, devem pronunciar a sua indignação. É preciso que levantem a voz na tribuna para combaterem os canalhas que se aproveitam da inocência e da loucura alheia. Alguém precisa falar!!  

Na verdade, tudo é mundo. Não existe um mundo lá fora, da tentação. Mundo é tudo aquilo que foi criado pelo ser humano em sociedade. Portanto, evangélicos e suas inúmeras agremiações, budistas, católicos, candomblezeiros, etc., são mundo, não podendo escapar dele e de seus efeitos, nem podendo escapar dos efeitos que produzem na grande rede interativa que é o mundo. Estão inevitavelmente entrelaçados pela história, não podendo fingir que não há nada de grave acontecendo e que não os envolve. E, sendo mundo, não devem emudecer diante de tanta canalhice de falsos evangélicos como o "pastor alemão" (que reflete o projeto nazista) disfarçado de ovelha, Feliciano não sei das quantas, um racista, homofóbico e charlatão – quando eu vejo homofobia começo a desconfiar que o pitbul que vocifera no público tem outro comportamento no privado –. O  diabo avança Congresso adentro.

Joselito Manoel de Jesus  

terça-feira, 19 de março de 2013

O Papa é Argentino. Mas Deus não é brasileiro

Por causa da recente eleição do Papa, um argentino, alguns brasileiros, famosos ou não, utilizam da velha máxima de que Deus é brasileiro, desdenhando jocosamente da nacionalidade do novo Papa. Acredito que essa afirmação de que Deus tem uma preferência especial por nós talvez venha do reconhecimento de que nosso país não tem os problemas naturais que outros países têm, como terremotos, furacões, vulcões nem tornados, capazes de aniquilar milhares de seres humanos em tempo bastante curto. Nosso país é cheio de riquezas naturais, minerais, com um clima apropriado para o desenvolvimento agrícola, para a pecuária, com grandes reservas e a maior floresta do mundo, entrecortada por rios e mais rios, sendo a maior reserva de água doce na superfície do mundo, senão me engano. Assim, Deus, por abençoar estas paragens, estaria oferecendo um indício claro de sua predileção pelo nosso país e pelo seu povo. Logo, para nosso júbilo – para utilizar uma palavra bem religiosa – Deus é brasileiro.

Contudo, desconfio que Deus não tem predileção por povo algum na face da terra, apesar de alguns acharem isso. Deus tem predileção pelo ser humano. Pensa na humanidade, em qualquer lugar do mundo onde a mesma esteja. E, segundo se conta e reconta, faz um esforço tremendo para se aproximar dela. Porque a ama. Quando a gente ama é assim. Queremos estar perto, queremos abraçar e partilhar as maravilhas de todas as coisas e acontecimentos. Teve um na Índia, que construiu até um famoso palácio para homenagear sua saudosa esposa amada. O amor produz forças insuspeitas.


Nesse território do mundo denominado de Brasil, tem muitas riquezas e belezas naturais e minerais, também tem muita coisa ruim. Melhor: tem muito “coisa ruim”. Este país tem sucessivos governos que mentem, que compram propagandas para divulgar sobre o que não existe, sobre o que não fizeram. A maioria das obras está “em andamento”. Exceto obras como aqui na Bahia, a Nova Fonte Nova ou o Maracanã, no Rio de Janeiro. Que não trarão benefício significativo para a população, só circo, porque o pão está garantido pelo “bolsa família”. Deus não pode ser brasileiro. Sendo amoroso e onipotente Ele não aceitaria crianças soterradas no Rio de Janeiro e crianças esfomeadas no Nordeste, porque nossos governantes alegam não ter recursos para cuidar de seu povo, ou pior: ao invés de socorrerem sua gente, fazem propaganda afirmando que estão socorrendo, liberando verbas tardiamente – porque não liberaram antes? –, mobilizando a Defesa Civil, os Bombeiros, o diabo a quatro. Ou seja: mentindo.


Sérgio Cabral mente tanto quanto Jacques Wagner, tanto quanto Geraldo Alckmin. São todos uns mentirosos. E Dilma também aprendeu essa principal, usual e fundamental ferramenta política: a mentira oficial. A tão debatida, discutida e imposta transposição do Rio São Francisco, está virando ruína, bem como o metrô – metrinho, quase centímetro – de Salvador; e tantas e tantas obras que enferrujam e apodrecem a céu aberto, esperando mais dinheiro para irrigar a ganância de empreiteiros, políticos e banqueiros. As imagens e as fotografias mostram a morte, o abandono, o desespero, a violência – Bahia está em 4.º lugar no ranking de homicídios (Fonte: Instituto Sangari e Ministério da Justiça, levando em consideração estatísticas de 2010 – o desmatamento, a poluição, o cinismo, a corrupção, a impunidade, a falência das instituições, entre outras tantas mazelas, mas a propaganda oficial afirma que vai tudo bem. Quem é esquizofrênico? Caso tudo fosse bem, como se propagandeia, o governo poderia retirar o Bolsa Família e,voilá! Muitos brasileiros poderiam andar com as próprias pernas.


Deus passa bem longe disto tudo, de toda essa mentirada oficial, de todo esse cinismo político. O que temos aqui é muita farsa. Farsa na saúde pública. Quem precisa de hospitais, médicos e emergências que o diga. No Rio de Janeiro, segundo a reportagem de uma emissora televisiva, crianças estão morrendo porque o único hospital do Estado que fazia transplantes de rins não mais o faz, por causa do pedido de demissão de médicos especializados, com certeza insatisfeitos com as condições de trabalho e de piso salarial; farsa na educação, porque o analfabetismo funcional avança universidade adentro; farsa na segurança pública, porque a Secretaria de Segurança Pública da Bahia já admitiu seu fracasso em combater o crime ao sugerir que levemos o “bolsa ladrão” para que não sejamos espancados ou mortos. Aliás, os dados falam por si. Nosso IDH, no ranking do Programa das Nações Unidas, não alcança a média da América Latina, ficando abaixo de países como o Chile, o México e o país do Papa. Farsa, ilusionismo, enfim, mentira mesmo, mentira em todas as emissoras de rádios, de tv e também nos jornais.


Como é que Deus pode ser brasileiro num mundo onde as enchentes, enxurradas, secas, violências de todos os tipos produzem um grande sofrimento com a produção de corpos e mais corpos de anciãos, jovens, crianças e adultos que sucumbem diante das forças satânicas dos nossos governantes? Nunca vi um governante nosso pedir desculpas pelo sofrimento do seu povo. Quanta gente não morreu e quantas não estão morrendo e, ano que vem, vão morrer pelas chuvas que cairão e que não cairão? A morte virá. Depois as verbas serão liberadas e os governa dores irão, de helicópteros, sobrevoar a área atingida. E Deus, acima deles, não tem nada a ver com isso. Ele não é brasileiro, nós não o elegemos e não é Sua vontade a morte prematura – ou o assassinato por negligência mesmo! – de inocentes. A maior catástrofe de nosso país não vem da natureza, nem da seca, nem da chuva.

Joselito Manoel 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

CATÓLICA DE LÁ, CATÓLICA DE CÁ (continuação)


Dessas minhas andanças nas Católicas tirei duas lições preciosas: a primeira é que todo movimento, por menos organizado que seja e por menos componentes que tenha, provoca mudanças. Mudanças que as vezes não percebemos, principalmente quando estamos afoitos em apressar o passo do processo de uma maneira irrefletida. Na Faculdade de Educação da UCSal conseguimos provocar mudanças no currículo, embora tivessem sido paradoxais. Entretanto nos mostrou que nossa ação política dá resultados, muda alguma coisa que, se for bem aproveitada, tanto como reflexão, como mudança concreta, pode desencadear outras mudanças mais amplas. Digo que foi paradoxal porque foi introduzido no currículo, a disciplina “interdisciplinaridade”. Nessa disciplina tinha um amontoado de conteúdos: lingüística, alfabetização, psicologia da aprendizagem, etc... “Remendo novo em roupa velha.” Foi implantado. Sem consulta à comunidade acadêmica. Entretanto, por mais paradoxal que seja, foi um sinal vivo de que nossa luta tinha pertinência e que devíamos continuar naquele caminho, ademais éramos os principais interessados naquelas mudanças qualitativas/quantitativas. Mas deixamos escapar aquela oportunidade de refletir sobre esse fenômeno. Perdemo-nos em outras mil e uma coisas dos nossos afazeres.
Na Católica de Cá foi assim. Contudo e com todos, foi na dinâmica da participação nessa instituição que fui tomando consciência das mazelas da Católica de Lá. O professor Georgehocoama foi um dos sujeitos que mais me ajudou a ensaiar uma reflexão “saviana”: radical, rigorosa e de conjunto. –“Meu filho”, dizia ele, “no dia que a Igreja se colocar contra o Estado este fecha suas portas..." Eu retrucava, mas suas palavras faziam eco em mim. Já não conseguia considerar minha participação na eclesia do mesmo jeito. Aliados vieram em meu socorro: Althusser, Bordieu, Gramsci, Habermas, Saviani, Paulo Freire e outros, foram fazendo com que eu percebesse a Igreja com uma visão panorâmica, de cima, de dentro/fora, de fora/dentro. Essa visão me permitiu um retorno dialético sobre a Católica de Lá. Um retorno crítico, defeituoso, cheio de imperfeições, mas autêntico, construído com os calos de minha mão, com minhas próprias digitais, com minhas marcas pela trajetória que trilhei.
Mas eu também aprendi minha segunda lição. Toda instituição, por mais democrática que diga ser, por mais participação que diga requerer dos seus componentes, se nega a aceitar a crítica, quando esta penetra em sua ferida exposta que, contudo, fingem não ver. Com a Igreja não é diferente: Ela gosta é de ovelhas, seres que precisam de pastores para serem conduzidos. Quando deixamos de ser ovelhas e vamos passando a ser “filhos pródigos” a Eclesia, com muitos métodos diferentes, conscientes ou não, vai nos expulsando. Isto não acontece somente com as “piabas” da poderosa instituição. Acontece com padres, freiras, bispos, cardeais, até com papas! Leonardo Boff que o diga! A Católica de Lá não gosta de quem pensa diferente. Ela não acolhe o diferente. Até pra dialogar se constitui numa tarefa árida. Não acolhe o rebelde, o contraditório, muito embora ela seja uma das instituições mais contraditórias e paradoxais que existam. Só de pensar no processo de colonização, só de pensar nas inquisições, nas cruzadas de ontem e de hoje, sinto que minha palavra não está tão distante assim da realidade factual. Todos esses séculos de existência da Igreja não amadureceram sua capacidade de dialogar com o diferente. Ainda é uma instituição hermética. Quer conquistar as “almas” para si, com o pressuposto de que é para Deus. Quem busca converter, se esquece de que o outro pode não querer ser convertido, se esquece que o outro é gente, que pensa, que tem uma história, que tem uma memória valiosa; se esquece que o outro não é ovelha e, nesses esquecimentos todos, se esquece de dialogar.
Nessas andanças entre a Católica de Lá e a Católica de Cá fui me forjando, me apresentando, me re-criando, me reduzindo, me expandindo, me aumentando, me refazendo. Quanto às Católicas, a de Lá e a de Cá, se perderam no giro da “Roda Viva” de Chico Buarque. Suas propostas não atraem mais os espíritos inquietos. Nem “poetas, nem guerreiros, nem profetas”. Suas propostas estão muitos distantes daquele Cristo revolucionário, poético, profético, guerreiro. As Católicas, por incrível que possa parecer, terminaram por matar aquele que devia nos libertar. O Cristo, o verdadeiro. Não são padres saltitantes, produtos da mídia, que vão redimir o catolicismo de suas mazelas e de sua marcha para a sua reprodução, pois é só isto que as interessa: sua reprodução e sua hegemonia na sociedade. Uma, a hegemonia de outorgar diplomas, de permitir o exercício da “profissão”; a outra a hegemonia de outorgar a “salvação”.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

CATÓLICA DE LÁ, CATÓLICA DE CÁ



Minha família nunca foi muito católica. Meu pai era um cabloco das caatingas de Remanso, umas paragens onde a igreja não se arriscava a dar às caras, pelo menos por aqueles idos entre o final dos anos 30 e meados dos anos 50. Aliás, religião nunca foi o forte de meu pai. Em seu universo linguístico não havia igrejas, nem padres. Ele fazia suas orações ao deitar e ao levantar. Orações clássicas como o “Pai Nosso” e a “Ave Maria”. Fora disso só uma missa em momentos festivos ou lúgubres, como casamentos ou missas de sétimo dia, mesmo assim de algum amigo muito chegado ou parente como irmão e mãe. Na verdade, o catolicismo entrou em nossa casa através de minha mãe, esta sim, trazia a insígnia da igreja em sua ação convertedora. Ela me levava à Igreja da Liberdade, bairro mais populoso de Salvador. Ainda me lembro o nome da Igreja: São Cosme e São Damião. Lá eu me batizei, aos onze anos de idade. Um dos maiores conflitos no período da catequese obrigatória era o baba. “Baba”, em Salvador, é a mesma coisa que futebol, pelada.

Fato é que a “bendita” catequese era num domingo pela manhã, bem na horinha do baba. Às vezes eu me escondia dentro do guarda-roupa para, pouco depois, sair às escondidas para o tão desejado e imprescindível baba da semana. Lá, os guerreiros do futebol, organizados em equipes, digladiavam-se em torno da bola, que girava em nossas cabeças de segunda a segunda. Éramos bola. Girávamos mundo. Éramos bola, mas também lama. Derretíamos na chuva, escorríamos até parar no primeiro córrego que encontrássemos. Naquela época o Calafate era uma rua cheia de minadouros que formavam córregos e fontes, onde as mulheres iam lavar roupa e os meninos iam “lavar a alma”. Uma piaba era convertida em baleia por nossa prodigiosa imaginação. Nela navegávamos os sete, oito, nove mares. Inspirados no desenhos da TV, nos transformávamos em “Aquaman”, “Namor”, o príncipe submarino, sereias e sereios, que combatiam os vilões dos oceanos afora... Éramos de água também. Aliás, éramos formados pelos quatros elementos: menino é água, menino é terra – quando se misturam é lama – menino é ar e, como dizem as mães, “menino é fogo!”

E aquele mundo era nosso santuário. Meninos-sacerdotes, celebrantes da vida redonda, que rolava em nós. Mas, quando se tratava de ir à igreja... Ó dor, ó vida! Ô coisa chata! Salvo aquele padre sorridente e sempre bem humorado que nos contava as histórias de um modo singular, como se nos guiasse por dentro da trama para, ao final, oferecer-nos sua palavra entre as nossas, com a mesma alegria e esperança, esperança esta que não estava em suas enunciações, mas em seu próprio jeito de ser. E era somente aquele momento que me interessava. Tanto é que quando o padre foi embora para outra comunidade eu nunca mais apareci por lá, apesar dos reclamos de minha mãe. Creio até que freqüentei bastante para um menino de lama como eu! Tinha domingos que eu saia vestido com o short por baixo da calça, e, ao invés de ir para a São Cosme e São Damião, fazia uma manobra não muito difícil e ia me divertir com meus colegas de bola e de lama, cumprindo à risca aquele ritual sagrado dos domingos... A missa? Não. O baba.

A influência religiosa de minha mãe foi muito grande. Primeiro ela trouxe Deus, depois trouxe a igreja pra dentro de nossa casa. Entretanto eu me despedi da igreja e das missas não muito tempo depois, como era de se esperar. Só aos dezessete anos é que comecei a participar de um grupo de jovens da igreja católica. Tinha já certa noção do funcionamento da sociedade e das mazelas causadas pelos governos, principalmente para as populações mais pobres. Ao participar comecei a perceber a dificuldade que os colegas tinham em compreender a dinâmica política da sociedade e em expressar sua opinião sobre o mundo. A partir dali comecei a ampliar meus horizontes sociais e políticos que permeiam as relações sociais. As interações em fatos como mutirões, passeatas, reuniões, retiros, encontros, estudos e outras atividades da comunidade e pessoas como colegas, padres, freiras, noviças e outros sujeitos dos muitos processos em que fui participando, foram forjando-me uma relativa consciência crítica importante para a minha formação humana. Embora muitas vezes eu ressalte o papel que as instituições desempenham na reprodução da ideologia que mantém o status quo, seria ingenuidade política não reconhecer o caráter contraditório e complexo dessas instituições. Inclusive a contribuição que elas exercem sobre o processo emancipatório de cada indivíduo é um aspecto contraditório, já ressaltado por muitos estudiosos: ao mesmo tempo que, sem elas, não é possível a humanização, com elas a opressão psíquica ao sujeito acaba por cerceá-lo de tal modo que este se encontra num horizonte restrito. O que serviu para formá-lo, serve também para deformá-lo. O ser histórico, algumas vezes se fecha no que o possibilitou. Com toda a contribuição que a Igreja me possibilitou, sei que a preocupação maior desta não é a transformação. Sob o discurso da salvação ela está preocupada com sua reprodução.

Contudo, tive a sorte de estar entre alguns adeptos de renovação concreta. Os sujeitos da Teologia da Libertação. Leonardo Boff, Frei Betto, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Hélder Câmara eram meus inspiradores e meus conspiradores. Houve um feliz encontro entre meu desejo de mudar o mundo e o anseio de encontrar Deus e dialogar com Ele, o que chamo de oração. A minha vivência na Igreja foi me formando numa práxis cristã: fé e vida; Deus e homem juntos. A ética prevalecendo sobre a fé. A ética tem prioridade sobre a fé. O que mais importa não são palavras, orações, rituais e oferendas, típicas dos religiosos. Importa mais o comportamento ético, as convicções, que não deixam de ser uma manifestação da fé autêntica, as atitudes de respeito ao ser humano, as virtudes, a solidariedade. Essa vivência fértil foi muito importante para uma identificação com os oprimidos da sociedade. Nesse processo eu me descobri oprimido também, articulando com as leituras do evangelho, relendo as histórias passadas por uma nova perspectiva, uma nova forma de ver, de tentar me comunicar com Deus à luz das aflições, das alegrias, das lutas, vitórias e derrotas dos excluídos da sociedade brasileira.

Com essas novas vivências e interpretações eu ingressei na Universidade Católica do Salvador, no curso de Pedagogia. O que eu procurava?
Bem, eu não sabia direito. Queria fazer Sociologia e como a tal Universidade não oferecia o curso referido no meado do ano, acabei optando por Pedagogia, visto que lida com pessoas à procura (hoje em dia já tenho minhas dúvidas sobre que procura é essa), mexe profundamente com o movimento da sociedade. Imaginava a Universidade um espaço/tempo propício para reflexão, para o desvendamento dos fatos e fenômenos sociais. Estava empolgado. Queria trabalhar a minha consciência crítica, fornecendo-lhe argumentos teóricos e de pesquisa, para sustentar e fortalecer a minha ação política.

Entretanto, deparei-me com a mediocridade. Um currículo ultrapassado, desarticulação entre as disciplinas, despreparo de alguns professores, instalações físicas inadequadas, inexistência de laboratórios, biblioteca defasada e com poucas unidades por título, além da ausência de um projeto político pedagógico explícito, construído conjuntamente. Numa avaliação feita por uma instituição, que já não me recordo, a UCSal. Ficou em último lugar. A despeito dos indicadores utilizados na avaliação, ficar em última colocação é um forte indício de que as coisas não andam bem. Longe das categorias pior/melhor as condições de oferta de ensino pela universidade citada revelam por si mesmas que a minha crítica não é movida por outros motivos senão a decepção com o que eu esperava. Outra tradição negativa que a Universidade Católica tem é o fato de seus dirigentes permanecerem no cargo durante gestões a fio.

Diante desses pequenos problemas alguns estudantes do referido curso se uniram, montaram chapa para eleição no Diretório Acadêmico e continuaram as reivindicações do grupo anterior. Aline, Roberto, Edméa, Isabelle, Daniel, Misael, eu e outros colegas de curso, nos unimos e elaboramos um jornalzinho, o “Práxis”, o qual serviu de instrumento precioso de manifestação de nossas insatisfações, onde expúnhamos algumas mazelas tanto a nível infra-estrutural, como a nível curricular e epistemológico. Pena que foi o único número lançado até hoje. Entretanto foi um abre-alas de nosso grupo na Faculdade de Educação. Mostrou a nossa cara, o nosso modus operandi.

Como havia dito, minha motivação estava assentada em minha participação na Católica de Lá (a igreja). O desejo de mudar, de dizer a minha palavra, o meu verso, o avesso, a aversão à hipocrisia daqueles que administram nosso dinheiro, nosso suor, nossa educação, nossa saúde, nossa vida pública... Aversão aos politiqueiros salafrários, muitos envolvidos em falcatruas, alguns no crime organizado, que representam os interesses dos poderosos, embora tenham sido eleitos pelos miseráveis. Não esqueço das pessoas que me ajudaram a pensar em meus companheiros de classe, de gênero, de raça e de idade: Irmã Elena, Nelson Santana, Dona Rita da Sussunga, padre Lorenzo, padre Renzo, Conceição da Fazenda Grande, Marivalda, irmã Amparo e tantas outras pessoas, inclusive o pessoal da PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular), Janai, William, Beto, Jailton, Marquinhos, Moisés, Valdimarina, Angélica, a poetisa, (in memoriam), Padre Carlos e tantos outros, tantas outras, comprometidas com a utopia de um mundo mais justo, mais humano, mais solidário. Assim, centrei fogo na Católica de Cá (universidade). CONTINUA...

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel