domingo, 14 de março de 2010

Debate acirrado no Bar dos Titios em Jacobina


O bar dos “Titios”, grafado no local como “Tetios”, é o posto avançado das mais altas reflexões sobre variados assuntos em Jacobina, no bairro Leader. Trabalhadores de todos os ramos se encontram lá, para conversar sobre os grandes dilemas da humanidade, sendo um dos mais discutidos a tensão entre fé e ciência, e também entre política e ética. Lá os destinos do mundo são debatidos exaustivamente, com a mediação da cerveja, do coraçãozinho de frango e pelos demais “engorda velho” que Júnior prepara na cozinha do bar, e com a audiência, muitas vezes indesejada, da vizinhança, que é obrigada a escutar os grandes debates e colóquios dos atores intelectuais que ali fazem presença com seus inflamados argumentos, que os vizinhos, insensíveis, denominam geralmente de gritos incompreensíveis.

Assim como a Itaparica ultramoderna de João Ubaldo Ribeiro tem o famoso “Bar de Espanha”, o nosso “Bar dos Titios” nada deixa a desejar em termos de acirrados e profundos debates dos quais participam ativa e corajosamente “Mão de Onça”, Sólon Jornalista, Júnior (nos bastidores), Nilson Simonal, Elson Ultraprotestante, Evandro Brabo, Neto e outros, inclusive Hélio, que participa com seu olhar curioso e seu ouvido atento e sempre dá a última palavra: quando fecha o bar. Ataíde Vara de Bambu (É fino, dobra, mas não quebra) , meu sogro, era um ouvinte sempre presente, mas a "água de fogo" - como diria o índio Jacó, sob o olhar severo e desaprovador da sua esposa Bina - o deixou de molho por um tempo. Dizem as más línguas que se dedica agora a limpeza da casa e a leituras vespertinas, até a hora da novela das sete,  quando, ao término, vai dormir.

Outro dia, Evandro Brabo estava afiado. Discutíamos tensos sobre a relação entre fé e ciência. Eu, conhecido como “O Professor”, havia dito que a região de Jacobina inteira tinha sido um mar raso, há cerca de 500 a 750 milhões de anos atrás. Evandro brabo reagiu como se tivesse levado um soco no estômago. Respirou forte e, com veemência, reagiu gritando: - Você esteve lá! Você viu o tal mar raso? Se não viu é mentira! A Ciência não acredita em Jesus Cristo! Então, para mim, a Ciência não vale nada! Aqui ó pra Ciência! empunhando o braço em forma socialmente reconhecida como "banana".
Confesso que fiquei com um pouco de medo de Evandro Brabo levantar-se e picar a mão em mim. Nunca mais afirmo uma coisa tão grave na frente dele. Pois Evandro Brabo gritou e esperneou, deu o dedo pra Ciência e quase morde o colega que estava sentado a seu lado, de tanta raiva que ficou. A discussão avançou a noite enquanto “Mão de Onça”, reconhecido pela sua agressividade, estranhamente estava calminho, calminho, só olhando pra Evandro Brabo. Lá pras tantas, “Mão”, como é chamado carinhosamente pelos compadres, pediu a palavra e enfrentou Evandro Brabo com a seguinte reflexão: - Você disse que não acredita na Ciência pois afirma que o Professor nunca esteve lá, há não sei quantos milhões de anos atrás. Pois eu te pergunto: e você, estava aqui quando Jesus Cristo desceu e subiu aos céus? Por acaso você é a reencarnação de algum discípulo do Mestre? Ao que Evandro Brabo retrucou: - Mas está escrito! Na Bíblia. O livro mais vendido da humanidade. Nunca foi modificado em uma letra. “Mão de Onça” rebateu afirmando que a Ciência também está escrita e que, portanto, os argumentos de Evandro estavam errados, pois não tinham consistência empírica. Pela primeira vez eu vi “Mão” me defender. Ele sempre afirma que a especialidade de mentir eu aprendi direitinho com Ataíde Vara de Bambu durante esses quatro anos de relação sogro-genro. Sólon Jornalista ficou ao lado de Evandro, mas com ressalvas, admitia a relatividade da crença, embora seja um fiel convicto. Eu e Mão defendíamos as contribuições da Ciência para a compreensão do mundo e Evandro Brabo defendia a fé e combatia a Ciência.

Foi um fato histórico, que registro aqui com muita satisfação. Posso afirmar que foi um dos debates mais acirrados que já presenciei no Bar dos Titios. Tudo terminou bem quando Evandro Brabo, atingido no cérebro por uma quantidade incalculada de álcool, falou que "palavras, são apenas palavras, nada mais que palavras". Repetiu isto umas trocentas vezes. Olhamos um para o outro, não dissemos mais nada. Hélio fechou o bar, fomos pra casa e os vizinhos, agradecidos, foram dormir em paz.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, da Ana Lúcia, de Tantas Gentes, e de Jesus, O Emanuel

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