domingo, 7 de março de 2010

“Olhos Famintos”: para você comer no almoço

Estava lendo o artigo de Malu Fontes, como faço todos os domingos. Gosto do estilo dela, e admiro o seu bom combate. Combate precioso e necessário nos dias atuais. Malu lança o seu olhar maduro, crítico e inteligente e emite sua opinião sincera sobre os fenômenos da mídia em sua Teleanálise. No artigo deste domingo, 07 de março de 2010, Reality na delegacia: repórter e policial na mesma função, ela examina a relação da mídia com a força policial do Estado, que está, em alguns casos, a serviço da primeira. Segundo Malu

Para integrantes da polícia deslumbrados com a possibilidade de produzir imagens “exclusivas” para o programa A ou B, ter uma câmara de vídeo na delegacia ou carregar uma na viatura passou a ser tão comum quanto o uso da farda ou da arma. Alguns delegados de subúrbio mais vanguardistas já se tornaram expert’s em captação de imagens e contam, em suas equipes, com o talento de dedicados servidores para registrar os casos mais grotescos e depois encaminhá-los à TV. (FONTE, Jornal A Tarde, Revista da TV, p. 09)

A polícia, nestes casos, virou uma extensão da mídia mais baixa do Estado do Bahia, que disputa morte a morte a audiência do sinistro público de cemitério.

O que mais me indigna são aqueles repórteres paupérrimos de humanidade que desrespeitam dia a dia os presos no interior das delegacias. Os presos são submetidos às câmeras e aos repórteres de meia-tigela que, com suas galhofadas, prestam um desserviço à sociedade. Para mim, um preso é, antes de tudo um ser humano, claro, que desrespeitou outro ser humano, mas que, preso, já está na situação que deve, entregue à lei, dentro do sistema legal que vivemos. Pena que o preso não pode fazer o que bem sabe diante daquele sujeito fantasiado de repórter, mas que não passa de um palhaço em desgraça. É uma pena mesmo. Um bom sopapo já seria um bom sinal pedagógico, pra ensinar esses moleques a serviço de programas de mau gosto. Papel de urubus, que não cumprem bem a função destinada a estes: alimentar-se da podridão e limpar a sociedade do lixo imprestável que ela produz. Não, não refiro-me aos presos, aos bandidos e marginais, refiro-me aos repórteres, seus programas e apresentadores que nos brindam com a mais alta hipocrisia, cinismo e leviandade.

Os policiais carregam câmeras para registrar e vender a morte.

Um jovem atingido por tiros agonizava na rua, tarde da noite. A polícia chegou e não moveu um músculo para socorrê-lo. Um policial já desceu da viatura empunhando uma câmera com o play acionado. Com contornos de corpo típicos dos profissionais de TV, contorcia-se ao lado do baleado em busca do melhor ângulo para filmá-lo, ao tempo em que perguntava seu nome e sobre a autoria dos tiros. Captada as imagens para que fazer mais nada? Anunciou-se aos presentes na cena que caberia à equipe da SAMU socorrer a vítima. No dia seguinte, lá estavam as imagens em um dos programas voltados para o gênero mundo cão. (p.9)
A vida do outro, principalmente se esse “outro” é um negro ou um amarelo pobre da periferia não interessa a ninguém, só a imagem entre a agonia e a morte que se morre antes dos trinta e de emboscada antes dos vinte, como diria João Cabral de Melo Neto. A casa dos pobres pode ser invadida, suas vidas devassadas, suas dignidades desrespeitadas, em nome da mídia. A barbaridade, a opressão, a violência simbólica produz mais violência que é vendida todo dia do meio dia em diante. A morte é o presente do almoço que os olhos devoram famintos tal qual a criatura do filme que, por sinal, inspirou o título desta reflexão: “Olhos Famintos”. Aquela "criatura" senta de segunda a sexta-feira em seu sofá a partir do meio dia e devora os produtos oferecidos pelos programas baianos, temperados com sangue, lágrimas, desespero, cinismo, provocação, desrespeito pela dignidade da pessoa humana. Come tudo cru com tanta ânsia que nem mastiga. Dá um beijo na esposa, acaricia a cabeça do filho e vai trabalhar ou dormir.


Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

2 comentários:

  1. eh isso mesmo, zelito... vide aí o BBB ainda fazendo sucesso na edição n sei nem mais qual! o povo se interessa pela vida (ou morte) do outro... os repórteres q entrevistam os presos querem emprestar uma dose de humor para o fato e chegam a provocar risadas (as vezes revolta) por parte do entrevistado! eh a mídia tentando emprestar tempero especial para ganhar a briga pela audiência!

    ResponderExcluir
  2. É isso Tico. Sempre você participando e emitindo seus pareceres. Obrigado por tecer fios comigo, apresentando a sua palavra e constituindo esse discurso neste lugar de encontro.

    ResponderExcluir

joselitojoze@gmail.com