sexta-feira, 5 de março de 2010

Deus e o diabo na terra do sol cada vez mais quente

Desde que nasci as pessoas falam em deus. Exigem a crença de cada um e de todos nesse deus. Deus a tudo criou e sabe de tudo. É onipresente e onisciente. É o "senhor". Mas eu desconfio que "deus" não existe. Arnold Toinbe tem uma questão enigmática. Diz ele mais ou menos o seguinte: se Deus é bom ele não pode ser onipotente. Ou se é onipotente, não é bom. Como um ser onipotente permite que a corrupção, a pedofilia, o assassinato de milhares de pessoas ao ano seja parte de uma estatística permanente? Como pode ser bom deixando tudo isso acontecer. Ah, está previsto no apocalipse. Ah bom. Deus, aquele que pode tudo, previu, a inexorabilidade dos milhões de morte de inocentes, do abuso sexual de crianças, das guerras, do cinismo, da desonestidade, da hipocrisia, da vitória sobre os honestos, os sérios, os sinceros. Embora não possamos, sinceramente, dividir o mundo em bons e maus, podemos dividir ainda em honestos e desonestos, em cínicos e sinceros, em perversos e piedosos. E, creio, isso não tem nada a ver com deus, nem com o diabo. Deus e o diabo são criações idelógicas ultrapassadas, criados para classificar, para rotular, para marginalizar, para crucificar, seja numa cruz, seja numa fogueira, seja numa viela de uma favela crajevada de tiros. O diabo não existe. Deus não existe. Não sou contra quem acredite. Mas ninguém pode ser contra mim, que não acredito. Os escritores da bíblia, denominados sagrados, eram inteligentes. Quase todo escritor, em menor ou maior grau, é inteligente. Eles, pela sociedade em que viviam, imaginaram que teriam muito mais seres humanos no futuro, e escreveram baseados nisto. O que foi escrito não tem nada a ver com futuro, tem a ver com eles mesmos. Ninguém escreve para quem não existe. As pessoas escrevem o seu tempo. Essa história de inspiração no espírito santo é conversa fiada. Fiada fio a fio pra enredar inocentes crédulos cheios de esperança de salvação. A salvação não está no futuro. Nisto o cinema americano tem razão: a salvação está em cada gesto, em cada passo, em cada ação que procura garantir a vida naquele instante precioso e único que exige a atitude salvadora. Viver é segurar numa mão ou numa corda, ou numa pedra e não cair. Viver é resistir à violência do impacto e levantar. Viver é lutar dia a dia, sem deus nem diabo qualquer. E eu vivo, ou tento, assim. Estou por minha conta e risco. Não tenho deuses, nem diabos, nem amigos. Estou preparado para o ataque e para o revide, se puder. E vivo só, sem ser solitário. Vivo em mim sem esperar por ninguém, e creio estar bem, mesmo se morrer, pois morrer é a coisa mais certa que existe, e, se alguém não esperar a morte, é porque é tolo. 

Carlos Heitor Cony diz que tem um truque. O truque de já ter morrido em determinado dia de determinado ano. É um bom truque. Se você já morreu, então pode ver "além do paraíso". E de lá pode afastar-se do mundo como ele é e ficar em paz com a sua vida, ou com a sua morte. Não sei se já posso morrer. Eu dou palpite em muita coisa, e isso indica que estou bem vivo, porque preocupo-me com as coisas da vida de muitos, de minha vida. Mas eu quero morrer em breve. Quero morrer e deixar para trás aquela vontade de ser mais de quem sou, de consumir mais do que tenho e de pagar mais caro pelas coisas que pago. Deus, você exista ou não, quero te deixar de lado e apelar para o heroísmo ou para o mito. Quero voltar atrás e crer de um jeito mais sincero, mais autônomo, mais verdadeiro. Se você é Deus, como se deixou ser capitalizado pela Igreja Católica? Se você é deus, por que não intervem na roubalheira que campeia pelo Brasil? Se você é deus, por que deixa milhares de jovens negros morrerem todo ano na Bahia? Se você é deus por que deixa tanta hipocrisia e mentira prevalecer? Se você é deus, eu não estou nem aí pra você. Não quero o fim dos tempos, não espero a vitória do mal, nem resigno-me com sua paciência de deus. Eu sou um homem e penso como tal. Penso meu tempo, penso minha história, penso meus dias e quanto mais penso assim menos te percebo. Minha espiritualidade tem limite, e tem tempo. O tempo humano que grita de raiva contra quem tem poder e não age. Meu tempo, no máximo, é de cem anos, e já tenho quarenta. E você deus, até agora, é uma idéia distante. 

Foi minha mãe quem te trouxe pra perto de mim. Ela era inocente em relação a você. Acreditava sem perguntar. Mas, deus, me permita, eu não sou feito da mesma substância de "mainha". Se você existir, e for bom e onipotente, ela deve estar zangada comigo. Mas eu tenho, antes de tudo, de ser sincero, verdadeiro comigo mesmo. Eu não posso crer em vós para ficar bem com boa parte da humanidade brasileira, incluindo as pessoas que vão ler este texto. Percebo empiricamente que tem muito "cristão" de boca que é ateu na prática. É melhor ser ateu convicto, penso. Eu creio nas pessoas que fazem o bem acontecer em cada pequeno e grande gesto. Quem me dá um pouco d'água e mata a minha sede, é deus. Quem me salva dos deslizes é deus. Quem partilha boas palavras comigo é deus. É assim que eu creio. Sem demagogias, sem hipocrisias, sem mentir, sobretudo pra mim mesmo, espero. 

Autoria: Joselito M. de Jesus

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