quarta-feira, 13 de abril de 2011

A PALAVRA COMO DESTINO OU O DESTINO DA PALAVRA?

Quanto mais eu estudo a Análise do Discurso mais eu me apaixono pela palavra, pelo signo carregado de sentidos ideologicamente marcados, historicamente direcionados. A palavra é o transporte do sentido, o veículo que possibilita o significado entre interlocutores em dialogia. Bakhtin nos ensina que  “A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor” (BAKHTIN, 2002, p. 113). Ponte. Ponte é uma necessidade concreta de ligar dois pontos, duas extremidades que precisam comunicar-se. A ponte é uma solução para um problema de passagem de um lado a outro. Os dois lados, para comunicar-se, concordam com a ponte, numa passagem de via dupla. O que vai de um lado e o que vem do outro, encontram-se dialogicamente construindo sentidos que vão, por sua vez, afetar nossas práticas sociais. Por isso que a televisão, o rádio e o jornal são pontes mal feitas, preferencialmente de mão única. Transportam significados sem diálogo, nem recebem a palavra de volta da interação em que é engendrada. O destino dessas pontes é o deserto que a palavra sem diálogo transforma o outro lado da extremidade. Essas palavras não criam um Povo, ao contrário, frankensteinizam seres humanos em zumbis de mercado, de desvalores sustentados por desejos tacanhos e mesquinhos e de fantasmas monstruosos de “cidadania”.

Entre todas as pontes de palavras, o discurso dos políticos brasileiros é o mais carregado de uma ideologia cínica e perversa, oportunista e chantagista, que trata o povo como mendigo, como um ator social desqualificado sempre a estender a mão para as migalhas que o Estado oferece como se fora bondade de uma pessoa virtuosa, preocupada com os mais pobres, que ocupa o poder. O Príncipe benevolente então, nunca deveria deixar o poder, ou se tiver de deixá-lo, pela Morte ou pela Constituição, deve deixá-lo com alguém de sua extrema confiança para substituí-lo, garantindo, assim, a continuidade de seu governo e de seu legado: a migalha oficial do Palácio. Inúmeros homens e mulheres de todas as idades com suas potencialidades e suas dignidades humanas, adquirem o sentido de “povo”. Talvez pensando nisso eu tenha feito uns versos sobre tal fenômeno, num momento histórico em que éramos denominados de "o país dos banguelas".

O povo? O povo é uma massa disforme

uma barriga enorme,

uma gargalhada estridente,

sustentada em chapas

disfarçadas de dentes.

Nesse caso, o destino da palavra, que seria uma ponte, termina convertendo-se numa catapulta que invade o espaço alheio para conquistá-lo com sangue e lágrimas. Essa palavra maldita penetra as pessoas como uma lâmina afiadíssima, cortando-lhe a palavra, delimitando-lhe o sentido e silenciando sua identidade, sua necessidade, sua esperança e seu milagre. A palavra dos seres humanos identificados em suas elaborações culturais e políticas é reduzida à palavra do “povo”, esse amontoado de gente que precisa ser dirigida, que precisa ser encaminhada, seja por um berrante, seja por um berro. O discurso político é oco, uma ponte que flutua no nada, pois não considera seu interlocutor como agente da palavra e do sentido que deve retornar ao palácio, ao congresso, à assembleia, à câmara e aos tribunais. Não, ela nem é ouvida nem respeitada, principalmente no Brasil. Os políticos fichas-sujas foram assegurados em seus mandatos pelo “Supremo”; não há nada que impeça os aumentos escandalosos dos deputados, vereadores e senadores; não há nada que se investigue dos desvios dos milhões do metrô de Salvador; nem o TCM pode rejeitar as contas da Prefeitura de Salvador; o mensalão nem existiu; e enquanto nossas rodovias são entregues ao capital privado, as universidades públicas da Bahia agonizam pelo asfixiamento imposto pelo Governador Jacques Wagner. São palavras que geram desertos de mulheres e homens com capacidade política e intelectual para intervir em sua realidade num sistema democrático.

Rubem Alves nos fala que “o político por vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.” (ALVES, 2002, p.10). Mas o discurso e a ação política transformam jardins populares em desertos artificiais de cultura, de arte, de política, de amor e sentimento genuíno de pessoas que desejam jardins para desfrutar a breve vida de cada um e de todos. Essa palavra maldita procura como destino o silenciamento, não a dialogia criativa e justa no espaço democrático das decisões. Procura a aceitação forçada e reforçada pelas migalhas municipais, estaduais e federais que destituem um Povo de sua dignidade e engendram um “povo” em sua subserviência, seu declínio, sua passagem de humano a fantasma político e cultural. Esse “povo” é o destino da palavra, não o Povo que tem a palavra como destino.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafel, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel, com o auxílio de:

ALVES, Rubem. Conversas sobre política. Campinas, SP: Verus, 2002.
BAKHTIN, Mikhail (Volochínov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 10. ed. São Paulo: Hucitec/Annablume, 2002.

2 comentários:

  1. Ah, o povo...

    Sofrido, mal vestido, mal alimentado
    Mal informado, ludibriado...
    Sem eira nem beira, marginalizado!
    Sorriso desdentado, sono de pesadelos

    Filhos a perder de vista
    Sem ponto de vista e nem de chegada
    Bando, rebanho, guiados pelo acaso
    Entrega tudo nas mãos de Deus

    Sua sina, sua má sorte
    Sua condição de miserável
    E assim aliviam duas dores,
    Crônicas e irremediáveis!

    Ah, o povo...

    ...............................................
    Abraço, querido...

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  2. Mayre e suas palavras se entrelaçam ao texto, que não é mais meu. E você tece seu discurso no curso de nossa palavra.
    Seja sempre sempre bem vinda: Sidharta ou Govinda.

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joselitojoze@gmail.com