sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Por João Bosco de Jacobina

 João Bosco, com sua bela escrita, poética ou crônica, reflte os clamores daqueles e daquelas que já não aguentam tanto cinismo, tanta injustiça, tanta impunidade. De fato, não aguentamos mais olhar para tantos malandros de gravata, toga e paletó, vestido fino e bolsas caríssimas,  terem tantos privilégios e luxos com o dinheiro público, enquanto nós, a maioria, estamos aqui pagando caro por tudo isso e ainda sendo punidos com mais impostos sobre nossos suados ganhos. Parabéns para esse escritor de Jacobina e Região que, mais uma vez, nos brinda com sua bela forma poética de expressar sua indignação. (Joselito)

1
O mundo está medonho,
Tá imensa a aflição,
Só se fala em terrorismo
E guerra sem explicação.
Mas, falemos do Brasil,
Ou o amigo já ouviu
Sobre um tal de mensalão?
2
É manchete no jornal,
No rádio e televisão.
Governistas tinham voto
Dos membros da oposição,
O governo então ganhava
E a oposição embolsava
A grana do mensalão.
3
Mentirosos feito a peste
Fingidos feito o cão,
Eis aí quem escolhemos
Pra governar a nação,
Esses monstros de rapina
Que só pensam na propina
E no tal do mensalão.
4
Esses crápulas precisam
Pedir desculpa à nação,
Dar a mão a palmatória
E se entregar a prisão,
Pra refletir e pensar
E nunca mais se enrolar
Na onda do mensalão.
5
Uns renunciam mandatos
Com medo da cassação,
Outros não dormem direito
Procurando solução,
Um já disse: - tá ruim
E o que será de mim
Sem receber mensalão?
6
Justiça tarda e não falha
Mas, pra mim é enganação,
Porque aqui no Brasil
Ela nunca chegou não.
Talvez esteja na trilha
Pra punir toda a quadrilha
Deste tal de mensalão...

Por: João Bosco Silva Fernandes, poeta cordelista
Jacobina - Bahia

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

ACIMA DA LEI, ABAIXO DA LEI

A greve dos policiais militares do Estado da Bahia está servindo bastante para meu amadurecimento político. Pensando nos acontecimentos da hora vou juntando-os, dispersos que estão em meios e mensagens divulgados por atores diversos. Vou juntando-os num conjunto ordenado de sentido que as abordagens teóricas que domino me permitem. O combate ideológico está acirrado, e a Rede Globo entrou jogando forte nesse jogo político-ideológico que agora se dá. Através de Alexandre Garcia, entre outros de seus repórteres, utiliza-se da Constituição Federal para marginalizar os policiais que fazem greves e paralisações em busca de assegurar direitos tais como a aprovação da PEC 300, proposta que cria o Piso Salarial Nacional para policiais e bombeiros.

A Lei Magna do país é utilizada ideologicamente a fim de questionar a legitimidade do movimento dos policiais e bombeiros baianos. A Lei. Mas, lei? Que lei? Começo a lembrar de uma frase de algum intelectual cujo nome não recordo, que, entre tantas outras coisas, afirmava que as classes dominantes estão acima da lei, enquanto as demais classes estão bem abaixo dela. A lei não importa para os primeiros, que sempre a atropelam quando seus interesses estão em jogo. Para os demais, a lei é uma miragem e a cidadania que a Revolução Francesa nos propiciou, muitas degolas depois, é um termo sem sentido prático para a maioria dos tupiniquins. Quando lutamos para fazer valer a lei, o estado aciona sua burocracia, seu aparelho ideológico e repressor (policias, exército) para silenciar-nos e restabelecer a ordem da desordem dominante.

De fato, a depender de quem comete o crime, ou, para utilizar um eufemismo “dilmista”, um “mal feito”, nenhuma punição o aguarda, e toda a população brasileira sabe disso, tanto é que nem espera o veredito, ou, certamente, já o espera. Em nosso Brasil, "bandidos de toga" que se utilizam de suas privilegiadas posições de poder no sistema judiciário para fazerem “mal feitos”, não vão presos, nem devolvem os super ganhos que obtiveram do sucesso de sua empreitada criminosa. São aposentados sem perdas salariais, como recompensa. Os políticos também seguem a mesma cartilha. Não ouvi falar ainda de que algum deles, envolvidos em desvios de verbas, falcatruas e “maracutaias”, para utilizar um termo bem lulista, tenha sido preso de verdade ou devolvido o que tomou dos impostos ferozes que corroem o poder de compra dos mais pobres que, proporcionalmente, são os que mais pagam impostos nesta nação.

Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?

Creio que nossa paciência está se esgotando e perguntando-se com uma legião urbana e rural de indignados: Que país é esse? Que Constituição é essa? Que funciona para a maioria e é ineficiente para uma pequena, porém privilegiada minoria? Esse “ninguém” que desrespeita a Constituição não são os pobres, os favelados, os funcionários públicos de carreira, os policiais, professores, engenheiros, enfermeiros, entre outros. Esse “ninguém” tem apenas uma denominação categórica: classe social detentora dos meios de produção, para usar uma denominação bem antiga. Mas, como diria João Cabral de Melo Neto, isto ainda explica pouco. A cultura é outra dimensão fundamental para nos aproximarmos de uma compreensão do que acontece em nossos domínios territoriais.

O processo de escravatura e o patrimonialismo no Brasil deixou marcas indeléveis em nossa cultura, que se reflete no modo como concebemos e significamos acontecimentos, pessoas e situações que se desenrolam em nosso singular processo histórico. O Capitalismo no Brasil, tal como concebido pela filosofia liberal, foi introduzido em função das concepções culturais reinantes daquele momento histórico. Por isso não podemos conceber que há apenas um capitalismo: há capitalismos, tal como vão sendo engendrados pelas culturas que vão penetrando, mesmo em se levando em conta os efeitos da globalização. Penso que o Estado de Direito Moderno, se é que assim devemos denominá-lo, absorveu as incongruências advindas da cultura portuguesa e do escravagismo que reinou por muito tempo em nossa história. Os senhores de escravos tinham direitos plenos sobre os escravos e, nenhum dos crimes que cometiam para manter a ordem escravocrata no seu domínio feudal, ou fazenda, tais como estrupos, homicídios generalizados, torturas cruéis, entre outros, não eram considerados crimes e, portanto, não eram passíveis de punição. Já especulando, penso que isso tenha chegado até nossos dias. Os senhores e as senhoras atuais na politica, na economia e no Direito não cometem crimes, senão “mal feitos”, pois são donos dos ministérios e dos órgãos do governo que ocupam e, como donos, podem fazer o que bem entender, ou simplesmente nada fazerem. Não há punição para eles e elas porque, simplesmente, a lei não os alcança, e talvez por isso mesmo seja cega. Apenas para eles e elas.

Outra herança cultural que explica bem o nosso comportamento social atual, advindo da escravidão no Brasil é a percepção do trabalho como coisa de escravo, ou seja, naquela época, de gente desqualificada. O trabalho aqui no Brasil se contrapõe ao estudo. Tanto é que a gente diz: – Tá vendo? Não estudou. Está aí nessa vida de faxineiro, agricultor, pescador, lavadeira, empregada doméstica, gari, prestador de serviços gerais, etc, etc, etc. Ainda temos uma concepção estranha de que quem estuda deve trabalhar menos e ter regalias diversas diante de quem "não estudou". Eu imagino que quanto mais estudamos é porque mais trabalhamos. Estudamos para entender melhor o mundo que nos desafia e agir de forma mais eficiente sobre ele, através do árduo trabalho. Ainda hoje eu vejo algumas famílias se orgulharem e dizerem que seus filhos fazem “Direito” ou “Medicina”, doutores que jamais poderiam lavar um prato ou varrer uma casa, ou seja: limpar sua própria sujeira. É que no Brasil antigo essas profissões foram as primeiras de nível universitário, com cursos na Bahia, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Os doutores de “anel no dedo” eram tratados com regalias e privilégios e isto se reflete na cultura da nossa gente até os atuais dias brasileiros. Quem trabalha nesse país com braço, suor e dor não é valorizado. Chico César, com sua poesia concreta nos alerta sobre esse comportamento cultural até os dias atuais quando afirma que:

A tinta pinta o asfalto
Enfeita a alma motorista
É a cor na cor da cidade
Batom no lábio nortista
O olhar vê tons tão sudestes
E o beijo que vós me nordestes
Arranha céu da boca paulista

Os tons tão sudestes, tão racistas, tão machistas, tão preconceituosos ainda dão os tons por estas paragens nacionais, sem reconhecer o sabor gostoso e emancipador do beijo nordestino em suas ruas, seus monumentos, seus edifícios e construções, enfim, sem reconhecer o valor daqueles que ergueram com braço, saudade e dor as grandes construções em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus, entre outros estados dessa federação. Como diria Patativa do Assaré, Seu doutor me dê licença para outra história contar e, sobretudo, fazer. Não precisamos fazer outra Constituição. Não. Precisamos fazer justiça!!! Precisamos que a lei escrita seja cumprida em sua letra e não empalidecida pelo conjunto de estratégias legais que liberam o criminoso e marginalizam e encarceram o povo. Não. Não é de lei que estou falando. Na verdade estou falando de uma história que precisa urgentemente ser mudada, ainda quando estamos vivos. Precisamos que o conjunto de dispositivos legais não seja apenas escritos fajutos que representam os interesses de uma classe social. É hora de fazer valer a força do trabalhador, dos marginalizados, dos desesperados, dos excluídos de modo geral. É hora de usar a Constituição a nosso favor e atuar na superestrutura social com a força que brota das indignações que se somam nessa história tipicamente brasileira que nos nega, mas que lutamos bravamente para nos assumir em nossa plenitude de direitos e ficar no mesmo nível da lei no Brasil, que tem os olhos bem abertos para discriminar.

Joselito Manoel

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Greve dos policiais na Bahia

O governador Wagner deu uma entrevista mostrando que a passagem da GAT III para a GAT IV e V, uma das reivindicações dos policiais e bombeiros da Bahia, vai acrescer a folha de pagamento em 170 milhões de reais. É sempre assim: os governos ressaltam o impacto do aumento na folha, mas não ressaltam que esse impacto na folha de pagamento tem de positivo. Os policiais são trabalhadores que produzem sua existência colocando dia a dia suas próprias vidas em risco, enfrentando uma justiça lenta e ineficiente para punir, mas rápida e eficiente para soltar o bandido no dia seguinte à sua prisão e expondo os policiais a novos enfrentamentos com os mesmos bandidos presos no dia anterior. São os três poderes do estado trabalhando contra si mesmos e, principalmente, contra os cidadãos. 

A inflação está aí para quem faz mercado toda semana ou mês. O que devemos ressaltar, como funcionários públicos em geral e como policiais em particular, é isto: o impacto negativo da inflação na manutenção da sobrevivência daqueles e daquelas que são responsáveis por preservar a ordem pública e fornecer aos cidadãos acesso aos serviços educacionais, de segurança e de saúde, entre outros, no estado da Bahia, mas que vê seu parco poder aquisitivo ficar ainda mais parco a cada ano, a cada governo. Contudo, repudio toda e qualquer ação dentro do movimento que venha a amedrontar a população e subverter a precaríssima ordem que se equilibra na corda bamba da desordem que o capital impõe a fim de satisfazer seus interesses de acumulação. Repudio policiais com armas em punho, atirando para o alto, fechando avenidas, impondo terror e medo às pessoas que deveriam ser protegidas. Esses policiais devem ser punidos por essas ações.

Entretanto, apesar de um pequeno número de radicais fora de hora, os policiais são, antes de tudo, seres humanos que precisam produzir dia a dia sua existência e que, como funcionários públicos, precisam ter direito à representação sindical e à luta e mobilização para evitar o impacto negativo da inflação em sua sobrevivência, em seu direito de ir ao mercado e comprar os alimentos, o vestuário, pagar a escola de seus filhos e das suas filhas (pois a escola pública não é de confiança), o transporte, o lazer, incluindo o teatro, a música, o artesanato, o jogo de futebol, entre outros, afinal, assim como os "Titãs", os policiais não querem só comida e bebida, querem também diversão e arte. O que os (as) policiais estão mostrando é que são mais importantes que Carnaval, Copa do Mundo e propagandas enganosas; que construções megalômanas - num estado cuja capital já tem dois estádios - para atender aos anseios da FIFA, cada vez mais rica; os policiais estão mostrando que são mais importantes que "companheiros" partidários, que recebem suas regalias à sombra regada com água de côco em vários ógãos e secretarias de governo. Mais ainda: os policiais já perceberam sua importância contra a engrenagem capitalista contemporânea, que busca acumular cada vez mais em detrimento das condições de vida dos trabalhadores.

Governador, a Bahia tem de ser, de fato, de todos nós, mas a cada ano essa semântica de sua propaganda oficial, cujos gastos devem ser, seguramente, mais de 170 milhões de reais, está sofrendo um deslocamento simbólico muito importante. Os "nós", não somos nós, os funcionários públicos e o povo da Bahia, sujeitos da história. Os “nós”, nesse caso, são as políticas governamentais contrárias aos anseios de um povo e da maioria dos funcionários públicos que o elegeram. Faça uma faxina em suas secretarias de estado e retire os "companheiros" indolentes que estão mamando nas tetas do estado e que nada produzem de significante. Retire os indicados que fingem que trabalham, na verdade, verdadeiros "contraindicados" ao serviço público por deputados, senadores, vereadores e "companheiros bons de voto". Proponha aos poderes Legislativo e ao Judiciário que reduzam seus gastos com supersalários e regalias inconcebíveis com gasolina, vestuário e penduricalhos vergonhosos que ampliam enormemente os seus salários. Tenha coragem Governador!!! Mas não queira descontar os gastos excessivos de seu governo nos ganhos parcos dos funcionários públicos. O impacto maior será em seu governo neoliberal, descompromissado com a saúde, a educação, a segurança e os demais direitos básicos da cidadania baiana.

Joselito Manoel de Jesus, professor universitário do Estado da Bahia

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

VOCÊ ASSIM

E você assim, com esse olhar distante.
E você assim, para ver se alcança
o que está por trás de todas as aparências.
E você assim lá no impossível,
aonde se alcança em sua plenitude.

É você assim sob as circunstâncias
o que há de vir ressoa diferente
pelo que já foi não criou distância
fica sempre assim: latejando
é você assim: seu trajeto, sua herança.

O que há de mundo sempre tem saudade
e nessa saudade mora a esperança
tudo o que importa nunca se acaba
é o sacramento de sua lembrança

E você assina sua própria sina
sempre bem acima de qualquer fim. 
Não se determina pelas circunstâncias
E você assim, ao olhar distante,
fecunda em nós, profunda em mim. 

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Eu elaborei esses versos diante de uma radiante fotografia de uma amiga que perdeu recentemente o namorado num acidente de trânsito.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

VIDA-MORTE-MORTE-VIDA

Ainda é tempo de viver 
e de inventar.
É preciso sabedoria para entender 
o tempo de morrer serenamente.

Ainda é tempo de criar
e de expandir revolucionariamente
o mundo mundo adentro
o mundo universo afora.

A morte sempre perpassa
todas as novidades e vive assim:
provocando o desencadeamento
permanente da vida.

E chega o tempo da vida
convocar a morte em sua presença
para renovar tristemente e alegremente
o seu ciclo.

Mas quando a gente não quer aceitar 
morre todos os dias
antes mesmo de viver a plenitude da manhã
antes de descansar em paz as nossas mortes.

Quando a gente vive e morre
Vive e morre muito mais.
Aproveita as mortes para viver
aproveita as vidas para morrer.
Serenamente.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A SALTOS

Assaltos, assaltos, assaltos!
O meu coração está a saltos!
Levaram meu pulso apulso,
tomaram meu pulso: a saltos.
Pressão e impostos: em alta.

A saltos: o meu coração.
Assaltos no plano e no alto,
“Eu te amo Dilma!” digo: Wagner!
Assaltos no Planalto,
Na Alvorada ou no crepúsculo
Não há mais escrúpulos,
Só pulos, cancelas e saltos.

Sustos, saltos altos
Era um homem de estatura mediana,
aparentando um ministro,
usava paletó, gravata e muito cinismo. 
Não. Não era negro e pobre. 
Pelo jeito deve morar em bairro nobre.
Entrou pelas “brechas” da lei
e fugiu
levando o patrimônio público
numa cueca, numa bolsinha
e numa meia.

O Boletim de Ocorrência
nem chegou ao Supremo,
que libertou de antemão o suspeito,
que nunca foi preso,
porque fazia parte de 
uma quadrilha partidária
que compunha a base do governo.

Na mesma hora a polícia de São Paulo
Baixava a madeira nuns favelados
que insistiam em ocupar uma propriedade privada,
sem brechas na lei.
Só nas cabeças de uns mais exaltados.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

EU "TENHO" MULHERES DE TODAS AS CORES

Martinho da Vila afirma que já teve mulheres de todas as cores, de várias idades e de muitos amores. Acredito. Martinho é uma pessoa cheia de prosas, de rimas e de sambas. Uma pessoa assim atrai e diverte, principalmente mulheres de todas as cores. Eu, em minha humilde atuação neste cenário, já tive algumas também, mas não de todas as cores. As louras parecem não gostar muito de pobre, o que é meu caso, e creio que assim o será para toda a vida, o que não muda em nada minha alegria de viver minha pobreza suprema e bela, sem as louras. Isso não significa que defendo a pobreza extrema. Observem que falei em “pobreza suprema” e não pobreza extrema. Essa pobreza última é triste, feia e dolorosa. Essa pobreza nos deixa um pouco non sense, e retira da nossa vida o próprio sentido que a vida tem. Essas vidas supremas e extremas se batem e se encontram em Recife, Pernambuco, no Poema de João Cabral de Melo Neto, “Morte e Vida Severina". Entretanto, em meu trajeto de pobreza, eu tive minha família. E meus pais contavam histórias. E nós vivemos nossas próprias histórias de modo único e singular, histórias que rememoramos da grande riqueza que havia em nossa pobreza e que os mais jovens nem imaginam em sua relativamente e comparativamente abastada vida de classe emergente.

Mas voltando às “mulheres de todas as cores”, confesso que também "as tenho", de todas as cores. Eu aprendi a ser homem com mulheres, a começar por minha mãe. Desde cedo percebi que as mulheres eram mais firmes e mais inteligentes que nós, os homens. Os homens com os quais convivi geralmente eram falastrões – acho que aprendi alguma coisa com eles nesse sentido – e cheios de si. Acreditavam-se heróis e poderosos, senhores do seu destino e dos destinos de suas mulheres, filhos e filhas, entre outros que estavam nos limites de sua “irresistível atração gravitacional”. Eu tenho um amigo em Jacobina, cheio de tiradas recheadas de humor. Adoro conversar com ele à Beira Rio. Ele diz que quando lava suas cuecas está lavando seus “porta-joias”, e que, em relação às mulheres com as quais namora trabalha com sua famosa “lista de espera”. Reflete, assim, essa nossa vocação masculina para a hipérbole. Algumas mulheres já estão apreendendo essa linguagem. Conheço uma pessoa que só “desce” “toda trabalhada na elegância” e não "trabalha" (estabelece relações amorosas) com determinada faixa etária de homens, velhos, por sinal. Mas independente das mulheres dominarem ou não este discurso, elas acertam seus alvos contando com os recursos e os contextos que compõem a realidade e o objeto-alvo de seus interesses.

Meu pai parecia um leão enjaulado, com a gente dentro da jaula. Mas minha mãe, agia como uma domadora silenciosa, perseverante, perspicaz e empoderada, cheia de fé e esperança no caminho que escolheu para trilhar, no lugar que escolheu para chegar. Hoje eu percebo isso com mais nitidez. Aquela fera de araque, que o contexto cultural produzia em muitos homens daquele tempo, não assustava a "bela". O milagre feminino da vida fazia o leão acalmar sua fúria e sua fome, e atravessava o tempo, todos os dias, para chegar ao lugar impossível que a fé, a coragem e a esperança inabalável conduz. Minha mãe está comigo para sempre, e, talvez, ainda depois, como diria o poeta. Se a “mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor”, uma mulher madura, senhora do seu caminho, tece a história do mundo a partir dos pequenos e vastos espaços em que ela se faz presente. Não uma mulher senhora no sentido de dominar e controlar todos os passos, como sonham os homens, mas no sentido de saber que todos os passos dados, não a demoverão de seu caminho escolhido, sejam tais passos bem ou mal sucedidos.

Acredito piamente que nós, os homens, seríamos muito mais homens se escutássemos mais e prestássemos mais atenção ao que as mulheres fazem e seus métodos de viver. A inteligência, a elegância, a força, a perseverança e a perspicácia das mulheres, além do refinamento de suas estratégias e de outras virtudes não percebidas por este pobre e limitadíssimo mortal, são elementos cruciais para qualquer currículo escolar. Para formar humanos renovados que podem e devem melhorar esse pedaço paradoxal de mundo denominado historicamente de “Brasil”. Eu sou um exemplo vivo disso. Não que tenha aprendido tudo aquilo que deveria, talvez não tenha aprendido nem o mais essencial delas, mas aprendi muito com as freiras Irmã Amparo e Irmã Helena, entre outras freiras; com Fátima Leiro, com Lícia Maria, com Jacinta Marta, com Conceição Aquino, Com Janai da PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular), com Lúcília e Dilma, com minha sogra Maria Lídia, com Dona Lizete do Calafate, Dona Maria da “Rua do Bode”, as “Batalhadoras do Calafate” e tantas outras mulheres que, cada uma a seu estilo, foram ensinando-me a ser mais gente e preparando-me para um futuro diferente nas relações entre os gêneros.

Hoje em dia aprendo muito com Mãe Stella, a Yalorixá do Ylê Axé Opô Afonjá. Sua maneira simples, direta, serena e calma de ensinar me faz crer muito mais em Deus e na Vida Suprema que nos rodeia a cada folha que cai em nosso chão. Aprendo muito com Malu Fontes, com seu estilo direto, agressivo, propício aos canalhas de plantão na política e nas mídias que utilizam suas imagens para ocultar a verdade, omitir-se, criar factóides, fabricar e eleger pseudos heróis para dirigirem a nação. Aprendo muito e sou provocado pela coragem e firmeza da Promotora Rita Tourinho, com a poesia de Adélia Prado e a poesia militante e encantadora de Elisa Lucinda. Aprendo com minha irmã, Itajacira Dórea e com minha mulher, Ana Lúcia, com a qual venho melhorando mais como homem, como irmão, como profissional, como amante, como educando permanente de minha senhora, com raros momentos de educador. Continuo, enfim, tendo e aprendendo com "mulheres de todas as cores, de várias idades, de muitos amores". E é assim que vou sendo educado e podendo, nesta breve vida que tenho, ser menos rude, menos violento, menos pobre e, portanto, mais rico de humanidades, mais sereno, mais homem.

Joselito da Nair, de Itajacira, de Fátima Leiro, de Conceição Aquino, de Irmã Amparo e Irmã Elena, de Mãe Stella, de Rita Tourinho, de Adélia Prado, de Lícia Maria, de Dona Lizete e de Dona Maria, de Lucília e Dilma, de Elisa Lucinda, de Malu Fontes, de tantas mulheres de todas as idades e cores e de Ana Lúcia, minha mulher suprema. 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

CALAMIDADE NACIONAL

Em nosso Brasil não precisamos de chuvas torrenciais, não precisamos de terremotos, não precisamos de tsunamis, vulcões também não são necessários, nem meteoros e asteroides assassinos. Temos coisa pior: temos prefeitos! temos vereadores! temos deputados estaduais e federais! temos "bandidos de toga"! Temos, enfim e infelizmente, Governo! Mais do que todas as calamidades provocadas pela natureza, mais do que a força poderosa das águas em seu curso inevitável, mais do que rochas descendo encostas que se derretem com o poder da água, mais do que os raios mortais e trovões assombrosos, mais do que pontes que desabam e casas que submergem, a negligência das autoridades responsáveis, a falta de organização e planejamento urbano, a inexistência de competência administrativa e política que ressignifique o sentido de AUTORIDADE, e, o cinismo dos representantes das instituições governamentais, é o que mais mata o povo brasileiro. E o pior: não mata apenas o corpo físico desse povo, mata também sua alma, porque retira-lhe a esperança, assalta-lhe a fé, fere profundamente a sua dignidade e retira-lhe o seu orgulho de pertencer a uma nação. 

As calamidades naturais são periódicas e matam quem está em seu caminho no momento específico e fugaz de sua passagem. As calamidades políticas são permanentes e matam tantos quantos estão no mesmo território e por um período que só uma revolução da indignação popular faria cessar. Há muita gente morrendo em filas de postos de saúde e hospitais; há muita gente morrendo de ignorância reproduzida pelos sistemas de ensino; há muita gente morrendo pelas negligências dos sistemas executivo, legislativo e judiciário brasileiro, a maior calamidade da história contemporânea desse país!!!! 

Não é a dengue que mais mata. Não é a tuberculose, nem a meningite. Não. Não são acidentes automobilísticos, nem assaltos à mão armada. Não. O que mata mesmo milhões de brasileiros todos os anos é a ausência sistemática e intencional do governo diante das responsabilidades que são suas, principalmente se esses brasileiros forem pobres. O que mata é colocar num cargo público de relevância alguém incompetente por ser apaniguado de algum (a) poderoso (a) e permitir impunemente que o roubo, a corrupção, o desvio de verbas que seriam usadas para assistir pessoas sofridas pela natureza acuada - esta também sofrida pelo capitalismo usurário - tornem-se fatos corriqueiros do Governo. São Ministérios "ministeriosos" utilizados como moeda de troca entre governo e partidos que "homicidam" os direitos sagrados do povo brasileiro. São essas coisas que matam em última instância! Um ano se passou desde a tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro, e a situação das pessoas daquele lugar permanece a mesma.

Em nosso caso, Salvador está morrendo pela incompetência negligente de João Henrique. Mas não podemos utilizar a velha máxima do "bode expiatório". Quando refiro-me a "Governo", estou referindo-me ao Legislativo - qual o papel da câmara de Vereadores nesse contexto? -, ao Judiciário - Qual o papel dos Tribunais de Contas, do TRE, entre outros? - e ao Executivo. Da mesma forma, a Bahia está morrendo pela incompetência, negligência e sanha privatista de Jacques Wagner. Os índices da Educação Básica da Bahia são lamentáveis. A construção de uma simples passarela que dá acesso ao Estádio de Pituaçú dura tanto tempo que já esqueci para que serve. Talvez seja para fazer páreo com a maior vergonha municipal e estadual: o Metrô de Salvador, que serve de chacota nacional e reforça a visão deturpada da preguiça do baiano. A cidade e o Estado já estavam agonizando antes, é verdade. Mas quando votei diferente não sabia que estava elegendo igual, o que é bem pior. Pensava, em minha ingênua e desnuda esperança, que eles iriam trabalhar duro e com seriedade para que nosso Estado e sua capital melhorasse seu estado de saúde. Mas aconteceu o pior com Salvador: João Henrique não ama essa cidade. Wagner, do mesmo modo, parece odiar. Aliás, os políticos brasileiros, salvo raras e honrosas exceções, não são eleitos para a cidade nem para o estado e muito menos para o país. São eleitos para si mesmos. Visam tão somente seus ganhos pessoais e sua perpetuação no poder, até que a bendita morte - e bote bendita nisso! - os separem. Geralmente o que acontece é "prefeito rico, cidade pobre". São como os portugueses que ocuparam esse país: uma ocupação política extrativista. Não vieram ao Brasil para morar, para fazer desse lugar um lugar de sonhos, um paraíso no novo mundo. Ao contrário: vieram para explorar, extrair suas riquezas e enviá-las para o seu mundo velho e mesquinho. Com toda essa velhice negativa, terminaram por sucumbir esse país, talvez para sempre, porque deixaram a maldita herança do patrimonialismo como "presente de grego", de cujo ventre equino, num processo de natalidade amaldiçoada, a cada eleição, saem os "degradados filhos de Eva" para tomar de assalto as riquezas do nosso país, construídas com o árduo suor da nossa gente e levadas em impostos em cascata, além de exaurirem as combalidas esperanças do povo brasileiro. 

O fato é que ainda não somos uma nação, nem nos orgulhamos da bandeira e do Hino que a representa. Já que a ordem é uma desordem e o progresso é uma miragem. Já que nossa mãe não é nada gentil, porque nos abandona nas filas dos postos de saúde, nos exclui do acesso às internações hospitalares, nos mantém numa pobreza servil. Simplesmente ainda não temos uma nação, com um povo orgulhoso. Temos um bando de larápios, com raríssimas exceções, que mal sabe o que é uma nação, o valor de um território e de sua história. Temos um sistema bem articulado em subsistemas funcionando a todo vapor para legitimar a corrupção, liberar o corrupto, e naturalizar seus desvios hediondos como regra básica da política nacional. Salvador está sendo entregue de bandeja ao capital privado, suas últimas reservas florestais, seus combalidos rios, seus mares. A Bahia está sendo privatizada de chão a chão, de porto a porto, de estádio a estádio. Caso ACM tivesse vivo e governando a Bahia, e privatizasse a BR 324, um mar imenso de bandeiras vermelhas e de "militantes" partidários estariam fechando a via e denunciando a agressão constitucional ao sagrado direito de ir e vir. Ora bolas. 

Gostaria de aproveitar e parabenizar a respeitada senhora Rita Tourinho, que coordena o Grupo de Defesa do Patrimônio Público e Moralidade do Ministério Público, e, entre outras e outros que ainda resistem a esses governos "de Tróia". Não sei se ainda há povo neste território, mas se tem, porque se cala? Porque se omite diante de tanto achincalhe desses homens e mulheres que exibem seu cinismo e sua volúpia em torno do nosso patrimônio público? Contra a privatização da cidade do Salvador, contra a Privatização da Bahia, contra o Governo, sem me denominar libertário.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.