terça-feira, 11 de junho de 2013

Filma as Baianas de Acarajé Galvão!

O Brasil atualmente passa por um processo de preparação em função da necessidade de sediar a copa do mundo em 2014. Este evento internacional serve como possibilidade de análise e compreensão de como aspectos políticos e ideológicos, articulados por poderes econômicos, funcionam em nosso país, privilegiando o capital internacional em detrimento da exclusão de indivíduos, grupos e instituições e de suas culturas locais. A questão da venda de acarajé na Arena Fonte Nova e em seu entorno, é um exemplo vivo deste processo de poder que ocorre em nosso território, dito soberano.

Segundo Manchete do jornal Tribuna da Bahia, do dia 06/06/2013, “Fifa libera venda de acarajé na Arena Fonte Nova”. Segundo a mesma reportagem “a Fifa chegou à conclusão de que o acarajé das baianas de Salvador não é uma concorrência para um de seus principais patrocinadores, a rede de fast food McDonald’s. Com isso, a polêmica que já durava quase um ano chegou a um final, dando ganho de causa às baianas e seu quitute, que é patrimônio imaterial do Brasil.” A proibição da presença das baianas que vendem acarajé era de 2 km da arena, uma distância bastante considerável. Eu, que participo de corridas de rua, para percorrer 2 km levo uns 09 minutos. Em tese, nenhuma baiana poderia vender acarajé em boa parte da região do Nazaré, nem nas imediações da Lapa. As baianas que têm seus tabuleiros no entorno do Dique do Tororó há anos seriam retiradas pela força coercitiva deste acordo esdrúxulo entre a Fifa e o Governo baiano, contra o povo que ele diz governar. Vá lá que se proíba no interior do estádio, bem privado construído com dinheiro público para maximizar o lucro privado. Mas proibir outras atividades comerciais que concorrem com os patrocinadores da Arena Itaipava, numa distância de 2 km, é um abuso de poder, afinal, a concorrência não é um princípio basilar do capitalismo?

Além do abuso desse poder econômico, tem outra questão importantíssima: o acesso aos jogos não será feito por baianos, com suas identidades culturais, seus modos de perceber, sentir e saborear o mundo, balançando suas caxiloras. Serão apenas “torcedores”, um grupo sem identidade, destituído de laços culturais, simbólicos e afetivos com a sua história e o seu lugar, o que os reduzem à pobreza política. Pedro Demo (2006), afirma que “quem é politicamente pobre é massacrado como sujeito, restando-lhe a condição de objeto, por vezes como maioria residual” (DEMO, 2006, p.33). Essa “maioria residual” tem seus direitos e deveres restringidos à compra de ingresso, entrada nas “Arenas” esportivas e aos modos homogêneos e uniformizados de “torcer”, afinal, torcedor é torcedor em qualquer lugar do mundo. Uma unidade uniformizada sem identidade, sem lugar, sem história, sem acarajé e sem laços culturais que o tornam singular em sua riqueza identitária.

A proibição da presença da baiana vendendo seus produtos culinários no estádio e em seu entorno é um desrespeito de um capital agressivo, capitaneado pela FIFA, às nossas tradições culturais e estéticas que a baiana do acarajé representa, com suas vestes e sua culinária singular. Percebemos, nitidamente, a questão do poder instaurada entre indivíduos, grupos e instituições (FIFA)/Arena Itaipava, que desejam impor o consumo de produtos industrializados – cerveja, suco de caixinha, refrigerante, batata-frita, hambúrguer, etc. – segundo apenas os seus interesses, e de outro lado, outros indivíduos, grupos e instituições (ABAM – Associação das Baianas de Acarajé e Mingau) que desejam produzir, consumir, vender, produtos culinários tais como o acarajé, o abará, o bolinho de estudante, a cocada, o bolo de tapioca e carimã, a “passarinha” frita, o mingau de milho, etc. Estes últimos produtos trazem um recheio especial: a historicidade africana brasileira que, apesar de seu sofrimento e enfrentamento, representam a força viva da criatividade e da luta afrodescendente no Brasil.

A África não entra na Arena Itaipava. O Sertão também não. O Recôncavo, nem pensar e a caatinga e qualquer outro território identitário, como a nação grapiúna, nunca vai adentrar aqueles portões daquela construção gigante em tamanho, mas minúscula em sentidos culturais e sociais da nossa gente. É como se fosse uma nave alienígena que pousou sobre nossa velha Fonte Nova, queimando o nome do estádio, Otávio Mangabeira, em seu pouso forçado. Nossa baianidade em rico processo de construção e reconstrução, foi varrida do estádio. Queriam mantê-la a uma distância de 2km, para que sua presença simbólica não atrapalhasse o lucro e a alienação completa de “torcedores”, seres desumanizados pelo desejo individual que responde ao apelo ideológico das mídias, mesmo que seja por segundos, de estar no centro das atenções mundiais.

A proibição da venda do acarajé e dos demais quitutes no interior e no entorno do estádio esportivo e de entretenimento, recém inaugurada, revela o exercício autoritário do poder de um grupo internacional, aliado a interesses mesquinhos do capital nacional, que penetra nosso espaço geográfico e tenta reproduzir formas de exclusão tão antigas quanto coloniais. A pobreza política pode ser o resultado desse processo, na medida em que reduz os soteropolitanos, em sua maioria afrodescendentes, com sua cultura viva, pulsante, cheirosa e gostosa, à condição de torcedores, apenas torcedores, uma referência esvaziada de história, de sabor e de memória, de organização, luta e enfrentamento contra a homogeneização que o capital internacional quer impor sobre nossa gente, reduzindo-os à massa de torcedores que concentram suas energias para a hora do gol, o gozo supremo de “torcedores”, segurando um cartaz onde se lê uma frase com um sentido político subserviente: “Filma Nós Galvão!”.


 Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel
Com a ajuda de Pedro Demo e da Tribuna da Bahia

segunda-feira, 3 de junho de 2013

deus ou o diabo? Última semana!


À medida que o tempo passa a gente vai observando melhor as pessoas e deixando de associar a fé que professam publicamente com as atitudes, muitas vezes contrárias a esta suposta fé que dizem ter. E eu: o que entendo por fé? Quase nada. Difícil falar sobre o que pouco entendemos. Contudo, posso falar de fé por intermédio da amizade, pois foi assim que fui cultivando minha experiência de Deus. Algumas amizades acabaram, mas Deus ficou.

Quando eu era criança Deus era chato. Pelo menos o modo de engolir deus que a sociedade me impunha. Somos criados para acreditar em deus. Somos forçados a acreditar em deus. E, para isso, nos oferecem o inferno como segunda e única possibilidade. Deus é amor e a luz, o diabo é o ódio e a escuridão. Bem. Parece que não há saída para esta equação aparentemente simples. Lembra-me aquela anedota em que o pai pega o filho, ainda de colo, para ele escolher o time do coração. E espalha várias bandeiras na mesa, incitando a criança para que escolha. E não é que o bebê escolhe exatamente a bandeira do mesmo time para o qual o pai torce? Incrível! Omitindo-se a informação de que todas as bandeiras eram do mesmo time.

Com toda boa vontade de minha mãe, e da sociedade que ela representava, eu fui dirigido para acreditar em deus. Ou acreditava nele ou marcharia inexoravelmente em direção às chamas do inferno. Um dia... Lembro daquela noite terrível! Numa igreja evangélica da Fazenda Grande do Retiro que meu irmão Jorge me levou, exibiram um filme sobre o inferno, no qual, numa das cenas, jovens que pilotavam divertidamente e irresponsavelmente, suas motos, e, mortos no acidente provável, eram carregadas para o inferno por criaturas horrendas. Ao final do filme faziam um convite para que a gente aceitasse “Jesus”. Ora, é claro que aceitei na hora! Sentia as chamas do inferno queimando a minha culpa de pecador, um pecador infantil, que nem sabia a exata dimensão do meu grave pecado, que me levava para o meu quinto dos infernos construído ali mesmo. É como as horrorosas propagandas da Ricardo Eletro ou da Insinuante: É só esta semana! Vai acabar! Últimos dias! É Deus ou o diabo! Escolha logo. Pegue deus na promoção da igreja mais próxima de você! Nada melhor que a pedagogia do inferno para nos conduzir até os braços de "deus". O "deus" do pastor ou do padre.

Além disso, há uma vigilância social, um policiamento contra a descrença, contra o cansaço, contra a chateação, contra a reclamação diante de Deus. O mundo apodrece e Deus parece não estar nem aí pra nós. Sempre vem algum idiota, com ares de autoridade santa e com sua suposta “certeza inabalável” querer explicar para mim, ou para outrem, que tudo isso tá escrito, que o Apocalipse prevê isso, que nos fim dos tempos, e blá blá blá. Ora, ora. O que eu vejo é muita hipocrisia! O que eu identifico é a mesma cultura do “farinha pouca meu pirão primeiro”, sobrepujando a tão “inabalável fé” em Deus. Quando os interesses pessoais estão envolvidos esse deus vai “pras cucuias”! Aí se apela para políticos – deuses terrenos que resolvem tudo pra nós. Que colocam a gente na frente das filas e nos transferem pra onde queremos, passando-nos na frente dos outros, porque somos "amigos do rei". Nesse exato momento a política ultrapassa a outrora inabalável fé, pois política e fé não se misturam, não é mesmo fiel?

Agora eu vejo na própria internet uma confissão de fé que se repete, que se repete, que se repete, que se repete, como se a pessoa precisasse convencer as outras de que acredita em Deus e que sua fé é inabalável e que Deus vai lhe dar conforto, dinheiro, sucesso, enfim, tudo o que a colocar no topo de algum lugar aonde, pela glória em si, as outras pessoas, os infiéis, os descrentes, verão a deus. Depois alguns idiotas, fingindo-se "sãos e sábios", ainda me perguntam porque eu rio tanto. Idiotas que adoram apontar o dedo para a loucura aparentemente evidente dos outros, enquanto suas loucuras aparentemente invisíveis são cultivadas em seu ser. Essas pessoas pensam que eu não saco elas enquanto rio. Rio delas, percebendo a manobra simplista e idiota das mesmas, pobres coitadas, que pensam muito pouco, e, por isso mesmo, adoram aproveitar o tempo para apontar para a suposta loucura alheia. Dois tipos que detesto: idiotas reunidos em nome de deus e idiotas reunidos em nome da normalidade

Porque não pedimos a Deus para sermos felizes com o que temos e com o que nos falta? Por que não pedimos a Deus somente aquela paz que emana da simplicidade? Por que não pedimos a Deus somente a força para sermos honrados e decentes, honestos e sinceros quando as tentações nos provocarem? Por que não pedimos a Deus a força para evitar passar na frente dos outros pelo acostamento, pelo sinal vermelho e nas filas da vida? Deus deve ficar chateado com tanta gente que reza por obrigação, por contrato. Por que está na hora marcada de rezar. Desde criança eu ouço que Jesus está voltando. Ô Viagem demorada! Jesus deve morar muito longe, pois já se vão algumas décadas e nada dele chegar. Afinal, ele está lá, de onde está voltando, ou cá, no meio de nós, como um Deus Conosco? Um Emanuel?  

Ouvi em algum lugar que, no Brasil, temos muitos cristãos de discurso e ateus de ação. Constato. Todo dia Deus é colocado de lado no trânsito, por exemplo. Quantas vezes eu não vejo o símbolo da divindade num fundo de um automóvel, como o terço que estaciona no passeio e que não avisa que vai mudar de faixa, etc. O Brasil não é sério nem com Deus. Não que não possamos errar, cair em contradição, afinal, a humanidade é isso também. Mas isso também não nos impede de tentar agir conforme nossas palavras, nossas crenças, nossas convicções, se é que temos alguma em direção à virtude. Assim, nessa hipocrisia nossa de cada dia, eu prefiro não acreditar nesse deus conveniente, que só aponta para a conquista do carro, da moradia, do “sucesso”. Um deus capitalista, vendido em qualquer prateleira eletrônica, pois, depois da tv, “deus” está fazendo muito sucesso também, tendo o inferno e o chifrudo, como parceiro de fé. Ah. E antes que os cristãos de araque torçam para que a espada do deus deles caia sobre mim, para que eu sirva de exemplo para os "infiéis", torçam para que ela caia antes sobre os políticos brasileiros. Assim ficarei satisfeito. Mas estou bem, gozando que só, no maior paraíso.


Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel. 

segunda-feira, 20 de maio de 2013

O DESPERTAR DOS ESTUDANTES PARA UMA DEMOCRACIA NA UNEB


A Universidade do Estado da Bahia, tem um papel destacado e pioneiro na interiorização do ensino superior em nosso estado. Enquanto só havia uma universidade federal na Bahia, situada quase que exclusivamente em Salvador, atendendo aos jovens das classes média e alta da capital, a UNEB atendeu e atende milhares de jovens e adultos que necessitavam do ensino superior mas não tinham condições de deslocar-se para Salvador a fim de que suas necessidades fossem atendidas. A maioria dos jovens e adultos que foram e são atendidos pela instituição de educação superior citada são pessoas mais pobres, muitos das zonas rurais de cidades próximas aonde a instituição supracitada está instalada, e que, portanto, sem esta universidade, estariam relegados a estacionar no ensino médio sem perspectivas de aperfeiçoar seus estudos através de um curso superior.

A UNEB, nesse contexto, desempenha uma função social, política e cultural importantíssima: propicia, de certa forma, a um contingente de jovens e adultos, para os quais a sociedade baiana não reconhece o direito, o acesso ao ensino superior.

Sob a luz desses fatos e números, o que podem fazer as instituições de educação superior para contribuir para a redução da desigualdade radical da sociedade brasileira? [...] A resposta mais óbvia é que as instituições de educação superior, ao ampliar a base social e econômica da sua população estudantil, podem tornar lugares extremamente escassos nas altas camadas da sociedade brasileira disponíveis em uma base mais equitativa para os rapazes e moças com idade de estar numa universidade. Esta é certamente uma meta compensadora, e num país do tamanho do Brasil, a distribuição mais justa de oportunidades de vida existentes pode significar muito para milhões de pessoas. (WOLFF, 1993, p.16)

A Universidade do Estado da Bahia, UNEB, de fato, significa muito para milhares de pessoas que moram no interior desse estado. Significa, sobretudo, deslocar a geografia e a história do ensino superior na Bahia para lugares e pessoas que, a se crer nas elites econômicas do estado, deveriam sempre ficar em seus devidos lugares culturais, políticos e intelectuais: os jovens e adultos pobres do interior da Bahia. A UNEB, inevitavelmente, é um fato político inusitado neste estado lamentável de coisas denominado Bahia.

Através de seus estudantes o aboio, o curral, a fazenda, o cavalo, a vaca, o cachorro e o boi, o latido, o canto do galo e o mugido, entram na UNEB; através do sabor entram o doce, a rapadura, o queijo e a manteiga de garrafa, entra a pinga, a mandioca e a farinha; através da memória – interditada por processos didáticos e metodológicos definidos por uma epistemologia politicamente preconceituosa e autoritária – entram o sisal, a organização política, social e econômica daqueles que resistem a processos econômicos usurpadores do jeito comunitário de viver a vida no interior da Bahia. Na UNEB entra o forró, entra o xaxado que levanta poeira no salão de barro batido. Mas não entra de mãos vazias. Traz a vida significada pela mediação do objeto que revela e oculta os segredos da vida no interior baiano.

Mas na UNEB entra também o latifúndio, o absurdo, e os resquícios do coronelismo. Entra o preconceito e o conflito; entra o poder e a cultura de decidir, entra o perigo, entra o abrigo, e se instaura a contradição no coração da educação superior. Na UNEB entra também o privilégio sem mérito, entra o estudante semianalfabeto, entra o descaso com a formação, entra professor sem compromisso e tudo isso compõe a UNEB que se conhece e se desconhece em seu processo de construção. Entram processos de privatização do espaço público e publicização do que foi privatizado por mecanismos escusos, patrimonialistas.

E é por causa desses processos contraditórios que é preciso, cada vez mais, democratizar a Universidade do Estado da Bahia, lançando luz nos corredores por onde transitam desejos de mudança e de conservação, ampliando a participação nas salas onde reuniões decidem o seu futuro e direcionam o seu presente, modificando os modos de decisão, as instituições e representantes que decidem, além de monitorar a efetividade social que a universidade produz. É por reconhecer a importância da UNEB para cada um e todos nós que devemos lutar por ela, como se luta por um bem precioso, como se luta pela escassa água no deserto abundante de areia e aridez. E os estudantes dessa instituição têm um importante papel nesse processo.

Na arena pública não se ouve um discurso que se manifeste contra mudanças na UNEB. Entretanto, tudo parece morno e frio, perdido nas rotinas de aulas e notas, de reuniões de Colegiado, de Departamento e de área que pouco mexem com o modus operandi da instituição de educação superior existir. Mesmo em períodos de greve não conseguimos discutir com tenacidade questões importantes sobre democracia, participação, compromisso. Do ponto de vista político professores e estudantes se encontram em estado vegetativo, respirando por aparelhos, cujo oxigênio o governo baiano reduz a cada semestre, a cada ano, na tentativa de asfixiar a instituição que considera um peso para o estado.

No entanto, atualmente começo a vislumbrar uma reação dos estudantes, insatisfeitos com o Diretório Central dos estudantes, com o CONSU, com pagamento de bolsistas, com uma pesquisa mal financiada, com a estrutura física dos campi no interior do estado, enfim, com o estado em que se encontra a UNEB neste momento do nosso tempo histórico. Há sujeitos políticos acordando de um sono letárgico aqui no Campus IV e no Campus XI. Ouço bocejos, ouço vozes querendo “buscar o dia”, como diria o saudoso avô do colega Edvaldo Hilário, Seu José Hilário. Ouço um amanhecer ainda nesta noite desta instituição de educação superior, desejando livrar-se de um esquema montado para uma “maioria” fingir decidir a favor da decisão já tomada por uns poucos. Ouço discursos que se rebelam contra a estruturação político cultural da UNEB como uma “capitania hereditária”, eivada de patrimonialismos que caracterizam o espaço público baiano e brasileiro e contamina todo o tecido social.

Nós temos de estar atentos para isso, porque quanto mais luz e claridade é jogada num processo de decisão e ação, mais avançaremos na publicização do privado, reduzindo ou eliminando oportunidades de corrupção e privatização do público de forma nociva, principalmente na UNEB. Não é algo fácil, que dependa apenas da vontade deste ou daquele indivíduo. É preciso a criação de movimentos e grupos oriundos fora das instituições já criadas, tais como DCE, CA’s (Centros Acadêmicos) e DA’s (Diretórios Acadêmicos), para fugir dos vícios e de “lideranças” que mais representam interesses ideológicos de partidos que ainda pensam estar no século XIX do que os interesses e necessidades dos estudantes.

É preciso reivindicar uma avaliação institucional séria, aberta, verdadeiramente democrática, onde o conflito necessário seja encaminhado produtivamente para a efetividade social da UNEB, para a desconstrução das velhas formas de decidir, encaminhar, implementar e acompanhar os seus processos, a fim de que a Instituição supracitada se fortaleça cada vez mais na função social que vai se delineando com o contexto que não cessa de exigir decifração.

É preciso que olhos atentos, estejam bem abertos e vigilantes sobre os processos institucionais. Ressalto, mais uma vez, a importância da participação nesse processo de luta entre a privatização do público e a publicização do privado. Participar, segundo Habermas, “significa que todos podem contribuir, com igualdade de oportunidades, nos processos de formação discursiva da vontade.” interpretando-o, Gutierrez e Catani (1998) nos diz que “participar consiste em ajudar a construir comunicativamente o consenso quanto a um plano de ação coletivo.” A participação, portanto, é fundamental para que a publicização do privado, a continuar com estudantes acordando de um sono letárgico desde a última ditadura, adquira robustez política, ou seja, avance na arena de poder contra a privatização do público na Universidade do estado da Bahia.

Joselito da Nair, Zé, do Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel 

Com o auxílio de 


GUTIERREZ, Gustavo Luiz & CATANI, Afrânio Mendes. Participação e gestão escolar: conceitos e potencialidades. In: FERREIRA, Naura S. Carapeto (org.). Gestão democrática da Educação: Atuais tendências, novos desafios. São Paulo: Cortez, 1998.

WOLFF, Robert Paul. O ideal de universidade. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulita, 1993.

sábado, 11 de maio de 2013

Do Surfista Prateado no Brasil


Terminei de assistir o Surfista Prateado e fiquei pensando... Aqui no Brasil, aquele buraco imenso, numa circunferência perfeita que ele fez para que Galactus pudesse sugar as   energias térmicas do planeta, Caso começasse pelo Brasil seria quase impossível. As empreiteiras gananciosas entrariam na justiça, alegando que a obra não foi licitada, requerendo uma verba de indenização para o cartel. O prefeito do município onde o buraco seria feito pediria "um por fora" para aprovar. O presidente da câmara de vereadores, representando uma quadrilha formada em seu interior, também. Já seriam "alguns por fora". 

O Tribunal de Contas paralisaria a obra. O Surfista, agoniado, pois tendo de cumprir a missão a tempo, começa a ficar zangado com o andamento - andamento é somente força de expressão - do processo, tendo que molhar a mão de algum juiz para ter uma liminar concedida, precisando, para isso, ter de contratar um advogado que tivesse uma boa articulação no poder judiciário. De prateado iria ficando da cor de ferrugem, só de raiva. Os políticos da oposição, preocupados com o fim das eleições, e não do mundo, iriam fazer discursos ferrenhos contra as obras do buraco, mesmo porque nada ganharam de propina com ele, impingindo a culpa sobre o governo, que não conseguiu formar uma diplomacia competente para lidar com o extraterrestre. William Bonner, com aquela expressão de falsa seriedade, iria divulgar a notícia avisando que um Ministro do STF pediu "vistas" ao processo,  demorando um ´seculo para passar essa vista no mesmo, pois a primeira instância da justiça no Brasil é um faz de contas, só funciona como porta de entrada do processo. O Ministério Público seria impedido de investigar e punir, pois os delegados tomariam para si uma tarefa que eles não conseguem levar à frente, como investigar crimes no Brasil. 

Trabalhadores nordestinos e nortistas, considerados como preguiçosos pelos engenheiros paulistas, desceriam ao buraco, já em vias de desabamento, num elevador superfaturado e saturado de ferrugens, iniciado três décadas antes e ainda inconcluso, nunca mais retornando à superfície. O Governo negaria pensão aos familiares, pois sem corpos não há provas de suas mortes e a burocracia não permitiria a liberação do "benefício". Hotéis e pousadas se instalariam à beira do precipício, eleito como uma das "maravilhas" do Brasil, tornando-se local turístico, de mística e de romaria. Dois ou mais municípios disputariam o buraco na justiça e uma festa profana se seguiria após a comemoração religiosa. Chefes do tráfico local, financiados por um consumidor sem um código de defesa, teriam no buraco um lugar perfeito para o desaparecimento de corpos

Bem, a história é longa, mas, terminaria "salvando" o mundo do Galactus. O Surfista se cansou, relatou ao seu Chefe a complicação desse país, saiu para procurar outro planeta e outro território mais sério para sugar as energias. A concorrência, concluiu em seu relatório, aqui é muito mais forte que tu, ó grande e poderoso Galactus. Os poderosos brasileiros preferem destruir a nação e o povo deles aos poucos, com uma pitada maior de crueldade. 
Atenciosamente: Surfista Prateado. Direto do Brasil, Planeta Terra.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

É a corrupção!!!


Aquele jovem que adentrou a UNEB sem saber ler e escrever direito não sabe que é vítima da corrupção brasileira;
Aquela família que perdeu um ente querido num hospital público, qualquer por falta de atendimento, não sabe que foi a corrupção que o matou;
Aquelas construções históricas no Pelourinho e no Comércio que desabaram, foi a corrupção que as corroeu;
Aquele bairro dominado pelo tráfico de d
rogas, foi a corrupção que estabeleceu;
Aquela pessoa traficada para outro país, foi a corrupção que permitiu;
Aquele metrô de Salvador que deveria existir foi a corrupção que o encolheu e o paralisou;
Aquela enchente que matou vários inocentes no Rio de Janeiro foi a corrupção que deu sumiço no dinheiro de reconstrução e ajuda às vítimas;
Aquela ponte que deveria existir foi a corrupção que a engoliu;
Aquela estrada que deveria ser asfaltada foi a corrupção que esburacou;
Aquele ciclista atropelado foi a corrupção que não permitiu a construção de vias exclusivas;
Aquele bandido mequetreche transformado em líder de facção criminosa, foi a corrupção que transformou presídios em universidades do crime;
Aquele policial assassinado por bandidos foi a corrupção que o matou;
Aquele partido que prometeu governar com justiça, ética e eficiência foi a corrupção que o destruiu;
Aquele povo baiano e brasileiro que deveria ser tratado como gente foi a corrupção que o desumanizou; 
Aquele juiz que fez negociação com crianças de famílias pobres do sertão nordestino e ainda está despachando, foi a corrupção que o liberou;
Aquela vida brasileira, do país mais rico da América Latina, que deveria ser decente, foi a corrupção que a tornou luta diária pela sobrevivência.
Vamos combater a corrupção. Combater a corrupção é lutar pela vida
!

segunda-feira, 6 de maio de 2013

NÃO FAZ PESO À MÃE TERRA


Desde que sou garoto ouço falar em fim de mundo. Minha mãe, por sua vez, falava-me que sua avó já falava de fim de mundo. Antônio Conselheiro e os rebeldes de Canudos trouxeram o fim do mundo bem nítido para o imaginário do Nordeste brasileiro. O sertão iria virar mar e o mar iria virar sertão. E, pelo menos uma parte do sertão virou, de certa forma, mar. E, desde que o mundo é mundo, acredito que sempre teve alguém pensando em seu final. Uns sonham com um final de mundo como ponto de mutação para um mundo melhor, dirigido por seres humanos reconciliados consigo, com a natureza e com seu mundo. Outros sonham com o retorno de Deus. Um momento em que aqueles que atrapalharam premeditadamente o caminho da vida, da verdade, da justiça e do amor, serão atirados nos quintos dos infernos. Os demais, que se encontraram no perdão e na conversão, irão para a boa vida eterna.

Na contemporaneidade muitos filmes mostram o fim do mundo por extraterrestres mais inteligentes e sofisticados em tecnologia que nós, enquanto outros mostram um vírus eliminando o resto de humanidade que ainda persiste em nós. Outros mostram asteroides grandes o suficiente para causar impactos muito profundos enquanto outras películas mostram velhas profecias catastróficas se cumprindo. Tudo pode acontecer, inclusive nada, como diria Flávio José, forrozeiro bom.

Mas acredito que já está acontecendo. No plano macro e no micro também. No macro a natureza está sendo devastada. No micro e no varejo João Ubaldo nos fala coisas que todos vemos, mas fingimos que não, pois nos sentimos impotentes, sem forças para parar o processo de degradação geral, principalmente no Brasil que, se algum dia foi descoberto, já passou da hora de ser encoberto. Encoberto de vergonha. João Ubaldo afirma que:

Nosso atraso é muito mais que econômico ou social, antes é um estado de alma, uma segunda natureza, uma maneira de ver o mundo, um jeito de ser, uma cultura. Temos pouco ou nenhum espírito cívico, somos individualistas, emporcalhamos as cidades, votamos levianamente, urinamos nas ruas e defecamos nas praias, fazemos a barulheira que nos convém a qualquer hora do dia ou da noite, matamos e morremos no trânsito, queixamo-nos da falta de educação alheia e não notamos a nossa, soltamos assassinos a torto e a direito, falsificamos carteiras, atestados e diplomas, furamos filas e, quase todo dia, para realçar esse panorama, assistimos a mais um espetáculo ignóbil, arquitetado e protagonizado por governantes.

Que coisa mais desgraciosa e primitiva, este festival de fanfarronadas e bravatas, essa demonstração de ignorância mesclada com inconsequência, essa insolência despudorada, autoritária, prepotente e pretensiosa. (RIBEIRO, João Ubaldo. Governantes e governados. A Tarde, Salvador, 5 maio. 2013, caderno 2, p.2)

Posso fazer uma relação direta entre a destruição do planeta, com grande destruição inicial no Brasil. Posso ver cada um de nós como um pequeno meteoro batendo em território nacional e destruindo o espaço. Jogando lixo no chão, desmatando, pichando tudo, poluindo rios, fazendo queimadas, enfim, provocando pequenas feridas individuais que, somando-se, produzem um câncer avançado sobre a crosta terrestre, espalhando-se para as demais camadas. No plano da cultura, todos os sonhos, todas as utopias, todas as esperanças num mundo novo parecem ruir. São também atingidas pela doença maligna. Por causa das “bravatas e fanfarronadas” matam as divindades e erguem um deus agressivo e desrespeitoso para com outros modos de crer e de rezar. E nossas hipocrisias nos cegam e todos nós vamos afundando na merda, pensando num futuro individualista e, portanto mesquinho. O MEU futuro com o MEU deus e com a MINHA felicidade.

De outro ponto de vista percebo-nos como um vírus agressivo que se multiplica em bilhões devorando a vida do planeta. Gaia sente as dores do nosso avanço. Seus órgãos estão sendo atingidos pela virulência humana, provocando febres, suores, tremores e declínio. Aquele planeta outrora exuberante, cheio de verde e vida multicor, está doente, frágil, enfermo, ferido gravemente pela nossa arrogância. Talvez o que mais tememos, um meteoro veloz e indiferente, possa, de forma surpreendente, salvar o planeta da nossa presença triste, que o destrói todos os dias de nossa medíocre existência virulenta. Clamo em socorro da Mãe Terra o poeta Eduardo Monteiro, jovem que trabalhava na feira em Porto Alegre. Assim que aprendeu a escrever e ler, escreveu essa beleza abaixo.

Deixe os ventos puros soprarem os seus cabelos,
Deixe as águas claras correrem,
deixe o verde nascer e crescer.
Ponha seu peso de consciência na balança
Para ver se estás no equilíbrio ecológico
Se não estiver,
voa do planeta!
Não faz peso à Mãe Terra.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, da Mãe Terra, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

segunda-feira, 22 de abril de 2013

ATRASADOS


Depois de sair do trabalho árduo daquele dia, trabalho de todos os dias, ela dirigiu-se para o ponto de ônibus, como todos os outros que trabalhavam nas redondezas. Ela ficou pensando naquilo. Ficou pensando naquela rotina que a esmagava como mulher, uma doméstica como outra qualquer, que sofria todo dia aquela romaria sem fim de fim de tarde. O ônibus demorava a chegar, porque algum engarrafamento o impedia n’algum lugar do trajeto. Quando chegou, depois de longos minutos, estava lotado, como era de se esperar. Como era todos os dias. Cansada, foi apertada como uma sardinha na lata. De repente, tomou um susto com tantos pensamentos que lhe assaltavam de supetão. Pensou em sua vida de sardinha. Sentiu-se como todos os outros passageiros. Olhou em volta e viu a expressão de cansaço semelhante com um silêncio e uma atitude frustrante de todos.  - Somos sardinhas! Concluiu rapidamente. Somos sardinhas, pelo menos neste ônibus, nesta lata apertada e desconfortável. Somos sardinhas sem cabeça. Não pensamos mais os nossos sofrimentos de coletividade negada por um sistema negligente e cruel.

Dentro daquele ônibus cercado pelo engarrafamento aparentemente sem fim, o tempo parava. Os relógios continuavam circulando seus ponteiros, mas o tempo de todas as pessoas naquele ônibus estava tão aprisionado quanto elas. Todos e todas estavam envelhecendo ali, aprisionados em seus assentos ou em pé, segurando-se nas barras das poltronas. Uns dormiam, outros fingiam, outras olhavam distantes, outros, curiosos, procuravam a todos instante algum evento exterior que os salvassem do tédio e do massacre que aquelas horas desperdiçadas causavam em suas cabeças.  - Essas pessoas até que são muito saudáveis mentalmente. Já era para terem ficado loucas nesse tempo perdido nesta lotação do inferno. Pensou consigo. Pensou no tempo e ficou pensando.  - O tempo, dentro desse ônibus, não passa pra ninguém. O tempo nesse ônibus passa diferente. Faz a gente pensar no passado, não no futuro. Faz parte de uma engrenagem torturante que tritura o pobre. O tempo vive a nos matar aqui mesmo, nessa viagem pesadelo que parece que nunca vai chegar.

Ela começou a pensar sobre a vida e tudo o que ocorre na vida dela. Enquanto as luzes de centenas de automóveis, vans, caminhões e ônibus acenavam com o freio a lentidão pesadelo. Ela percebeu que havia algo que a todos assemelhava: eram trabalhadores pobres das periferias de Salvador.  - Os ônibus foram feitos para nós. Pensou consigo. - Eram latas de sardinha que arrastavam lentamente nossos sonhos com o cansaço tão grande que ameaçava reduzir a sono toda a esperança que resistia acordada naquele trajeto carcerário. Estavam presos e presa. Era uma presa fácil daquela condição. Não conhecia bem a história, devido à sua formação escolar precária. Mas sentia que havia naquela condição humana, muito mais desumanidade que a fizera pensar em Auschwitz. Talvez estivesse ficando louca, afinal, nenhum louco sabe que está louco. É sempre preciso que uma autoridade competente, formada em psiquiatria, identifique os traços da loucura e classifique o louco como tal. Mas ela desconfiava que, se houvesse loucura naqueles pensamentos, ela assim preferiria, pois sentia que agora fora atravessada pela percepção aguda de sua condição social, política, cultural e econômica.

Vivia, melhor, sobrevivia, numa pobreza política, pois tinha dificuldades em mudar sua condição por conta dos inúmeros empecilhos colocados no caminho emancipatório que sonhava.  - A educação pública? Uma mentira. A saúde pública? Ainda muito distante do ponto da qualidade.  A segurança pública? Uma quimera. O Brasil, na verdade, era aquele ônibus. Está preso no engarrafamento dele mesmo, sem planejamento, distante dos pontos basilares onde as necessidades de vida decente de seu povo são atendidas. Sentia-se dirigindo-se, todos os dias para campos de concentração, já que a democracia no Brasil, tal como os outros bens sociais, era apenas fachada, uma palavra vazia que conduzia a nada. E continuou: - O Brasil está parado no ponto onde não se pode falar, pois mesmo que fale, sua queixa não se transforma em ação. Não podia reclamar do trajeto, do trabalho, do salário, da insegurança, do acesso à saúde pública, da educação que mal permitia escrever um bilhete, muito menos elaborar um texto dissertativo que contivesse sua angústia vivida e revivida de segunda a sábado de toda semana, do ano inteiro. 

Então, começou a perceber que não era apenas naquele ônibus lotado que estava na condição de sardinha. Seu mundo inteiro era uma lata apertada que exigia a retirada de sua cabeça para ser uniformizada, tal como sua profissão de doméstica. Pior. Não era nem o fato de ser uniformizada. Ela notou que todos estavam em silêncio. Não um silêncio de não falar. Mas um silêncio pior: o de falar coisas que todos falavam. Era o silenciamento de outro jeito. Falar muitas coisas para que as coisas que devem ser faladas ficarem no silêncio. Falavam de Faustão, do Bahia e do Vitória; falavam da novela, de futebol e de pagode; falavam de crimes e de bandidos que os programas de Bocão e de Uziel Bueno tornavam ainda mais criminosos e cruéis. Ela refletiu: - Tem gente que é pior que urubu: transforma a morte em mercadoria e vende a carniça para outros comerem. Ela percebeu isso tudo. Não ouviu ninguém falar sobre o porquê daquela vida tão sardinha. Ninguém comentava o trajeto doloroso, a via crúcis até em casa. Ninguém reclamava mais do prefeito, do governador, dos canalhas de gravata e paletó que desfrutam dos mais altos privilégios em câmaras de vereadores, assembleias legislativas e Congresso Nacional. Estavam todos cansados e descrentes e havia muitas bocas cheias de dentes, esperando a morte chegar. Ela também estava nesse mesmo trecho da vida política brasileira e baiana que todos partilhavam.

Ela ficou pensando em todo o tempo que havia perdido naquele ou n’outro trajeto daquela cidade parada. Não queria ser mais sardinha. Mas, de fato, estava naquela lata quente, entupida de gente querendo chegar num futuro incerto, num tempo impreciso, na sua casa, seu lar. A quem recorreria? Ao Detran? À SET (Superintendência de Engenharia de Tráfego de Salvador)? À Polícia Rodoviária Estadual ou Federal? - Não havia ninguém. Ela sabia. - Não havia engenharia para aquele tráfego baseado no automóvel individual e individualista. Não havia autoridade sequer. A imprensa só podia divulgar seu sofrimento e mais nada. Mesmo assim sabia que sua angústia jamais seria publicada, porque ela, provavelmente, fosse tratada como sardinha, mesmo que provasse que era uma sardinha com cabeça. A fome chegou e ainda não era nem metade do caminho. Não havia mais estradas, só engarrafamentos emendados pela cidade inteira, num grande nó de pescador. Pensou na sede e na vontade de ir ao banheiro. Não podia saltar daquele ônibus. Estava presa, como sabia. Decidira chegar em casa, para matar a fome, saciar a sede, ir ao banheiro e resolver todas as suas necessidades num só lugar, seu lugar. Seu terreno sagrado. Todo o tempo naquele transporte coletivo ia adiando essa pequena felicidade, como uma luz no fim do túnel que vai se apagando lentamente. Estava presa naquela angústia que só passava da 1.ª para a 2.ª marcha e daí pro "ponto morto". 

- A Bahia e o Brasil era um "ponto morto", principalmente para o pobre, e mais ainda para o pobre que padecia de "pobreza política". Refletiu. Ela desejou ardentemente o ponto de casa, o ponto a partir do qual pode haver um ponto de mutação. Uma esperança que desviasse todo o trajeto para outro ponto de justiça, de alegria, de solidariedade, de ternura, de inteligência que serve aos mais pobres. Queria poder ter uma bota de sete léguas, queria ter asas, queria ter um helicóptero, como o governador, para estar em casa diante de todo aquele trajeto sofrido que lhe espremia completamente, corpomente. Seus pés doíam em pé. Seu sono refletia o peso do dia. O tempo parado ali dentro envelhecia a esperança entristecida de todos os passageiros. Todos eles atrasados para chegar em casa e na vida decente que mereciam fora da lata, longe da condição de sardinha que a propaganda mentirosa do governo prometia nos meios de comunicação social.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Política, Poder entre evangélicos e movimentos LGBTTIS

Estou lendo agora na internet a seguinte manchete:

Silas Malafaia organiza manifestação contra o casamento gay em Brasília

Por Isadora Peron, de O Estado de S. Paulo, estadao.com.br - ‎terça-feira‎, ‎16‎ de ‎abril‎ de ‎2013
Esta notícia, lendo com os óculos dos nossos estudos na disciplina, mostra que há uma tensão crescente entre grupos evangélicos, grupos gays, movimentos feministas e movimentos negros na sociedade brasileira. O que está em jogo? O poder. Poder de decidir a sua vida, de orientar-se pela sua religião, de punir quem desrespeita sua origem, sua raça e etnia, etc. Quando Malafaia convoca seus seguidores, inclusive com a participação do deputado/pastor Feliciano, ele está reunindo parte da sociedade civil, no caso, grupos de evangélicos, para pressionar a sociedade política, no caso o estado e, especificamente, o poder legislativo – Congresso Nacional – a fim de impedir que uma exigência de direito seja atendida no plano jurídico – se torne lei – de grupos sociais específicos – no caso os homossexuais. Vamos retomar o conceito de poder por Norberto Bobbio?
Capacidade que um indivíduo, grupo ou instituição tem de modificar o comportamento de outro indivíduo, grupo ou instituição segundo os seus interesses.
Logo, o pastor Malafaia está exercendo essa capacidade, conclamando indivíduos, grupos e instituições (religiosas no caso) para modificar o comportamento de outros indivíduos, grupos e instituições – relativas aos gays e seus movimentos e anseios – segundo seus interesses, que é o de impedir que o casamento gay seja aprovado no Congresso Nacional.

Ora, mas o poder não é linear. “A arena política é inevitavelmente polarizada”. (DEMO, 2006, p.23). Haverá, certamente, manifestações de intelectuais, artistas e dos grupos gays em defesa da aprovação da lei. A tensão aumenta, os deputados e senadores ficarão pressionados por ambos os lados e terão de decidir. Mas, como tudo no Brasil, penso que tudo será resolvido no adiamento da decisão ou, realmente os representantes legislativos terão de posicionar-se através do voto, que eles e elas, tentarão votar em segredo. Entra aí outra questão de poder: o voto ano que vem. Os dois grupos em disputa têm milhões de eleitores e político brasileiro que se preze, não vai, de peito aberto, declarar-se a favor ou contra este ou aquele grupo social. Vai criar manobras de adiamento ou ocultamento de sua decisão. Somente os deputados e senadores que são gays, evangélicos, além dos reconhecidamente decentes, como Cristovam Buarque, Eduardo Suplicy e Pedro Simon, entre poucos outros, é que se posicionarão claramente sobre a questão. A resultante união de diferentes indivíduos nasce do interesse comum em questões que tocam imediatamente sua vida cotidiana. Espero que, depois dessa disciplina vocês não leiam nem assistam mais as reportagens e notícias do mesmo jeito. Nesse sentido podemos concordar que política, sim, é “o ato de poder e de posicionamento frente a questões e ideologias.” E aí podemos completar: que envolvem os interesses sociais imediatos e mediatos de grupos e classes da sociedade a fim de decidir sobre esses interesses.


E sobre a notícia acima: o que vocês acham? Quem tem mais poder atualmente? Os evangélicos ou os movimentos LGBTTIS? Os desdobramentos dessa tensão no Congresso Nacional responderá esta questão? E sobre a afirmação de um dos colegas de vocês de que a política provém da organização de um grupo para garantir os direitos na cidade. O que vocês acham agora? Em se tratando do caso acima, há dois grupos em disputa. Um tenta garantir o casamento de pessoas do mesmo sexo na lei, ou seja, a partir da aprovação dessa lei, em todo o território nacional, toda pessoa que quiser casar com outra do mesmo sexo, a fim de assegurar direitos civis, como nós os heteros temos, assim poderá fazê-lo. O outro grupo tenta impedir, sob o argumento de que Deus não é a favor de relacionamento de pessoas do mesmo sexo. Então, analisando a realidade e voltando à definição do ou da colega de vocês podemos afirmar que a política é o exercício do poder, que provém da organização de um ou mais grupos sociais para garantir seus direitos no território a que seus direitos circunscrevem. Aprender política não é difícil, pois a política e o poder estão em nossa vida, da qual não podemos escapar, nem mesmo quando decidimos morrer, que é uma decisão política. 


 Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel