sexta-feira, 17 de agosto de 2012

SEREIA, SERTÃO E AREIA

Eu morava na areia...
Sereia!!!
me mudei para o sertão...
Sereia!!!
aprendi a namorar...
Sereia
com um aperto de mão.
Ô Sereia!
Era esta, entre outras cantigas que cantávamos quando éramos crianças. No Calafate, pessoas de muitas cidades do interior da Bahia vieram morar e, nessa mudança, do sertão para a areia – pois, parafraseando Maomé entrecruzado com Conselheiro, se o mar não vir à sertão, o sertão vai vir à mar – trouxeram em si mesmos, cantigas e histórias, crenças, valores e memórias afetivas tecidas em outros lugares, construídas em interações sociais e culturais em contextos singulares que se fizeram textos perenes sobre esta aventura humana em seu contexto de gestação sóciocultural. Produziram, como afirma Bourdieu (2005), citado por minha amiga Claúdia P. Vasconcelos (2011), a existência daquilo que enunciavam. O sertão foi enunciado à beira mar e, nessa beirada, passou a reexistir e a resistir ao canto metropolitano da sereia, com seu forró, com seu xaxado, com seus achados e também – porque não? – com o seu clássico, com o seu samba, com o seu pagode e o seu Axé. Os sertanejos foram ocupando todos os lugares e muitas “ocupações”, denominadas de “favelas”, foram se constituindo em comunidades singulares, em função da ressignificação de suas heranças culturais que não cessam de serem constituídas e constituírem subjetividades. Por isso, elas não estacionam na areia ou no morro, na fronteira maldita da hierarquização e da exclusão. Alteram e são alteradas pelas marés, pois, parafraseando o velho e bom Heráclito de Éfeso, o sertanejo não se banha duas vezes num mesmo mar.

Quando o ser humano mora na areia e, de repente, muda pro sertão, este ser humano se vê envolvido numa mudança importante de cenário geográfico, cultural, econômico e político e, ele (a) mesmo (a), é obrigado a se adaptar a este novo cenário, construindo conhecimento e transformando a si mesmo (a) nesse processo. Na verdade, houve e ainda há uma mudança do sertão para a areia no Brasil. E o ser tão, chega com seu ser apresentando seus tantos, lamentos, esperanças, utopias, decepções, alegrias, crenças e toda a demasia que um ser tão pode apresentar. Parido de um lugar tão, um ser tão deve surgir como possibilidade perene de ir sendo no mundo em transformação. E, novamente, ao invés do sertão virar mar, como previu Conselheiro, foi o mar que virou sertão. Mas o que vem a ser mesmo o sertão? “Sertão nada mais é que um longe perto, que pode estar em toda parte, ser o mundo todo e, ao mesmo tempo, estar dentro da gente...” Afirma Cláudia Pereira Vasconcelos (2011), amparada nos magníficos Patativa do Assaré e Guimarães Rosa. Aliás, o livro de Cláudia Vasconcelos, “SER-TÃO BAIANO: O lugar da sertanidade na configuração da identidade baiana” é uma excelente reflexão sistemática sobre a construção social e histórica do Sertão e do seu papel na construção da  chamada "baianidade", tendo como arcabouço teórico as contribuições de Homi Bhabha e Pierre Bourdieu, autores que vão auxiliá-la a interpretar criticamente a construção da identidade sertaneja e a própria fronteira do significado de sertão e de seus sentidos a partir da hierarquização da diferença pela constituição da identidade sertaneja em contraposição ao "homem ideal", "civilizado", "moderno" imposto pelo discurso hegemônico. 

Mas o curioso é que o Sertão veio morar e namorar na areia. Um namoro começando “com um aperto de mão”. Contudo, esse aperto de mão entre os discursos estruturantes da identidade sertaneja, ora é um aperto tipo lutador de luta livre, ora é um ritual de acordo entre a vontade do homem ideal de sobrepujar o sertanejo e do sertanejo em constituir sua identidade em condições de igual para igual, no reconhecimento da diferença não como inferioridade, mas em pé de igualdade com qualquer processo de tecimento de qualquer outro tipo humano. O discurso tem uma força, como afirma nossa bela, inteligente e sensível Vasconcelos (2011).

Desta forma, uma enunciação que parte de um lugar de poder instituído é capaz de produzir efeitos tão ou mais eficazes que outras formas de poder. A ideia anunciada concretiza-se através de um discurso que se afirma pela força da palavra de quem tem o direito à voz. (VASCONCELOS, 2011, p.36)

O sujeito que vem do sertão, que “[...] o senhor querendo procurar nunca encontra. De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem.” (GUIMARÃES ROSA apud VASCONCELOS, p.69) precisa pronunciá-lo para continuar existindo. O sertão vem com o sertanejo, mas se ele se cala, como na música do admirável ser-tentão Gilberto Gil, o sertão fica escondido num quarto como um enfermo, emudecido, deslocado, longe do sol e da chuva, sentido, contrariado.

Por ser de lá
Do sertão, lá do cerrado
Lá do interior do mato
Da caatinga e do roçado
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigo
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado

O sertão não pode ficar assim: escondido "lá no interior do mato". Com Luiz Gonzaga ele se apresentou ao público brasileiro de outro modo: contando causo, cantando a vida, sorrindo simpático, mostrando que o sertanejo, além de ser forte sabe dançar, refletir profundamente a sua condição e o seu destino, adora um chamego, trabalha muito, comemora bastante a fartura e a sorte. O que o sertão não pode é "dar uma de coitadinho" e ficar nessa onda, melhor, nessa areia de que, "por ser de lá"...

Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão, boiada caminhando à esmo

E ele, o sertanejo, chega e começa a ser transformado por um discurso homogeneizante em “favelado”, em problema urbano e social, em migrante indesejado em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre outras metrópoles brasileiras, para ficar sempre "lá", no lugar que delimitaram para si. Muito embora o discurso instituído saiba que lá é sempre aqui, em todo lugar, na areia e no morro também. E recomeçam outras batalhas simbólicas pela afirmação de sua subjetividade em contextos de negação. O sertão vem com muita força na saudade, na poesia de Patativa do Assaré, no baião de Luiz Gonzaga, na travessia de Guimarães Rosa, na "palavra certa pra doutor não reclamar" de Zé Ramalho. Esse sertão constitui, ele mesmo, uma fonte viva de significação, de construção de sentidos, do colorido e da dor, da superação, da reflexão profunda e da celebração que se segue. Será que o sertão ficará perdido, enterrado na areia? Será invadido pelo mar, devorado pelas consequências marítimas do efeito estufa? E a sereia? Será que o seu canto vai enfeitiçar o sertanejo e afogá-lo em meio à práticas discursivas de invisibilização ou  baseadas em estereótipos negativos de sua identidade? Não acredito. De qualquer forma, eu aposto na dinâmica do processo, onde "pode acontecer tudo, inclusive nada" (Flávio José), por isso não podemos nos avexar. Há uma boa opção: ficar com Cláudia Vasconcelos tecendo sertanidades em nós, para ver se elas vêm.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, da Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel com o auxílio luxuoso de
VASCONCELOS, Cláudia Pereira. Ser-tão baiano: o lugar da sertanidade na configuração da identidade baiana. Salvador: EDUFBA, 2011. 
Patativa do Assaré
Flávio José
Gilberto Gil
Luiz Gonzaga e...
Guimarães Rosa

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Para você que nunca é


Você que se vê
Que se veja!
Se perceba!
com seus olhos
com os olhos do ensaio
sobre a cegueira.

Você que se vê como falta
Ah, que falta você não faz!
Não faz falta, nunca está
no lugar que nasceu várias vezes.

Você, com esses olhos alheios
não se enxerga.
O que vê é uma falta de você
Um humano com fronteiras
muito bem delimitadas,
fora do padrão.  

E você? Quem supõe o seu ser?
Uma “gentinha”, “zé povinho”
ou “maria-vai-com-as-outras"?
Quem tu és? 
Quem é quem? 
És quem queres?
 teu querer é de quem?
Para onde você vai,
Se não sabes donde vem?
Você que se acusa, que se recusa
que sente falta de ser outro
Descanse em paz, amém.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, do Calafate, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

domingo, 5 de agosto de 2012

EM NOME DOS HOMENS E DAS MULHERES SIMPLES



O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo
Manoel de Barros

Hoje, 05/08/2012, acordei tarde, pois ontem corri 14 km como preparação para a nova corrida próxima semana, 12/08, aqui em Salvador. Quando acordo tarde, minha noite ainda permanece manhã adentro e eu fico pousando no sofá da sala, na cadeira da cozinha e na cama do quarto, isso quando Ana não está, pois ela não gosta quando fico pousando, por causa do barulho das minhas asas. Ligo a tv e fico passeando a atenção do fogo que prepara o café para o programa que esquenta a notícia, enquanto a divulga na chaleira de 32 polegadas. Foi quando deixei os olhos um pouco de lado e fiquei de frente com meus ouvidos atentos, porque escutei sobre um jornalista americano, Gay Talese, e seu modo diferente de enxergar a notícia. Ele não se interessa por celebridades, mas pelo ser humano comum, simples, invisível no cotidiano das lentes que buscam os que têm fama. Talese, entrevistado por um repórter brasileiro, justificou sua escolha afirmando que a celebridade nada tem a dizer. O que diz é ditado pelo seu assessor de imprensa, e a verdade do que pensa passa bem longe do que diz. Enquanto isso, frisa ele, há muitas coisas interessantes ditas pelas pessoas comuns, que a gente precisa ouvir com atenção. Fiquei assistindo aquela entrevista inteira, encantado com aquele velho sábio que me fez, como raros interlocutores do outro lado da tv fazem, pensar e estar de acordo.

Gay Talese conta histórias, boas histórias, de homens simples, principalmente a dos perdedores e, por isso, escreveu sobre Frank Sinatra, sem nem entrevistá-lo, no momento em que Sinatra encontrava-se em seu “fundo de poço”, na condição de perdedor. Lembrei-me imediatamente de outro grande homem, justamente por interessar-se pelos homens e pelas mulheres perdedoras e sem fama e prestígio social: o poeta Manoel de Barros. Num de seus poemas que me encantou à primeira desrima, ele nos apresenta Passo-Triste. Passo-Triste é um personagem que a maioria das pessoas poderia classificar como “mendigo” e louco. Mas, para Manoel de Barros, Passo Triste é meu pastor, ele me guiará. E Manoel de Barros toca o mundo com uma mistura diferente de palavras, construindo uma inteligibilidade surpreendente sobre os personagens simples e os eventos fantásticos que nossa limitação cognitiva e pouco sensível percebe.

Depois de ter entrado para rã, para árvore, para pedra
– meu avô começou a dar germínios.
Queria ter filhos com uma árvore.
Sonhava de pegar um casal de lobisomens para ir
vender na cidade.
Meu avô ampliava a solidão.
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do
quintal: Meu filhos, o dia já envelheceu, entrem pra
dentro.
Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato.
Se diz que o lagarto entrou nas folhas, que folhou.

O avô, o lagarto, a mãe, a imaginação, a tarde finda, a árvore, o quintal e as folhas, tudo encanta na descrição poética de Barros. E é na simplicidade das coisas, nas coisas de baixo, como ele mesmo diz, que o seu olho capta o encantamento do mundo. E uma das coisas mais interessantes na poesia de Manoel de Barros é o modo como olha e como vê. Seu olhar não vai atrás, armado de saberes preéstabelecidos, à procura do enquadramento do fenômeno. Muito pelo contrário: Seu olhar se deixa penetrar pelas coisas pequenas e fantásticas, praticamente furando-o, que se transformam em poesia sem muito pensar. Na poesia de Seu Manoel a perfeição das coisas não se submete à busca da perfeição do verbo. Por isso seu poema é grandioso, porque se deixa invadir pela imperfeição do verbo, transformado pela perfeição imperfeita de todas as pequenas e encantadoras  coisas e acontecimentos do seu mundo. Em sua poesia é a imperfeição que é perfeita.

Na fotografia temos Sebastião Salgado, que coloca em evidência aqueles e aquelas para os quais não ousamos olhar face a face. Porque talvez vejamos o quanto estamos distantes do que podemos denominar de "civilização". A fotografia medeia esse medo e possibilita que olhemos para os sobrantes, como definiu Acácia Kuenzer. O ser humano simples é o que constrói esse país, e, para isso, não precisa de elaborações teóricas sofisticadas, nem da linguagem hermética que teorias tais acionam como forma de coibir a compreensão e de reservar o status quo do falante, ao mesmo tempo em que legitima o discurso único, muito embora esse discurso nada tenha a dizer para os milhões de homens e de mulheres que, por isso mesmo, não o escutam, e tecem suas próprias práticas discursivas. José de Souza Martins afirma que

Nosso enigma é hoje o enigma da captura desse homem comum pelos mecanismos de estranhamento de uma cotidianidade que exacerba a mutilação de nosso relacionamento com nossas possibilidades históricas e mutila a compreensão dos limites que cada momento histórico no propõe.

Nosso entendimento científico desses desencontros está distorcido e limitado por um conceitualismo descabido, transplante de interpretações de realidades sociais que são outras, distantes e diferentes, que nos torna estrangeiros em face do que realmente somos e vivemos. Não podemos nos reconhecer e compreender no espelho baço da cópia. Nesse país de bacharéis, falamos muito e imitamos muito. (MARTINS, 20102, p.10)

Vivemos apagando o ser humano simples da nossa vida. Nós mesmos, algumas vezes, queremos nos tornar celebridade, sair do lugar comum para outro lugar, um lugar qualquer, ser destacados e reconhecidos em meio à multidão dos invisíveis. Ou pior: queremos abandonar a nós mesmos, identificando nossa mediocridade e limitações e esperando alcançar nossa milagrosa condição de MAIS. Um de-mais que nunca seremos, porque não reconhecemos o nosso de-menos. Lembrei-me de um livro de história infantil, que, ao invés de comprar para meu filho, adquiri para meu deleite. O título é “O Homem que Roubava Horas”, de Daniel Munduruku e ilustrado belissimamente por Janaína Tokitaka. E o personagem principal é assim apresentado: 

Ele não tinha nome. Ao menos que se soubesse, é claro. Não tinha casa. Dizem que é porque ele não queria. Morava na rua, como um mendigo, como um andarilho. [...] Andava sempre só, apenas seguido por um monte de cachorros, tão esquálidos quanto ele. [...] Vez ou outra aquele homem parava num jardim e todos os cães se deitavam em sua volta como se fossem ouvir histórias. Dava até gosto de ver...

É preciso sim, transver o mundo, para ter gosto de ver as coisas simples e importantes, para ter a poesia no cotidiano, penetrando de sensibilidade o nosso olhar que não procura lentes estrangeiras para entender, mas se deixa penetrar pelo acontecimento fantástico das coisas pequenas e encantadoras. Só assim haverá transformação: Quando a gente transver e rever o homem, a mulher simples fazendo a história sem ficarmos tomando teorias  e prestígios emprestados dos outros para compreender os nossos tecelões da história brasileira. Com o passo-triste e com o passo-alegre precisamos olhar para quem pouco se olha, pouco se vê, e com quem pouco aprendemos a conviver uma vida legítima, que não precisa ser transplantada de outras culturas ditas civilizadas para que isso aconteça.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de todos os demais homens simples, das mulheres comuns e de Jesus, Aquele que lavou os pés desses homens e mulheres. 
Inspirado em Gay Talese, Manoel de Barros e socorrido por José de Sousa Martins, Daniel Munduruku e Janaína Tokitaka.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

VÁ SENDO O QUE NÃO É, QUE VOCÊ NUNCA SERÁ

Vivemos numa sociedade da mentira, que projeta na propaganda seu alter ego, sua super imagem, que não passa de um simulacro que oculta uma realidade pobre, pouco capaz, contrária àquilo que propagam sons e imagens enganosas. Bancos, sistemas educacionais, operadoras de celular, lojas de varejo, governos e até nós mesmos, projetam (os) imagens mais ou menos ou totalmente falsas, ora projetando aquele que queríamos ser, como uma sombra fantasma, ora intencionalmente, como governos e lojas de varejo, tentando enganar os consumidores-eleitores com esperanças vãs de realizações, seja no ato da compra, seja no alto risco do voto.

O consumidor-eleitor é tratado, ou melhor, mal tratado no particular, quando está frente a frente com a empresa ou órgãos do governo, exigindo seu direito negado, pelo produto com defeito ou pela política pública inexistente. Mas no palco desnudo da coletividade, onde o bastidor pode ser visto, no cenário montado pela mentira midiática, ele passa a ser o telespectador acariciado, desejado pela armadilha montada para pegá-lo individualmente como telespectador-massa – onde os principais atores usam máscaras para ocultar suas verdadeiras más intenções e identidades – mas não como subjetividade desconfiada dos arranjos falsificados pelo espetáculo esdrúxulo da sociedade do consumo e articulado politicamente para mudar as estruturas de poder que o submetem ao lugar de homem/mulher invisível.

Você, como indivíduo, é ninguém. Você, com nome, endereço e, principalmente, cpf e título de eleitor, nada significa para governos, a não ser um voto, ou um contribuinte de impostos para o estado; Você não significa grande coisa nem para as empresas, grupos e instituições, a não ser quando compra, quando assina o contrato draconiano que leva o suor do seu trabalho, algumas vezes em objetos desnecessários e insignificantes. Você só significa um rosto perdido na multidão, um elo da grande corrente de consumo, de votos, de apoios e de doações para o "Teleton" ou para o "Criança-Esperança", como “amigo da escola” ou mesmo um telefonema para algumas falsificações humanas expostas no "big brother Brasil" ou aberrações humanas aprisionadas numa “fazenda”. As vezes me sinto como no filme Matrix: um corpo alimentando a grande máquina, sendo sugado por muitos tentáculos, recebendo a compensação de viver numa ilusão, num mundo virtual que a propaganda me conduz. O fantasma humano, invisível nos hospitais, nas filas de supermercados, nos engarrafamentos, nos ônibus lotados e geralmente atrasados, nos campos imensos de concentração contemporânea, aonde respeito à dignidade humana é também mais um discurso oco de governo, em permanente campanha eleitoral.

Você só vale no atacado. No varejo você é trucidado pelo marginal, também ele um humano invisível, que age sem medo da justiça, justiça que funciona para si mesma; sem culpa, sem medo da polícia, polícia que geralmente só enxerga o marginal como um alvo permanente para os seus “jogos vorazes”, mas não existe como prevenção contra o crime e a favor da proteção do pagador de impostos. No varejo você é trucidado pelo desprezo e negligência das lojas no pós-venda, na revisão caríssima dos automóveis, nas armadilhas contidas nos contratos das construtoras e incorporadoras de imóveis, nos juros altíssimos dos cartões de crédito, nos cheques ditos “especiais” e nos empréstimos que só fazem engordar os lucros dos bancos privados. 

Eu me referi a marginal. O marginal é uma categoria criada socialmente, evidentemente pelos eventos que ocorreram e pelos sentidos que foram tecidos em interpretações que desembocaram, ou foram desembocadas, em formações discursivas que estabilizaram sentidos sobre essa realidade dos crimes e dos marginais que os praticam, entrecruzados pela memória escravagista e colonial que definiu alguns desses contornos culturais perversos. Tanto é assim que Maluf, João Alves, Roberto Jeferson, José Dirceu, Marcos Valério, Cachoeira, Fernando Collor e tantos outros criminosos dessa república, não são considerados marginais. Há crimes que compensam, porque nossa cultura foi erguida nessa base escravagista e colonial, onde, ao ocupante da "Casa Grande", os crimes não são assim considerados, por causa de um direito adquirido sobre tudo o que possui, inclusive os demais humanos, cujos crimes são punidos severamente pelos novos "capitães do mato".  

Dessa forma, parece-me que o marginal, assim como transforma o indivíduo em vítima, também ele é eleito alvo preferido da sociedade que aciona a polícia com seu direito legal de matar. Torna-se, assim, ele mesmo, alvo do massacre, da guerra urbana que acumula corpos e mais corpos em cemitérios abarrotados de vítimas. No marginal o ser humano desaparece. Marginal, portanto, não é alvo de recuperação, através de ações educativas e projetos culturais, norteados por uma política pública de ressocialização que privilegie o retorno do ser humano do mundo do crime para o convívio social. O presídio é a instituição que representa bem isso. Ao invés de espaço privilegiado para reflexão sobre o crime e seus desdobramentos, sobre os mecanismos sociais e históricos da produção e reprodução da violência concreta e simbólica, além de outras reflexões, torna-se espaço de potencialização do crime, das interações educativas que aperfeiçoam estratégias de violência e de sujeição das futuras vítimas dos criminosos que tecem em rede a reprodução de sua condição desumana. 

Mas propagandas não faltam para dizer que tudo vai bem e que você, como “cidadão” recebe tudo que precisa do estado. E não faltam propagandas, meios e mensagens para lhe convidar a adquirir – com aquela voz perturbada de pressa e de fim de mundo, pois se você não comprar o armagedom pode chegar – tudo o que você precisa, desde guarda-roupas que despencam na primeira mudança, até alarmes e bloqueadores de automóveis via satélite ou proteções elétricas dos muros e seguros de vida, porque o marginal pode estar à espreita, esperando você deixar de pagar sua segurança para roubar seu carro, seu dinheiro, sua vida. Só não preveem o marginal que não precisa pular o muro, porque já está do seu lado, abrindo os portões para o crime compensar, pelo menos psicologicamente. 


A verdade é que ninguém está interessado em garantir sua segurança particular ou coletiva. Suas misérias humanas são vistas contemporaneamente como oportunidades de surgimento de novas mercadorias, sejam elas discursos eleitoreiros, sejam produtos como, por exemplo, antivírus para computador. A sociedade da mentira fabrica suas invenções para vendê-las ao ponto de ebulição de cada indivíduo imerso numa massa amorfa, denominada genericamente de “povo”. Até para você, senhor e senhora ninguém, há produtos que podem fazê-lo (a) tornar-se um alguém que nunca existirá, porque já não existe em você mesmo (a). Mas que você pode ficar parecido com ele (a) ao adquirir a roupa, o relógio, o diploma, o carro, o laptop, o apartamento, entre tantas e tantas coisas à venda. Nada mais natural numa sociedade que parece ser o que não é, e, assim, dificilmente será. Uma busca em torno do nosso ser, é fundamental para nosso conviver.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

sábado, 28 de julho de 2012

PELA INFELICIDADE GERAL DA NAÇÃO DIGA AO POVO QUE QUERO FICAR

Não é qualquer pessoa que pode ocupar um governo ou exercer o papel de liderança. Assim como não é qualquer homem e mulher que podem ter um (a) filho (a). Há pessoas que não podem ser o que são nem estar no lugar institucional em que se encontram. Simplesmente porque não gostam do que fazem, odeiam os ônus de ser governo ou de ser pai e mãe. Não têm capacidade de fazer o que deve ser feito, principalmente nas situações mais difíceis, que requerem decisões firmes e rápidas. Refiro-me a pessoas, mas o termo correto para me referir à realidade baiana não é este. Talvez, fosse “cultura”. Porque a nossa cultura baiana degrada antecipadamente qualquer governo, qualquer ação política de estado, na medida em que julga os fatos e fenômenos a partir da conservação indefinida do grupo que governa no poder do estado e não o bem-estar da população a qual deveria servir.

Nossa cultura política nunca entendeu, por razões diversas, que governar é servir, é trabalhar para que a população do estado federativo seja mais feliz. E ser mais feliz, nesse caso e concretamente, é ter acesso a uma educação pública de qualidade, a um sistema de saúde eficiente, a uma proteção do estado, cujo braço armado – as polícias e seu direito exclusivo de matar – seja exercido em nome da vida, do direito, da verdade e da justiça. Ser feliz para a população diante do estado é também ter direito a saneamento básico, transporte coletivo de qualidade, assistência social, acesso a praças, parques, campos de futebol, quadras de esporte (Vôlei, futebol, basquete, tênis), bibliotecas, teatros, enfim, o mínimo necessário que o estado deve garantir para que as pessoas, principalmente as mais pobres, possam usufruir dos bens coletivos com satisfação. Entretanto, como nossa cultura política nunca entendeu isso, a nossa população vive triste, esquecida, abandonada em fins de mundo construídos pelos poderes não estatais que governam soberanos sob o signo da imposição de pessoas e pequenos grupos que exercem a violência como forma predominante de coerção, inclusive a própria banda podre da polícia.

Com governantes frágeis, mais preocupados com a próxima eleição do que o planejamento, acompanhamento e a conclusão de obras e projetos cruciais para o desenvolvimento do estado, o estado enfraquece seu poder, que deveria ser exercido com firmeza para a felicidade da população, e permite que um grande mosaico de terror, desesperança, mesquinhez, má vontade, ignorância, sujeira, violência e mau gosto se instaurem como alternativa de um poder que, em sua diretriz, não se alterna. Na Bahia, a saída do antigo PFL foi um aceno de nós, povo, para a alternância do poder rumo à esperança que cultivamos. Esperamos o primeiro mandato petista e não chegou a nova história que desejávamos. O segundo mandato petista começou e ainda não percebemos elementos concretos de felicidade para nós. Esse estado já estava falido pelo modo como é operado pela cultura política e social que preside o nosso olhar, o nosso fazer, o nosso ser. E o outrora Partido dos Trabalhadores, colaborou ainda mais para que este lamentável conjunto de desvalores fortalecesse sua instituição. A noção de cidadania da Revolução Francesa é ainda uma miragem em nosso território e a construção do nosso espaço se dá pela via do interesse e do poder econômico, em detrimento do combalido poder popular.

A praça não é de povo algum, nem a de Castro Alves, nem a de Paripe. As calçadas não são para os pedestres, e os parques não são dos moradores e transeuntes, senão dos marginais. As obras não são do governo, mas dos interesses de empreiteiros e políticos no desvio de verbas; as escolas não são do interesse dos estudantes, pais de alunos (as), professores (as), e de diretores e diretoras-educadores (as), mas do desinteresse geral. Os projetos culturais não aparecem como elementos fortes de influência na formação da personalidade de crianças, jovens e adolescentes. Nem as igrejas, que antes exerciam forte influência em parcelas da juventude, não conseguem mais, depois que renunciaram sua ação escatológica (entendida como o esforço de entender os últimos eventos e sucessos do ser humano), motivar a juventude a participar da construção de um mundo diferente deste nosso, mesmo porque, penso que a igreja aposta no evento apocalíptico permanente como forma de manter o seu status e seu poder. As religiões na Bahia, apostam mais no inferno aqui no mundo, do que na transformação do mundo num Reino de Deus. O inferno rende mais fiéis que o céu. O céu pode esperar.

E nossa cultura patrimonialista, religiosa, que apresenta um deus num instrumento de tortura apontando para o inferno como arma ideológica, e não um Deus humilde, corajoso, como símbolo de libertação plena, junta-se a governantes mambembes, cujo tema da felicidade da população passa distante de seus interesses de poder e ideológicos, preocupados apenas em assegurar-se hegemonicamente no mundo, perpetuando o seu legado de desprezo pelo que é essencial na política e na religião: a felicidade das pessoas. Governam, portanto, mais a dor, que o prazer e a alegria que se realizam, predominantemente, no acesso do povo aos bens produzidos pela humanidade.

Joselito da Nair, do Zé, de Ana Lúcia, de Rafael, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

sexta-feira, 20 de julho de 2012

LIDERANÇAS PATO LOGICAS?



Um governo é uma liderança institucional. A liderança institucional nasce desde que é “eleita” para tal. Um (a) coronel, um padre, um (a) médico (a), um (a) enfermeiro(a), entre outras, são, naturalmente, lideranças institucionais. Mas não são, institucionalmente, lideranças naturais. Como afirmava Raimundo Sodré com Jorge Portugal, “[...] no cabo da minha enxada não conheço coroné.” Então há "coronés", padres, enfermeiros e enfermeiras, médicos e médicas, governadores e governadoras que não são lideranças naturais. São o produto de peças midiáticas com falácias retóricas que buscam construir um imaginário ilusório que mal chega a alcançar a opinião pública que tanto almejam como construção da hegemonia pela via ideológica. Esse é o caso do atual Governo da Bahia.

Quando votei pela primeira e única vez em Jacques Wagner esperava – de esperança – que ele e seu grupo tivesse um projeto de governo, com linhas de ação claras na educação, saúde, habitação, segurança, saneamento, infraestrutura, investimento, etc. Contudo, porém, mas, sobretudo, entretanto, todavia, percebi, para minha tristeza e desilusão, que não havia projeto algum! Só um pobre projeto de poder, eleitoral, periódico, aleijado. O PT não mudou nada na Bahia, nem mesmo os representantes das DIREC’s e de tantos outros órgãos da estrutura do estado baiano de coisas. Percebi claramente que o PT não entende de administração, pelo menos na Bahia, mas de eleição, de conversa fiada, de críticas a governos passados e a "heranças malditas" que o partido insiste ironicamente em preservar, de propagandas do que ainda não existe, de promessas sobre o que não foi feito, ou foi muito mal feito. Fui vendo o Partido dos Trabalhadores – que nos trazia esperança da ética prevalecer nos assuntos de estado e de Governo, que faria o povo mais pobre e esquecido ter acesso aos bens públicos como saúde, educação e segurança – perecer. Acreditei em "papá noé".  E vi esse mesmo Partido se partir ainda mais. Partir do seu “porto seguro” para navegar nos mesmos mares que outros partidos, como o Pernicioso outrora PFL, navegavam, em busca do poder eterno, mas sem a mesma convicção e competência.

Um governo assim não pode ser uma liderança. Um governo que aposta no asfixiamento de uma greve de professores que prejudica milhares de crianças, adolescentes e jovens baianos não pode ser uma liderança. A corda que o governo Wagner teceu para enforcar os professores e as professoras do estado baiano de coisas terminou por asfixiar Ele mesmo e seu partido nesses 101 dias de greve que se passaram. A liderança esperada não foi exercida por ninguém: nem por governador – que realmente governa a dor –, nem por Ministério Público, nem pela Ah-sem-bleia Le-giz-inativa, nem pelo poder jurídico. As lideranças institucionais provaram claramente que não são lideranças naturais, que não têm capacidade de, no momento da crise, ter coragem e defender a justiça e o direito. Aliás, justiça e direito que são rapidamente defendidos quando se trata de greves da indústria civil pesada da qual depende a construção do que o capital mais valoriza atualmente na Bahia: a construção da Fonte Nova, que de nova só tem a aparência. A justiça e o direito não são para "sobrantes". "Sobrantes nem fazem protesto, nem são força política, são apenas votos.

Da mesma forma, Rui Oliveira não deveria ser mais o porta-voz dos professores e das professoras da estragada rede pública estadual de ensino que, de tão estragada, não pesca mais promessas intelectuais, só estudantes mediocrizados por uma escola pobre para os “sobrantes” (Acácia Kuenzer). Rui Oliveira, tal como os imperadores, reina absoluto desde quando eu estava iniciando minha carreira docente, demostrando claramente que a enfermidade democrática na Bahia não é um sintoma apenas de partidos, mas de todos os setores: sejam eles da sociedade política, sejam da sociedade civil. Que sindicato pobre é esse que não consegue eleger ninguém diferente durante várias eleições? Que lideranças são essas que não conseguem se mover, necessitando de uma “primavera árabe” em seu processo político e eleitoral? Rui Oliveira deveria se tocar, como líder que se supõe. Tanto tempo à frente de um sindicato é sinal de fraqueza do mesmo e não de força. É sinal de que a renovação não existe, de que novas lideranças não são estimuladas a participar, a não ser com o apoio explícito de um ou dois partidos políticos controlando o comportamento de todos e de todas! É chegada a hora dos interesses partidários e eleitoreiros mesquinhos deixarem de mão os movimentos sociais e os sindicatos, para que eles se renovem e cumpram a sua função política, cultural e social a contento.

Contudo, parece-me que o governo da Bahia quer professores “sobrantes” mesmo! Professores e professoras sobrantes para os sobrantes sociais e culturais, que mal sabem ler e escrever ao final da educação básica da rede pública. Para esses sobrantes, professores e professoras sobrantes também. Desrespeitados, mal pagos, ameaçados, desprezados, desvalorizados, sem condições de participar de congressos, seminários, encontros. Sem condições de adquirir livros, de pesquisar – e quando pesquisam para mudar de nível é uma odisseia na "burrocracia" estatal – entre tantas outras mazelas a que são expostos as professoras, os professores e seus sobrantes alunos da educação básica pública do estado lamentável baiano de coisas.

Cazuza dizia que seus heróis morreram de overdose. As lideranças baianas nunca morreram, porque ainda não nasceram. Foram abortadas no ventre infectado da política brasileira e baiana. Não são líderes de verdade. Não têm coragem, autonomia e capacidade de rebeldia, seguem - e ceguem - orientações partidárias. E as orientações partidárias cegam e desorientam as iniciativas lúcidas das lideranças que foram extintas no século passado.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Tantas Gentes, e de Jesus, O Emanuel

sábado, 14 de julho de 2012

"Juninhos", "Netinhos" e "Filhinhos" de Lulinha e de outros papaizinhos mandões do Brasil e da Bahia


Os políticos baianos se auto-proclamam líderes ímpares, defensores ardorosos do Estado da Bahia. Fulano Filho, Sicrano Neto, Beltrano Júnior, entre outros “líderes”. Entretanto, ando um tanto quanto desconfiado de que tais “lideranças” não passam pelo teste da realidade, ou melhor: são lideranças de araque, para inglês ver e para baiano acreditar. Como sou um homem de pouca fé, principalmente em se tratando de política partidária, tanto é que não sou chegado a ir a pé a lugar algum, trago alguns elementos de São Tomé para demonstrar empiricamente a minha desconfiança. As estradas da Bahia, estaduais e federais, estão entre as piores do Brasil. Segundo um motorista de uma empresa de transporte intermunicipal, é só sair da Bahia e a gente se depara com estradas conservadas e bem sinalizadas. A BR 324 vai duplicar no dia de São Tentáculos. O único trecho da BR 101 que não está sendo duplicado é na Bahia. Em Sergipe a gente vê a duplicação ampliar a infraestrutura para o desenvolvimento econômico deles.

Na segurança somos violentados pela mentira e pelo descaso: mataram o funcionário municipal Neylton, e, o prefeito desta cidade, vereadores e quase toda a classe política se calou. Até os evangélicos! Morreu um pobre funcionário e nem o seu sindicato se manifestou; o diácono da igreja católica foi assassinado covardemente e o bispo pouco falou, a comunidade católica, imensa quando se trata de orações, está imobilizada; mataram o “Nativo”, esse, pelo menos os familiares, amigos e ambientalistas fizeram um ato respeitável em sua homenagem e em busca de justiça. Somos violentados em nossos salários, no pagamento de impostos, numa educação pública horrível, com quase 100 dias de greve e com índices pífios –Vejam o AVALIE-Bahia –num sistema de transporte coletivo péssimo – tente pegar ônibus na estação Iguatemi das 17h30min h às 19h00min – num ferrorama já enferrujando que numa termina, perdido num bilhão túnel abaixo, num sistema de saúde enfermo e até mesmo assassino. Crer que temos líderes é ser tolo, "inocente", drogado ou débil mental. Nossos líderes são medrosos – e não me refiro somente aos políticos – preferem o silêncio a ter de se comprometerem, são fajutos, bonecos, fantoches, corruptos, cínicos e mentirosos. Não são homens, nem mulheres de respeito, são produtos midiáticos, cheios de slogans e imagens enganosas. Seus discursos são ocos. Olhamos a imagem gigante na tv, mas quando nos deparamos com as atitudes desses políticos meia boca detectamos um fantoche,um humano mínimo, disfarçado com gravatas e bravatas. Em Eclesiastes tem uma frase preciosíssima para o que desejo tanto expressar: “O louvor na boca do pecador não é belo.” Pois é isso. Não há beleza nos discursos que ouço, eles são eivados de mentira e de cinismo.     

Nosso lamentável estado baiano de coisas tem um Governo que se mostra competente ao cortar os salários dos grevistas, caminha numa negociação sem elementos concretos de uma política salarial com os sindicatos dos professores universitários e dos professores da educação básica, reedita o outrora tão criticado “REDA”, etc. Mas não tem competência para combater o tráfico de drogas na Bahia, não tem capacidade de modificar o nome do Aeroporto para “Dois de Julho” novamente; não tem competência para aumentar a segurança nos bairros pobres de Salvador; não tem competência nem liderança em Brasília para solicitar o término do Metrô de Salvador; apesar da alegada amizade com a presidente desse país de voo econômico de galinha, não tem competência para investigar os atos da AGERBA no setor de transporte intermunicipal – não há concorrência no setor há mais de 10 anos!

Ser líder para mim é representar sonhos e esperanças e apresentar atos, atitudes, valores e ações que indiquem capacidade de realização, ou pelo menos esforço, vontade, luta, busca contínua desses sonhos. Líder é aquele que conduz o povo e se deixa por ele ser conduzido. Infelizmente, nossos políticos de esquerda, de direita e de centro – nem sei mais o que é quem! – representam mentira, discursos ocos, cinismo, caráter frágil - Ah, que saudade de Josaphat Marinho! Ah, que saudade de Fernando Santana! Ah, que bom que Erundina existe! - Estamos cheios de líderes fabricados pela mídia: “garotinhos”, “netinhos”, “juninhos” e “filhinhos de papai” que, de povo e de nação nada entendem. Só entendem de voto, de privilégios, de luxo e de conforto, pagos pelo estado, ou seja: pelo povo, é claro, é muito claro, muito caro mesmo.

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Nave interior dos homens e das mulheres simples


Outro dia Dilma Venutto, amiga minha e de minha esposa, referiu-se à música “Nave Interior”, de Zé Ramalho. Li a letra e ouvi a música e achei a reflexão excelente! Num dos trechos Ramalho afirma que:

“Respirar, navegar é coisíssima igual
O ar que ri é o fogo da nau
No vale profundo que geme em nós
Reside o casulo do cavalo alado”

Respirar, trabalhar, comer, trepar, produzir um artigo científico – muitas vezes mais para a nossa vaidade do que para contribuir com o avanço do conhecimento – ir à festas, assistir a decisão do campeonato de futebol ou do Grand Prix de vôlei, viajar, ir ao shopping e ao cinema, é coisíssima igual. E a realidade vai se monotizando, automatizando e a gente se robotizando. Nós, como gados, vamos sendo abatidos pela trama estrutural da sociedade, seja ela capitalista, seja socialista, seja uma mediação de ambas. Mas nem tudo está perdido! Segundo Zé Ramalho, em outro trecho da música “Há um vale profundo que geme em nós, aonde reside o casulo do cavalo alado.” E o bom de tudo é que essa força, esse poder insuspeito que trazemos dentro do peito, se encontra

Na rainha-mãe ou no pobre coitado
 
Porque
Ali se espelha a centelha do gás
Se é moça ou rapaz, ancião ou criança
A chama não cansa de dançar a dança

Todos os humanos têm essa centelha que alguns apagam de um jeito bastante estranho: ficam cegos. Uma cegueira construída nas relações sociais em que o poder estigmatiza, porque veem a centelha em seus pares de classe econômica, social e cultural, compartilhando entre si os elogios, os interesses, as observações e as críticas, a maioria dessas de uma pobreza só. O "pobre coitado" tem essa centelha também e pode acendê-la nos momentos e nos lugares mais inesperados e imprevistos, ou melhor ainda: a centelha pode acender sem que o seu portador preveja, planeje. A arte, a poesia, a imaginação criativa e todo a expressão sublime que é possível aos incluídos socialmente é possível também ao “pobre coitado”, ao “sobrante”, ao “homem simples”.Elas estão em Patativa do Assaré, em Luís Gonzaga, em Cora Coralina, em Catulo da Paixão Cerense, em Carlos Drumond de Andrade, em Dona Maria da "Rua do Bode" no Calafate, em Manoel de Barros e Manuel Bandeira, em Carolina de Jesus (Quarto de Despejo), em tantas e tantos que pensaram a sua existência para além da vida ordinária.

Mas esse “sobrantes”, esses “pobres coitados”, esses (as) “homens/mulheres simples”, sofrem as consequências da permanente tentativa de controle dos poderes instituídos, muitas vezes de forma perversa, inclusive por aqueles que têm o discurso da libertação, da emancipação, da revolução a favor do oprimido. As igrejas, por exemplo, com o discurso do divino, do céu e do sagrado contraposto ao diabólico, ao inferno e ao profano, com o sentido de proteger o “frágil fiel” contra as forças do mal, na verdade constrói cárceres, presídios simbólicos que escravizam as pessoas, atormentam os corações dos (as) simples, criando o verdadeiro inferno aqui mesmo, no cotidiano deles (as). O diabo e seus demônios, assim que são criados discursivamente no imaginário dos seres humanos, começa a atormentá-los. José de Souza Martins (2010), em relação a essa realidade, afirma que:

Nessa adversidade, a questão é saber como a História irrompe na vida de todo dia. Como, no tempo miúdo da vida cotidiana, travamos o embate, sem certeza nem clareza, pelas conquistas fundamentais do gênero humano; por aquilo que liberta o homem das múltiplas misérias que o fazem pobre de tudo: de condições adequadas de vida, de tempo para si e para os seus, de liberdade, de imaginação, de prazer no trabalho, de criatividade, de alegria e de festa, de compreensão ativa de seu lugar na construção social da realidade. Uma vida em que, além do mais, tudo parece falso e falsificado, até mesmo a esperança, porque só o fastio e o medo parecem autênticos. Na abundância aparente, não estamos realizados – estamos apenas saturados e cansados em face dos poderes que parecem nos privar de uma inteligência histórica do nosso agir cotidiano. (MARTINS, 2010, p.10)

Assim como as igrejas, seus padres, pastores, freiras, obreiras e similares, os economistas, os médicos, gestores e, principalmente, os cientistas e os políticos, também nos prometem o “paraíso”, mas nos oferecem passagens pelo inferno no cotidiano de nossas vidas, tentando controlar nosso comportamento, nossas mentes, nosso modo de sentir, de perceber, de consumir e de viver, criando, assim, sistemas prisionais concretos e simbólicos que nos encarceram, ou tentam nos encarcerar o tempo inteiro. Enfim, “temos medo de ser o que somos ou o que temos podido ser.” (MARTINS, 2010, p.11). E o saudoso, lúcido e no caso do trecho musical abaixo, irônico Raul Seixas chama a nossa atenção...

E você ainda acredita
que é um doutor, padre ou policial
que está contribuindo
com sua parte
para o nosso belo
quadro social...
Mas "[...] no vale profundo que geme em nós reside o casulo do cavalo alado”. Há uma transcendência que caracteriza todos os humanos, simples ou sofisticados. Mas talvez considerem a transcendência como previsão estatística, vencida pela força da mediocridade geral que forma através da ideologia disseminada por seus meios e mensagens. 

Eu, como todos os outros humanos, tenho um vale profundo que geme e nele reside o meu cavalo alado, preparando-se para a possibilidade de cavalgar pelos céus proibidos pela forma como nos organizamos em sociedade e deixamos a hipocrisia e a perversidade tomar conta do nosso tecimento permanente. Desconfio que a única transformação possível em curso só pode se dar no âmago pessoal de cada um, pois, como afirma Martins (2010, p.11):

O que sobrou do que nos tiraram é o que fecunda a nossa espera. Nossas privações são a nossa riqueza e o nosso desafio. Mas, com as ferramentas da cópia nada construiremos e nada compreenderemos.

Precisamos ler. Ler bem mais. Precisamos refletir, refletir bem mais. Olhar uns para os outros e celebrar num grande baile, um carnaval popular de rua que chame todos e todas para a dança, para o frevo político e cultural de emancipação individual e coletiva pois “a chama não cansa de dançar a dança.”

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel, com o auxílio de:

MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala, 2. Ed. rev. e ampl. São Paulo: Contexto, 2010.
Raul Seixas. Ouro de tolo.
Zé Ramalho. Nave interior.