sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Natal: Jesus X Papai Noel

Os shopping's estão lotados neste final de 2009. Todas as propagandas relativas ao Natal adotam o Papai Noel como o patrono dos presentes, de uma bondade comercial, de uma objetividade lucrativa, de uma sensação consumista. O "bom velhinho", com seus trajes característicos, enfrenta o calor dos trópicos  sem adaptar o vestuário, afinal, sem aquela roupa vermelha, que se destaca em qualquer multidão, papai Noel perde a sua identidade. Eu fico imaginando um velho, com um saco nas costas num calor infernal desses de Salvador. Deve ter perdido o juízo. Papai Noel é um louco! Não que eu seja contra um velhinho fazer "bondades", mas tenho certeza que um morador do Pólo Norte, teria sérios problemas de adaptação aqui nos trópicos, além de desdobramentos nada auspiciosos para a saúde, principalmente se não vestisse roupas adequadas ao clima soteropolitano. O calor deve ter cozinhado o cérebro do bom velhinho. Ainda bem que ele só aparece com sua insanidade de ano em ano, pelo menos é mais assíduo que os políticos.

O grande problema da aparição daquele velho vestido com roupas sufocantes é a promessa de presentes que ele traz com seu "rô, rô, rô, rô..." O Papai Noel não fala de reconciliação, nem de piedade. Não fala de solidariedade, nem de justiça. Papai Noel não fala de desprendimento, nem de perdão. Papai Noel nos envia às compras! Papai Noel pede pra gente comprar, consumir, e confunde felicidade com realização de desejos consumistas. Eu, que fui filho e agora sou pai, tenho certeza que o maior presente de um pai e uma mãe para o filho é a sua presença educativamente amorosa, seu contato profundo mediado pelo balanço, pela caminhada no parque, pelo ensino de um assunto de difícil compreensão para a garota, o garoto. Um abraço de um pai não precisa de um presente escondido nas costas para a realização do encontro. Se tiver presente, que seja, mas não é este que deve mediar o encontro e estabelecer os parâmetros para a relação entre ambos. Pode ser que o presente passe uma mensagem negativa. Pode ser que o filho entenda que ser pai e ser mãe é sempre sacrificar-se para atender a todos os desejos mesquinhos da criança, do adolescente, do jovem, que, assim, vai se tornando um tirano, um ego inflado de arrogância e prenhe de valores mesquinhos, que têm como horizonte o próprio umbigo, como alguns que conheço. O velhinho talvez não seja tão bom assim como a propaganda comercial aponta.

Mas eu acredito em outro Natal. Para lá de ser cristão. Eu li em algum lugar, onde o autor dizia que acredita em Cristo, apesar dos cristãos. Eu acredito em Cristo, apesar dos católicos, dos evangélicos, dos protestantes de modo geral. O Natal de Cristo, é nascimento. Natal, natalidade, nascimento, esperança. Eu acredito num Menino que nasceu enfrentando a morte, a rejeição da sociedade, a vontade do aborto que Herodes desejou promover, para que o poder continuasse contigo, para que o poder de decisão fosse sempre seu, para que o povo jamais tivesse acesso à emancipação plena de sua humanidade. Este Natal fala de justiça, de solidariedade, de partilha, de perdão, de reconciliação, de mudança de atitude perante um mundo consumista, que precisa provar que ama o outro pela mediação preponderante da mercadoria. O Natal de Cristo aponta para a última esperança: a do ser humano liberto dos demônios que o consomem e não permitem que ele se emancipe de todas as mazelas que o afastam de um mundo completamente diferente: o Reino de Deus. Jesus nasceu pobre e morreu como marginal. Em sua vida ele nos ensinou, na prática, o que era Natal. Foi para nascer outro ser humano que Ele nasceu. E o nascimento de Cristo não foi estático. Ele foi se encarnando na cultura do povo. foi apreendendo o seu jeito, foi compreendendo o seu sofrimento. Vestia-se como eles e trabalhava como eles. O que era destaque em Jesus não foi uma roupa chamativa, ou um riso particular, como uma marca de uma mercadoria. Foi o que ele fez enquanto viveu e a mensagem que deixou. 

Jesus não teria problemas de adaptação com o calor de Salvador, afinal, na Palestina a "quintura" também é grande. Ele não era loiro de olhos azúis. Devia ser um cabloco queimado de sol, andarilho que era, devia ter os pés rachados. Se encarnado em nosso tempo Jesus fosse, tenho certeza que Ele moraria num lugar parecido com o Calafate. Talvez não tivesse tempo para jogar um dominó em Duzinho, mas passaria lá para dar uma boas risadas com a gente. O presente de Jesus não é uma mercadoria que a gente pode adquirir dividindo no cartão em trocentas prestações nos shopping's do mundo. O presente de Jesus é a possibilidade renovada todo Natal de podermos ser melhores do que fomos durante o ano anterior. Eu vou tentar dar esse presente para mim e para quem amo. Mas se você acredita em Papai Noel, pode encontrá-lo nos melhores shopping's da cidade. Adquira sua felicidade nas lojas dos shopping's e tenha o Natal que merece. Rô rô rô rô rô rô...

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Endereço

Para chegar aqui
você não pega a direita
nem a esquerda.
Esqueça também o centro.
Deixe as ideologias partidárias
onde elas merecem: no lixo.

Aqui não vem carro,
nem barato, nem caro.
Aqui não vem trem, nem avião,
nem nada a motor.
Não traga dinheiro.

Você atravessa a certeza
e penetra a saudade.
Passa pela ausência
de uma presença querida,
e chega antes na dor.
Dor lorida, dor sentida
e fica amargando sentado.

Daí você atravessa
uma ponte de segredos
que cada um tem de saber por si mesmo,
sem poder contar nem pro(a) filho(a)
e vai trilhando a alegria tranquila,
sem medo de depois da curva.

Quando você enxergar de longe
uma luz azul chamando a sua vontade.
Quando você sentir o coração
pulando,
abra a porta da sua alma.
Você chegou.
seja bem vindo!

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, de Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Fins de Mundo

Quando eu era menino, minha mãe dizia que minha avó lhe havia dito que o mundo iria se acabar no ano 2000. Esse ano para mim era cheio de mistérios, de esperas, de ansiedade. À medida que fui crescendo, e o ano 2000 se aproximando, fui esquecendo o quanto ele era letal para a humanidade. Mas, de vez em quando, recordava-me dessa profecia. Aliás, minha mãe sempre tinha o mal ou o bom costume de relembrar-me do fim do mundo e do quanto eu ainda tinha de mudar alguns procedimentos para estar preparado para o julgamento final.


A partir daí minha vida tornou-se uma miscelânea de fins de mundo. Tinha o fim do mundo de Raul Seixas:


Quem vai chorar, quem vai sorrir ?
Quem vai ficar, quem vai partir ?
Pois o trem está chegando, tá chegando na estação
É o trem das sete horas, é o último do sertão, do sertão
Ói, olhe o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no ar
Vê, é o sinal, é o sinal das trombetas, dos anjos e dos guardiões
Ói, lá vem Deus, deslizando no céu entre brumas de mil megatons
Ói, olhe o mal, vem de braços e abraços com o bem num romance astral


Amém.

Tinha também o fim de mundo da Bíblia...



E Sofonias ameaça com os seguintes termos (I, 14-17): "Próximo está o grande dia de Yahvé, próximo e chega velozmente. Já se ouve o ruído do dia de Yahvé e até o valente dará gritos de espanto! Dia de ira será aquele dia, dia de tribulações e de angústia, dia de calamidade, e de miséria, dia de trevas, de escuridão, dia de nuvens e de espessos aguaceiros, dia de trombetas e de alarmes contra as cidades fortificadas e os altos torreões. Eu incutirei angústias aos homens e eles caminharão como cegos, porque pecaram contra Yahvé, seu sangue será derramado como pó e sua carne atirada como excremento...". E acrescenta Isaías (24, 1-6): "Por isso a maldição devora a Terra e restará somente um pequeno número".(http://www.esoterikha.com/grandes-misterios/fim-mundo-profecias/biblias-guerras-anticristo-apocalipse.php).
Eu então, ficava pensando nos diferentes fins de mundo que haveriam de acontecer. Quando era mais jovem, inexperiente e muito crente, quando andava na igreja, acreditando que estava andando no caminho para o senhor. Tentava não me masturbar, pois naquela época era pecado. Tentava não querer transar a todo minuto – hoje a toda hora. Viajei na maionese, literalmente! Tentava ser santo, enfim. Imaginava um meteoro gigantesco, como o que se supõe destruiu os dinos; imaginava a volta do senhor, com seu olhar severo sobre minhas masturbações e o meu envio sem dó para os infas. Imaginava um anticristo governando o mundo e destruindo a terra em nome de seu pai, o “coisa ruim”. Mas, para minha decepção, e alívio, o fim de mundo não veio no ano 2000. E a palavra de minha bisavó, e da minha avó e da minha mãe? Agora, o cinema acalentou um pouco minha decepção. Pode ser daqui a dois anos. “Bom, muito bom.” E a Igreja também colabora. “Ninguém sabe o dia e a hora”, já repetia meu pai, e o padre apoiava! Só Jesus sabia, talvez nem ele, só o Pai. Fiquei remoendo o fim do mundo nos diversos fins que poderiam ter sido e que não foram.

E, agora com o fim do mundo do cinema, interpretado a partir dos escritos dos Astecas, “2012”, traz uma mensagem científica e também esotérica, de uma renovação da terra por um futuro inexorável, onde o sol determinará o fim do mundo que conhecemos. Poucos pobres escaparão do final de uma humanidade que, por salvar muitos ricos e poderosos, não conseguirá se renovar, e assentirá com a escatologia bíblica. A humanidade, embora com poucos humanos, será a mesma de sempre: ricos contra pobres; brancos contra negros, índios, amarelos; homens adultos contra mulheres, jovens, anciãos e crianças; heteros contra homossexuais. Assim, a humanidade repetirá a velha humanidade e sucumbirá no juízo final.


Entretanto, tenho certeza que o fim do mundo está chegando, e o bom que ainda não sou avô. Não vai ser um meteoro, nem vai ser um diabo qualquer - ou talvez o anticristo seja brasileiro. Que bom, mais um título pra nós!- Creio que o fim do mundo está derretendo as camadas de gelo; o fim do mundo está extinguindo a flora e a fauna; o fim do mundo está corrompendo todos os homens, principalmente no Brasil, na Bahia e em São Francisco do Conde, onde o diabo deita e rola na grana que emana da exploração do petróleo; o fim do mundo está na injustiça que impera no judiciário, no juizes que vendem sentenças e a alma por alguns milhares de reais, no executivo que começa e termina obras na propaganda, e no legislativo brasileiro que se vende por um mensalinho, mensalão ou mesmo uns poucos trocados, como fez Severino Cavalcanti e outros; o fim do mundo está numa criança cheia de agulhas, introduzidas em seu corpo pelo seu padrastro; o fim do mundo está na meningite, que após o carnaval vai espalhar-se por todo o Brasil. O governo Wagner sabe disto e deve ter prudentemente vacinado toda a sua família; o fim do mundo vem no mensalão do PT, do PSDB e do DEMO. Demo, nada a ver; o fim de mundo está em Copenhague, no Iraque, nos Estados Unidos da América e na Venezuela.

Enfim, o fim do mundo não vai ser causado de fora. A terra sofre o fim que o ser que se diz humano está causando, em nome do lucro, do furto, do roubo, do assalto, do cinismo, do gozo imediato. É esse fim que está aí, acontecendo diante nossos olhos, nos jornais diários. Um fim de mundo desses, ninguém merece!!!

Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, o Emanuel

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Quem és homem?

Quem é você, homem,
nesse tempo em que estás sendo?
Macho
que virou machista
Branco
que virou racista
Mão
que virou machado
Liberdade
que virou pecado.

É você, homem?
promessa
que virou corrupção
Sonho
que virou pesadelo
esperança
que virou desespero

É você, homem?
honra
que virou cinismo
dono
em nome do capitalismo
igualdade
que virou abismo, incomensurabilidade.

É você, homem?
semelhança de Deus
que virou filho do diabo.
É você nesta data,
neste espelho do tempo

Afinal, quem é você, homem?
que nem lobisomem mais és.
quem podes ser mais
se não podes ser mais ninguém?


Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Você e o Tempo

Eu quero ter um tempo inteiro contigo.
Um tempo amigo que passe pro almoço
e daí pro cochilo.
Um tempo em que a noite
aqueça meus lábios e acenda meu pênis.

Eu preciso domesticar esse tempo
que foge
que não deixa tempo pra
fazer devagar o começo,
do jeito que a gente acende
e explode!


Você faz o tempo calar,
correndo em silêncio,
tornando fugaz
meu desejo, meu tempo.


Me dá um tempo algum dia
pra que eu,
te amando nas horas,
faça o tempo parar.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Ciclo-Vita: Rafael

Rafael,
você veio precioso nas mãos da vida.
A partir daí começamos nosso rumo
neste mundo magnífico e estranho.
Quero me/te dizer umas palavras:


Até um tempo eu vou segurá-lo nos braços
até um tempo eu vou segurar suas mãos
até um tempo eu vou estar no seu pé
até um tempo eu vou fazer sua cabeça...


Mas o tempo passa meu amado filho.
Depois desse tempo você vai negar
meus braços
minhas mãos
meus pés
meus pensamentos.


Você vai precisar ir
pra construir o seu próprio tempo
para se tornar o meu pródigo.


E então virá um outro tempo:
o tempo de voltar para mim.
Pra mim carregar nos braços
Para segurar minha mão
Pra estar no meu pé
Pra fazer a minha cabeça grisalha.


Mas seja você quem for
Quando voltar de onde voltar
Traga alegria, esperança,
solidariedade e justiça.
É com essas coisas que você
me deixará tranquilo nas mãos da morte.


Autoria: Seu pai: Joselito da Nair e do Zé

Manifesto do Desejo

O que nós queremos é viver. Viver de todas as formas,
viver de todos os ritmos, viver de muitos deuses;
viver com o nosso nome, viver de prazer, de emoção;
viver de existir!
Nós queremos desejo. Desejo de muitos
desejos cruzados de todas as tribos.
Desejos singelos; desejos profundos.
Desejos de lua, desejos de estrelas, desejos de fundo,
desejos de cheia e desejos minguantes, desejos imigrantes.

Nós queremos inventar um tempo pra nós.
Um tempo sem pressa; um tempo de olhar,
olhar sem saber, apenas tocar
suavemente as coisas, sem querer possuí-las,
nem manipulá-las.

Queremos andar distraídos, sem objetivo algum.
Ir pra lá, ir pra cá, ir pra qualquer lugar
dentro/fora da gente.
Queremos parar. Parar pra ficar um tempo parado
de qualquer lado da rua,
a qualquer hora do dia
com direito a assobiar.
Queremos ir para todos os lados, para todos os cantos
e não apenas pra frente.
Queremos voltar atrás, voltar pro lado, pra cima, pra baixo.
Queremos andar no passo arrastado e gingado de Bezerra da Silva;
derrotar a pressa inútil e assassina.
Queremos um outro ritmo pro mundo.

E nesse ritmo queremos tocar a nossa existência,
sambando, dançando no rock, no jazz, no chorinho,
na bossa lenta, no rap...
Ouvindo a orquestra, a seresta, o canto gregoriano;
o tango, o mambo, o nosso reinado artístico popular e mais tudo.

Queremos trabalhar para viver, num ritmo, num estilo próprio;
queremos umas outras ordens/desordens,
outras formas de organizar, de distribuir, de decidir
o poder, os dinheiros, as comidas, as águas, a vida...

Queremos todas as belezas de todos os povos;
todos os saberes, todos os contextos,
todas as memórias, todos os poemas.
Queremos muitas linguagens, muitas linhagens,
Queremos preservar toda forma de vida
E inventar outro mundo em ações milagrosas
de seres humanos.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

Gênesis e Apocalipse

Pai e mãe no íntimo,
gozo implodindo corpos adentro,
choque entre um meteoro e um planeta...
eu nasci!

Universo, ventre de Deus,
há de parir a vida plena
sob a luz nascerá novo dia
eterno, irreversível,
não tardará.

Contido do mais puro ar
do mais azul dos azúis
da paz alva e
da verdade límpida

Se fará a justiça cristalina 
e terna
Será o amor, 
não a guerra
Assim será a nova terra.

Autoria: Joselito da Nair e do Zé

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Bakhtini-ANA


Eu quero te dizer umas palavras precisas
mas tenho de te encontrar no lugar,
no contexto do romance.

Eu preciso pronunciá-las,
escolhê-las sem pressa
em meu sentimento fecundo,
no sentido profundo 
e implicado
de amá-la.

Eu vou projetar a ponte
de palavras até ti,
para vencer o vazio
e deixar meu segredo sair.

Vou até você
vou atravessar a ponte
bem na hora exata
desta formação discursiva.

Para expressar sem pressa,
todo o meu discurso interior,
tudo que vem sendo sentido
intrapsicologicamente,
num diálogo de corpos, gestos,
toques, beijos, verbos,
interpsicologicamente. 
Apenas contigo,
eternamente. 

Autoria: Joselito de Ana Lúcia.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

SINAL DE LUTO

No horário marcado
uma mochila se atrasa 
os ponteiros se agitam
e agoniam um  peito.
O tempo corrói
uma alma que dói
aflita no parapeito.


A janela nervosa
esperando a esquina
suspender a cortina
e acabar o suspense
e  o tempo, calado,
prosseguiu os seus passos
pra encontrar o desfecho
na avenida à frente.


A paciência passou dos limites
e desceu as escadas,
esqueceu as sandálias
e foi desprevenida.
O coração? Não deu tempo
 foi na mão, não no peito
e sangrou na avenida.


O pranto respondeu à dor nua
a criança esgotou o tempo
no meio da rua
e olhos ambulantes
lavaram o asfalto
com lágrimas cruas.


Uma mãe em estado de choque
o olhar perdido na rua da morte
Uma dor impiedosa
atropelava sua sorte.


O sinal fechado
em sinal de luto
o trânsito em silêncio...
A criança atirada no absoluto
e a dor, insolúvel no pranto, 
continua latejando
num canto triste do tempo. 


Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Mercado-maria

Há muitas Marias neste mundo,
Marias da Glória, Marias da Penha
Marias do Socorro, Marias Conceição
e marias concebidas
sem pecado
sem sorriso
sem expressão
sem vestígios.

Há marias inventadas pra consumo
dos fiéis.
maria-vai-com-as-outras, marias-fumaça,
que se desfazem no ar.
Há marias à venda nas destacadas prateleiras
das igrejas
pra derrubar a concorrência.
Há marias na liquidação de fim de mundo,
vendida por qualquer milagre.

Mas há você, Maria-pé-no-chão,
Maria de verdade
que dispensa os andores, os altares,
que luta pelo pão.
Você me salva desta fé
desta fé fabricada no conforto,
n'outro mundo.
Eu prefiro teu café, teu abraço
e cafuné;
o teu suor e o teu pão,
eu prefiro tua fé:
fé na vida, fé na gente,
fé na palavra de um Menino
que de tanto encarnar-se
no meio do povo
revelou-se ser divino.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Marias e de Jesus, O Emanuel

Vaga-Lume

O vago lume da minha vida
acende e apaga na escuridão noturna
Não se pretende farol dos homens
mas não se perde no breu imenso.
Acende e apaga
acende e apaga
e novamente, acende,
iluminando o sentido da noite.

Na vasta luz o dia vaga
e acende apenas
só à noite apaga

Os seres humanos vêm
nas mãos da vida,
um dia vão, nas mãos da morte
no acende-apaga
e se apagam
e reacendem na escuridão.

Como pode uma noite inteira
que meio mundo assume
render-se à luz
de um minúsculo vaga-lume?

Acende e apaga,
acende e apaga,
eternamente
batiza a noite,
batiza a vida,
batiza a morte,
meu vaga-lume.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel 


Batismo

O caminho serpenteia a terra
começo de paz
o fim das minhas guerras,
de trincheiras e campos de batalha


O caminho andando em meu passo
cortando veredas, caatingas, desertos
unindo riachos, levando segredos
de rio pro mar


A cerca ao lado seguindo meu nado
em compasso de espera.
O meu lado mais leve
saltando do rio na harmônica curva.
O menino amarelo
 brincando banguelo com a chuva.


Ignora a cerca farpada
e festeja o quintal de um dono
que também ignora
na manga doce que escorre 
amarela da boca,
no caju, na goiaba,
na roupa molhada.


A minha infância inteira
coube naqueles galhos,
naquelas margens,
daquele rio.
Eu mergulhei na vida
inteira daquele instante
e exultei alegre
daquele momento em diante
para todos os dias seguintes
da minha existência.


Quando saí do rio, fiquei alí
com a chuva, com a margem,
com o sabor, com a imagem
daquele momento.
Senti uma benção alegre...
E foi assim meu verdadeiro batismo.


Autoria: Joselito da Nair e do Zé.



terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Madrugada

Na madrugada tudo barulha
nada embaralha na calma
nada espalha o silêncio
que pede palavras à alma.

Fico calado ouvindo o livro
que fala por horas aos meus olhos
Leio, leio, creio e crivo
e, no silêncio, registro meus gritos


Na madrugada eu vou tecendo
os fios do discurso
os cursos do rio
os ditos e suas entrelinhas
os meandros tecidos
rumo ao destino do mar.

Não escolho palavras:
Elas me acham
no lugar do silêncio
e se pronunciam
madrugada inteira
enredando poemas
trançando versos
traçando verbos

A madrugada me deixa sozinho:
silêncio e palavras
tecidas de um modo
de ser poesia.
Ana dorme quieta
parece longe e discreta
me resta o silêncio:
 a voz da madrugada

Autoria:  Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

Eu faço silêncio para esperar a palavra

O silêncio não é o vazio, o sem-sentido; ao contrário, ele é o indício de uma totalidade significativa. [...] É o silêncio a própria condição da produção de sentido, o lugar que permite à linguagem significar.
(Eni Orlandi, 2002, p. 70)


O silêncio não é simplesmente a ausência da palavra. Há muitos tipos de silêncio. E todos revelam e expressam determinada situação. Há o silêncio da sabedoria, que é o momento de ouvirmos bastante para tentar compreender. O silêncio de escuta é praticado, geralmente, pelos mais velhos. A maturidade escuta muito, para poder pronunciar alguma palavra. Procura entender o seu interlocutor, seu contexto, seus motivos e seus anseios, a fim de construir a ponte de palavras que permitirá a comunicação entre ambos. Quando uma anciã e um ancião falam, podem vir também muitos equívocos e preconceitos sobre o objeto a que nos referimos. Mas há muito de uma experiência vivida, almagamada com a intuição, os sentidos diversos e a sabedoria partilhada durante anos nas diversas interações vividas com seus contemporâneos em múltiplas situações.


Outro silêncio é aquele deliberado, quando temos a necessidade de contemplar a nossa vida, o que fizemos, o que temos a fazer, o que erramos, o que ainda é possível melhorar. É um silêncio monástico, contemplativo, um silêncio de advento, aguardando revelações. Penso que, assim como a escrita da poesia em mim acontece, ou seja, eu não digo: - agora vou escrever uma poesia. Não é assim que acontece. A poesia inscreve-se em mim, por um processo de germinação no seio do meu ser. Assim também a revelação ou as revelações, não vem do céu, de um espírito superior, vem da ruminação que elaboramos reflexivamente sobre a nossa existência e, sem hora marcada, apresenta sua síntese. Eu faço silêncio para esperar pela palavra. Essa palavra é marcada pela minha singularidade no mundo com os outros. Eu forço nela a sabedoria relativa que tenho. Eu procuro nela alguns pequenos segredos da minha vida cotidiana que, embora sempre estejam a minha frente, não consigo ver num mundo saturado de sons e cores. E o silêncio se faz um espaço precioso para poder ouvir, sem os olhos, pois os olhos, neste caso, cegam e ensurdecem, a verdade que se esconde, cotidianamente, diante de mim.

Há também o silêncio dos cínicos. Silêncio funesto, que faz “vistas grossas” às situações que mereceriam palavras duras, gritos, ordens. É um silêncio maldito, que oculta, que esconde, que protege o delinqüente, o marginal. Hanna Arendt, em seu livro A condição humana, refere-se a dois tipos de silêncio, entre os quais o silêncio a que refiro-me acima.


Embora ninguém saiba que tipo de “quem” revela ao se expor na ação e na palavra, é necessário que cada um esteja disposto a correr o risco da revelação; e nem o praticante de boas ações, que precisa ocultar sua individualidade e manter-se em completo anonimato, nem o criminoso, que precisa esconder-se dos outros, pode correr o risco de revelar-se. Ambos são indivíduos solitários; o primeiro é “pró” e o segundo é “contra” todos os homens; ficam, portanto, fora do âmbito do intercurso humano e são figuras politicamente marginais que, em geral, surgem no cenário histórico em épocas de corrupção, desintegração e decadência política. Dada a tendência intrínseca de revelar o agente juntamente com o ato, a ação requer, para sua plena manifestação, a luz intensa que outrora tinha o nome de glória e que só é possível na esfera pública. (ARENDT, 2004, p. 192-193)



Nesta época de corrupção e desintegração moral do ser humano brasileiro há muitos silêncios e silenciamentos ocultando atos criminosos, praticados por padres pedófilos da Igreja Católica; pastores assassinos da Igreja Universal; políticos e seus parentes nos órgãos do Estado, do futebol ao meio ambiente; entre tantos outros. Esse silêncio impõe o silenciamento. Quem denuncia anuncia a sua morte, de modos diversos de mortes. E esse processo enseja outro tipo de silêncio: o silenciamento.

O silenciamento é um ato contra a humanidade. Se existir humanamente é pronunciar o mundo, como afirmava Paulo Freire, silenciar o outro é desumanizá-lo. Somente pode falar quem... reduz outros ao silêncio, ao reino animal, vegetal. Boaventura de Sousa Santos (2001), em seu livro A crítica da razão indolente, afirma que “O silêncio é, pois, uma construção que se afirma como sintoma de um bloqueio, de uma potencialidade que não pode ser desenvolvida.” (p. 30). E há muitas potencialidades relegadas em nosso país ao silenciamento estúpido que os poderosos, e nem tão poderosos assim, impõem. É preciso fazer silêncio dentro de nós para poder dialogar com nossas atitudes, pois pode ser que, também nós, silenciemos os outros. É preciso dialogar com nossos demônios nos espaços de silêncio criados em nós para podermos saber quem somos nessa dialética silêncio/palavra. Precisamos enriquecer nosso silêncio, nosso discurso interior, com o diálogo fecundo conosco, no âmago do nosso ser, para ir encontrando-se com a palavra verdadeira que muitas vezes traímos.

Não façamos apenas um minuto de silêncio. Este minuto é de morte. Façamos silêncios de vida, onde a palavra possa ser fecundada por mundos interiores de amor, de romances, de emancipações, de justiças, de ética, de respeito às diferenças nas práticas interpessoais, de alegrias compartilhadas pelas conquistas, não sobre os outros, mas com os outros. Neste final de ano, eu quero ficar um tempo em silêncio. Preciso me encontrar por lá em mim mesmo, para poder pronunciar-me emancipadamente contra a hipocrisia, contra o cinismo, contra a arrogância, contra o barulho das mil coisas que nos engolem, mesmo quando estamos de licença-prêmio.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Ex-Cola

Ex-cola

O aluno cola
essa ex-cola não cola,
gruda, mas não cola.
Não cola mesmo!


Essa ex-cola não bola
não joga,
não brinca,
não cria, não gira,
não rola.

Essa ex-cola ôca
chula
choca!

Essa ex-cola brinca
com sua função.
Não cola
ensino com aprendizagem;
objetivos com avaliação;
inteligência com percepção;
ciência e prudência;
ética com cognição;


Essa ex, cola
o aluno cala
passa
de qualquer forma
de qualquer cola.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, do Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Os Sorrisos do Lagarto

Vou dizer, a "dita" continua dura, não amoleceu, ainda não teve tempo. Tentem denunciar o que estão vendo - o rei está nu! - e verão o que acontece. Há um silenciamento não explícito que, embora percebamos o que acontece a nossa volta, não podemos pronunciar, senão a morte começa a ser anunciada na pronúncia de nossas dores e sofrimentos. E a morte a que me refiro vem com muitas aparências. 

Primeiro vão tentando desqualificar nossa pronúncia. Começam a nos chamar de "afetados", loucos(as), sapatão, viado, imbecil... Depois, quando essa estratégia não funciona, começam a tentar nos enfrentar com a lei, escrita por eles, e seus advogados - sem desmerecer os advogados. Em seguida começam as ameaças e, finalmente, um dia um tiro tenta nos calar. Mas balas não têm o mesmo poder da palavra. Romantizo, para poder continuar crendo. Sou apaixonado pelo livro de João Ubaldo Ribeiro: O sorriso do lagarto. Ele nos ensina que uma bala medeia a relação truculenta do poder político, do poder científico e do poder religioso frente ao poder comunitário, às crenças e a religiosidade populares, à verdade, ao romance e ao amor.

A genialidade de João Ubaldo brinca com nossos sentimentos e, com essa pedagogia em sua obra acima citada, nos atira a verdade na cara, mostrando que o lagarto pode nos sorrir a qualquer momento no exercício perverso dos poderes hegemônicos. No "O sorriso do lagarto" há um caixão simbólico na Baía de Todos os Santos. Neste caixão há um corpo do personagem João Pedroso. Neste corpo há muitas mortes. Mortes de sonhos de amor, de liberdade, de emancipação, de participação. Morte do sonho de verdade, sonho de ver o ser humano com mais sabedoria e menos poder. No fundo da baía fria, não há somente um corpo simbólico de João Pedroso que a ficção ubaldiana criou, há todo o sonho de um povo, afundado pela ditadura num caixão bem trancafiado, para o corpo não pronunciar a sua morte e reclamar a sua justiça, caso apareça boiando n'alguma praia de Salvador. Há muito mais corpos, há muito mais sonhos, há muito mais desejos emancipatórios ali, no fundo da baía de todos os demônios e santos. O silêncio do fundo marítimo no O sorriso do lagarto tem gritos abafados de dor, revolta, indignação e sofrimento.

Não sou contra o poder. Ele é intrínseco ao ser humano vivendo em sociedade. Em toda e qualquer relação humana há poder. Mas penso que esta dimensão humana deve estar a serviço dos sonhos de felicidade e não o seu contrário, como é de praxe. O poder deve estar a serviço do amor, da paz, do encontro da humanidade com um destino permanentemente construído pela solidariedade, pela justiça, pelo amor. O tiro só encontra o alvo, a violência só se justifica e a morte só se realiza quando a solidariedade, a justiça e o amor não constituem o currículo do poder. Aí o poder se torna insano, mesquinho, individualista, hipócrita, violento e assassino, produzindo mortes diversas, seja num antigo campo de concentração nazista, seja nas senzalas do Brasil escravagista, seja nos latifúndios nordestinos, seja na xenofobia européia, seja nas guerras civis africanas, seja nos subúrbios e nas favelas das periferias do mundo.
[...] A uns três metros dele, um bulício num dos canteiros rompeu o silêncio e ele foi ver o que era. Era um grande lagarto esverdeado e iridescente, que pôs a cabeça para fora de uma touceira de margaridas e o encarou, mostrando e recolhendo a língua repetidamente. O lagarto de João Pedroso, o lagarto que sorria, o lagarto que ainda ia sorrir mais? Não era possível que um lagarto sorrise, mas a verdade é que, depois de se aproximar mais um pouco, sentiu que realmente havia algo de um sorriso em torno do bicho e não sorria para ele, mas como que sorria dele. (João Ubaldo Ribeiro. O sorriso do lagarto, p. 362)
O lagarto sorri na ferida exposta, no sangue que escorre, na vida que morre. O lagarto sorri no poder insano, no ditador soberano, na pena de morte. O lagarto sorri na fome que come o faminto, na execução sumária, na morte diária, no enterro indigente. O lagarto sorri no bispo que cala e consente, no policial que lucra matando, no juiz que vende sentenças, no advogado que vende a alma, no governo que vende mentiras, nos/as deputados/as que são evangélicos por causa do voto fácil. O lagarto sorri nos corpos atolados de lama, nos dramas do morro e das suas baixadas. O lagarto sorri na floresta que some na serra elétrica, no inferno que queima toda a pele da terra e estorrica a esperança do povo.

Autoria: Joselito da Nair, do Zé, de Rafael, de Ana Lúcia, de Tantas Gentes e de Jesus, O Emanuel

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

SENNA E OS SEM-NADA



É Senna. É duro.
É tão duro ver um muro de concreto
diante da vida da gente.
Pensa, como é difícil
ter que suportar
tantos muros que nos cercam
nos exigindo a linha reta
nos proibindo a tangente.

É triste e doloroso
lutar como um leão por um prato de arroz
com farinha e feijão.
Sou humano:
e já tem tanto alimento
estocado.

É duro ter de aguentar
tantos defeitos mecânicos:
a fome, o despejo,
o latifúndio,
a miséria
o desemprego.

Que nos atira fora da pista
que nos cospe fora da vida
nos lançando contra a violência
concreta de um muro
de mentiras e preconceitos.

Joselito Manoel de Jesus, Professor, Poeta e Corredor de rua

Educação, política e mensalão, noticiários do Jornal Hoje da rede globo de televisão, apresentado em 30/11/2009, por isso resolvi expressar minha indignação pelos noticiários de hoje.

Ô destemida desigualdade
Que tanto vem nos aprisionar
Mas nos queremos liberdade
educação para nos libertar

Fala-se em redução das disparidades
Mas enxergamos é a corrupção
Continuam subserviências as beldades
Por não investirem em educação



Professores sempre a resistir
É na utopia que se ergue o coração
A educação política vamos cumprir
Ela será o reflexo da nossa ação

Hoje uma dor bateu em meu peito
Novos noticiários sobre mensalão
Tremenda falta de respeito,
Esses dinheiros eram da educação

Precisamos nos indagar
Analisar o atual momento
Às desigualdades estão a amenizar,
Ou tem aumentado o sofrimento?


Crescimento econômico é só o que se fala
Mas poucos em desenvolvimentos sociais
Mas minha voz dessa vez não se cala
Por maiores investimentos educacionais.


Tenho em mim profunda alegria
De um estudante político universitário
Mas se eu não contribuir para romper essa burguesia
Serei eu mesmo mais um otário.

A educação é ato político e iluminado
Por isso ainda há esperanças
De acreditar no mais desacreditado
Em um país melhor para nossas crianças.


Elton Rodrigues Ferreira é estudante de geografia pela UNEB, Universidade do Estado da Bahia, aluno do professor Joselito Manoel, um grande mestre por sua vez.


segunda-feira, 30 de novembro de 2009

MULATA EXPORTAÇÃO

Mas que nêga linda
e de olho verde ainda
olho de veneno e açúcar!
Vem nêga, vem ser minha desculpa.

Vem que aqui dentro ainda te cabe
vem ser meu álibi, minha bela conduta
vem, nêga exportação, vem meu pão de açúcar!
(monto casa procê mas ninguém deve saber, entendeu
meu dendê?)
Minha tonteira, minha história contundida
minha memória confundida, meu futebol, entendeu
meu gelol?
Rebola bem meu bem querer, sou seu improviso, seu
Karaoquê;
Vem nêga, sem eu ter que fazer nada, vem sem ter
que me mexer
em mim tu esqueces tarefas, favelas, sensalas, nada
mais vai doer
sinto cheiro docê, meu maculelê, vem nêga, me ama,
me colore
vem ser meu folclore, vem ser minha tese sobre nêgo
malê
vem, nêga, vem me arrasar, depois te levo para gente sambar.

Imaginem: ouvi tudo isso sem calma e sem dor.
Já preso esse ex-feitor, eu disse: seu delegado...
E o delegado piscou.
Falei com o juiz, o juiz se insinuou e decretou
pequena pena com cela especial
por ser esse branco intelectual...
Eu disse: seu juiz, não adianta! Opressão,
barbaridade, genocídio
nada disso se cura trepando com uma “escura”!
Ó máxima lei, deixai de asneira
Não vai ser um branco mal resolvido
Que vai libertar uma negra:
Esse branco ardido está fadado
porque não é com lábia de pseudo oprimido
que vai aliviar seu passado:
Olha aqui meu senhor:
eu me lembro da senzala
e tu te lembras da casa grande
e vamos juntos escrever sinceramente outra história?
Digo, repito e não minto:
porque não é dançando samba
que eu te redimo ou te acredito:
Vê se te afasta, não invista, não insista!
Meu nojo!
meu engodo cultural!
minha lavagem de lata!
Porque deixa
r de ser racista, meu amor,
Não é comer uma mulata!

                                                                     Elisa Lucinda